quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Nobel da Química para descobertas pioneiras sobre “sensores” das células - Ciências - PUBLICO.PT

Nobel da Química para descobertas pioneiras sobre “sensores” das células - Ciências - PUBLICO.PT

Sem estas moléculas incrustadas na membrana celular, cuja estrutura e funcionamento os laureados desvendaram, as células não saberiam reagir à catadupa de sinais químicos que recebem do resto do corpo.

Dois norte-americanos, Robert Lefkowitz e Brian Kobilka, foram distinguidos com o Prémio Nobel da Química de 2012 pelos seus estudos sobre os “receptores acoplados à proteína G”, anunciou esta quarta-feira a Real Academia Sueca das Ciências.

Para perceber o que essas moléculas fazem, basta imaginar o que acontece quando temos medo: o nosso coração bate mais depressa, a nossa respiração acelera, os nossos músculos contraem-se, estamos prestes a fugir a sete pés. Ora, toda essa cascata de eventos começa porque o nosso cérebro enviou um sinal de alarme ao corpo — por exemplo, porque nos apercebemos que estávamos a ser seguidos na rua, à noite, por um estranho.

Esse primeiro sinal levou a nossa hipófise a libertar hormonas que, por sua vez, provocaram a segregação, pelas glândulas adrenais, das “hormonas do stress”: cortisol, adrenalina, etc. E essa irrupção de sinais químicos no nosso fluxo sanguíneo teve efeitos imediatos sobre uma série de tipos de células do nosso corpo: células adiposas, musculares, hepáticas, cardíacas, pulmonares e das paredes dos vasos sanguíneos. Todas essas células “sentiram” que qualquer coisa de invulgar estava a acontecer e alteraram o seu comportamento — basicamente... para nos salvar a vida.

Só que, até quase ao fim do século XX, esta acção conjunta, tão finamente orquestrada, de tantos tipos de células, esta adaptação em tempo real às situações mais diversas, foi um mistério para os especialistas. Como é que as células, perguntavam-se, cuja membrana constitui uma barreira aparentemente intransponível, conseguem receber esses sinais do exterior? Como é que esses sinais atravessavam a membrana?

Sabia-se que devia existir um receptor da adrenalina, por exemplo, à superfície das células cardíacas ou musculares, mas pouco ou nada se sabia sobre a sua estrutura e modo de funcionamento. Foram Lefkowitz e Kobilka (este começou por trabalhar no laboratório de Lefkowitz, na Universidade Duke, para mais tarde criar a sua própria equipa na Universidade de Stanford) que, ao longo de várias décadas de trabalhos pioneiros, conseguiram não só desvendar a estrutura e o modo de funcionamento dos ditos receptores, como também perceber que eles pertenciam todos a uma mesma família e agiam através de um mesmo mecanismo.

Esse mecanismo prende-se com a acção de uma proteína interna das células, a “proteína G” (daí o nome algo complicado dos receptores). É justamente essa proteína que, mal a extremidade do receptor que sobressai do lado de fora da célula recebe um sinal (uma hormona, um cheiro, etc.,), se acopla à extremidade interna desse mesmo receptor que aflora da membrana, desta vez do lado de dentro da célula, alterando o funcionamento celular.

Tudo começou em 1968, ano em que Lefkowitz conseguiu “apanhar” e “extrair” da membrana, onde ele se escondia, um receptor sensível à adrenalina, explica em comunicado do comité Nobel. A seguir, nos anos 1980, Kobilka, na equipa de Lefkowitz, conseguiu isolar o gene que codifica esse receptor — algo que, numa altura em que não existiam os métodos de sequenciação genética actuais, foi muito árduo. Este receptor, chamado beta-adrenérgico, está hoje na base dos medicamentos beta-bloqueadores, dos mais utilizados para tratar as doenças cardíacas.

Quando os cientistas analisaram o gene que tinham acabado de sequenciar, descobriram que o receptor que codificava era semelhante a um outro receptor que, no olho, captura a luz: o da rodopsina. Foi esse o “verdadeiro momento eureka”, segundo Lefkowitz, também citado pelo comité Nobel: sabiam que ambos os receptores interagiam com a proteína G no interior da célula e que mais uns 30 receptores funcionavam da mesma maneira. Portanto, esse mecanismo tinha de ser muito mais generalizado.

Hoje conhecem-se cerca de mil genes que comandam o fabrico deste tipo de receptores e que respondem à luz, aos sabores, aos odores, à adrenalina, histamina, dopamina, a serotonina. E perto de metade dos medicamentos existentes surtem o seu efeito através de receptores acoplados à proteína G. Mais: em 2011, Kobilka e a sua equipa conseguiram “captar” uma imagem do receptor beta-adrenérgico no preciso instante em que é activado por uma hormona e envia um sinal para o interior da célula. “Uma obra-prima molecular — o resultado de uma década de investigação”, remata o comité Nobel.

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