domingo, 28 de outubro de 2012

Campanha das legislativas na Ucrânia fez-se com oferta de ovelhas - Mundo - PUBLICO.PT

Campanha das legislativas na Ucrânia fez-se com oferta de ovelhas - Mundo - PUBLICO.PT

Viktor Ianukovitch tornou-se impopular, mas deve manter a presidência, quando se avolumam as preocupações pela sobrevivência da democracia na ex-república soviética nas eleições neste domingo.

Nas primeiras eleições na Ucrânia desde a ascensão de Victor Ianukovitch à chefia de Estado, e sem a participação da líder da oposição Iulia Timochenko, presa no ano passado, o cepticismo e o conformismo para com um sistema estagnado na corrupção marcam o que está a ser visto como um teste aos compromissos democráticos assumidos por Kiev.

Apesar da alta impopularidade do Governo de Ianukovitch, sobretudo devido às políticas fiscais e de Segurança Social recentes, o Partido das Regiões (no poder) deverá manter a maioria no Parlamento, alavancado nos leais bastiões políticos do Sul e Leste do país e nas tradicionais trocas de campos políticos que se seguem às eleições nesta antiga república soviética. As mais recentes sondagens dão ao partido do Presidente cerca de 23% das intenções de voto.

Os mais próximos rivais, uma coligação da oposição liderada pelo antigo ministro da Economia Arseni Iatseniuk (à qual se aliou o partido de Timochenko), não estão além dos 15% nas intenções de voto, sensivelmente o mesmo que o partido populista encabeçado pelo campeão mundial de boxe Vitali Klitschko, o Udar (Murro, em ucraniano). Os comunistas e os nacionalistas do Svoboda deverão também conseguir ultrapassar o mínimo de 5% dos votos para entrarem no Parlamento.

Mas onde as percentagens são mais elevadas é no cepticismo: apenas 9% dos eleitores acreditam que as eleições vão decorrer de forma limpa e 47% esperam mesmo fraudes significativas. Para a generalidade das organizações não governamentais, os três meses de campanha ficaram profundamente manchados por irregularidades, à cabeça a prática de compra de votos.

Salvar a democracia

"Se o mundo democrático e as missões de observadores eleitorais não declararem no fim que [o sufrágio] não foi livre nem justo, podemos assistir à legitimação de uma ditadura na Ucrânia, uma ditadura de Ianukovitch. E então será tarde de mais para salvar a democracia ucraniana", sustentou a três dias das eleições a filha de Iulia Timochenko, Evguenia, numa conferência de imprensa em Genebra.

Presa desde Agosto de 2011, Timochenko, a "musa" da pró-ocidental Revolução Laranja, que fez gorar em 2004-2005 a primeira tentativa de Ianukovitch de se tornar chefe de Estado, foi condenada a sete anos de prisão pelo crime de abuso de poder. Está ainda a ser julgada num outro processo, em que é acusada de fraude fiscal e desvio de fundos públicos. Timochenko diz estar a ser vítima de uma "vingança política" do Presidente, a quem acusa de querer mantê-la presa até às eleições presidenciais de 2015.

Ianukovitch - para quem é essencial receber boa avaliação dos observadores e agências internacionais - assevera, porém, que as eleições vão decorrer sem atropelos: "Temos todo o interesse em que as eleições sejam honestas, transparentes e democráticas."

O director do Comité de Eleitores da Ucrânia (CVU), Olexandre Tchernen, cuja organização é especializada na monitorização de sufrágios, sublinha que o mais grave problema nestas legislativas é a "corrupção dos eleitores". Essa avaliação é partilhada pela Transparency Internacional, que analisa a corrupção a nível político e empresarial e que classificou a Ucrânia no ano passado com a mais baixa nota de sempre, em 152º lugar num conjunto de 183 nações.

Votos em troca de óculos

A oferta de presentes de campanha eleitoral é uma prática tradicional na Ucrânia, mas agravou-se drasticamente nestas legislativas em que, pela primeira vez, os deputados serão eleitos por um sistema misto: metade dos 450 assentos do Parlamento é apurada pelo sistema de listas partidárias e o resto por voto uninominal a uma volta. São especialmente estes últimos que transformaram a campanha no "cúmulo da idiotia eleitoral" descrito pelo chefe do CVU.

Alguns candidatos e partidos ofereceram dinheiro a eleitores - por transferências bancárias ou carregamentos de telemóvel -, mas o mais comum foram donativos de produtos alimentares: em Kiev foi distribuído chá e chocolates, enquanto na região oriental de Donetsk, antigos combatentes da II Guerra Mundial receberam sacos de açúcar, garrafas de azeite e conservas de peixe, junto com panfletos de campanha do filho do primeiro-ministro, que é ali candidato, reportaram os media ucranianos.Outros candidatos, de acordo com um relatório do CVU, ofereceram óculos a reformados, mochilas a estudantes, cadeiras de rodas a incapacitados, bicicletas a trabalhadores fabris e, numa zona de Odessa, no Sul, um candidato distribuiu ovelhas pelos habitantes de uma aldeia.

"Nunca estas coisas foram feitas de forma tão aberta e arrogante", lamentou à AFP Andri Maguera, membro da Comissão Nacional Eleitoral. "É uma vergonha", indignou-se o chefe da Igreja greco-católica ucraniana, Sviatoslav Chevtchuk. "Isto é uma compra maciça e indecente de eleitores", afirmou na televisão.

A lei ucraniana permite a oferta de presentes durante campanhas eleitorais até um valor máximo de três euros. Tudo o que o exceda é considerado "corrupção indirecta", crime passível de pagamento de multas. Práticas "menos escrupulosas" no passado demonstraram, porém, que tais desvios não são habitualmente punidos com mais do que uma simples advertência, explicou à AFP um membro da Comissão Eleitoral.

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