terça-feira, 30 de outubro de 2012

O que pagamos chega para o que recebemos? E vale a pena? - Dinheiro Vivo

O que pagamos chega para o que recebemos? E vale a pena? - Dinheiro Vivo

Numa altura em que a “refundação” do memorando e das funções do Estado centra o debate político, veja o que pensa Rogério Fernandes Ferreira, antigo secretário de Estado dos assuntos Fiscais e responsável pela sociedade de de advogados RFF, sobre a relação entre aquilo que os contribuintes são chamados a pagar e o que recebem do Estado.
“A carga fiscal tem registado em Portugal o nível mais elevado desde 1995, estando este associado ao aumento dos impostos directos – IRS e IRC - , mas também aos indirectos, designadamente aos aumentos verificados menos recentemente no IVA. Mas o certo é que, hoje, se devia falar, mais ainda, da carga tributária, em geral, pois também as taxas e os tributos - os especiais, os parafiscais e os outros - pesam necessariamente nos encargos dos contribuintes, pessoais individuais e empresas, e dos utentes dos serviços públicos.
É importante não esquecermos que estamos perante um programa de ajustamento negociado e acordado com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional, sendo também, provavelmente, no curto e médio prazos (e até determinado ponto) muito mais fácil para os governos - incluindo aqui os autárquicos e os regionais, e as administrações de fundos e serviços autónomos - aumentar os impostos e os outros tributos do que diminuir as despesa públicas. Essencialmente, quanto ao défice orçamental que está em causa, vencimentos e prestações sociais e outras despesas dos sectores públicos empresarias, locais e regionais.
A questão não estará tanto na proporção entre o que se paga e se recebe, porque a diferença entre aquilo que pagamos em impostos e o que recebemos do Estado estará sempre interligada com o nível tido por adequado em termos de redistribuição de rendimentos e de riqueza pela via fiscal e à forma como os governos actuam em termos de alocações orçamentais e dos seus gastos reais, que acontecem muitas vezes fora do âmbito orçamentado e orçamental.
Penso que o aspecto fulcral se centra bem mais ao nível dessa distribuição nos impostos sobre o rendimento e sobre a despesa, pois incidem sobre quem está “dentro” do sistema (informático) e de uma forma bem desigual, uma vez que o imposto sobre o rendimento pessoal respeita essencialmente a trabalho e pensões (cerca de 70%) e que 1% das empresas paga mais de 50% do IRC, existindo ainda um desequilíbrio patente na distribuição entre impostos directos e indirectos (os primeiros cerca de um quinto dos segundos, o que implica maior regressividade no sistema de tributação). Assim, a carga fiscal é actualmente suportada - quase apenas - pela chamada “classe média” e entre os escalões do IRS de € 7.500/66.000.
Em alguns sectores não pagamos, muito provavelmente, menos do que recebemos, por exemplo no sector da saúde. Os utentes do serviço nacional de saúde, em geral, nada pagam de excessivo, o que é, como noutros sectores aliás, financiado por dívida, existindo e beneficiando nós de um SNS bastante moderno e competente, comparativamente com o de outros estados com os quais nos queremos, e devemos, comparar.
Considero, porém, que o actual estado social em função da economia e da produtividade de hoje é, inevitavelmente, deficitário, pelo que deverão ser repensadas não apenas as funções do Estado, mas o seu financiamento e, principalmente, criar condições às empresas e ao sector privado para que possam prosseguir a sua actividade de forma segura e fácil, não se perdendo, antes valorizando, simultaneamente, a dignidade da pessoa humana.
Entendo que o Estado não pode deixar a sua função social, seja na educação, saúde ou segurança social. Mas não pode querer gerir tudo isso com os seus próprios serviços, nem substituir o sector privado naquilo que este faça melhor e com menos custo. Para isso é necessária a contribuição de todos e tem de existir uma mudança de mentalidade em termos de responsabilidade pelo cumprimento do dever fundamental de pagar os impostos e uma muito maior transparência nos valores gastos no sector público, incluindo, em especial, o empresarial local e regional. 
A relação entre aquilo que pagamos e o que recebemos só poderá ter equilíbrio se houver, também, efectiva e célere justiça, para além de transparência nos gastos do Estado, que deve assumir mecanismos de imunidade contra grupos de interesses especiais, que proliferam, na maioria dos casos, aquando da elaboração do orçamento
do Estado, muito para além dessa mudança de mentalidades. Os impostos são um dever e imperativo social – mesmo se injustos – são também de quem os paga e para satisfazer necessidades públicas reais e efectivas, mas que variam consoante as ideologias, a época e a economia.
Do ponto de vista fiscal, existem medidas que podem ter um impacto imediato na receita e numa maior justiça na sua distribuição, evitando, em alguma medida que seja, o aumento da receita fiscal por via do mero aumento de taxas ou da eliminação, pontual e avulsa, de deduções e outros encargos fiscais, nomeadamente deduções personalizantes e custos realmente incorridos, gerando aliás maior competitividade e transparência: a promoção da estabilidade e da simplificação fiscais, a reavaliação de benefícios e incentivos fiscais, mormente ao nível internacional, aquilatando da sua efectiva justificação económico-social, a concretização de novas medidas de combate à fraude e evasão fiscais - procurando trazer para “dentro” do sistema quem dele esteja apartado, ou dele pretenda fugir -, assim combatendo também a economia paralela e informal que irá certamente aumentar por simples agravamento da carga tributária em geral, incluindo contribuições para a Segurança Social, da maior regulação e do aumento do desemprego.
As vias alternativas e a contenção da despesa, que é social e é concreta e pessoal, são bem difíceis de encontrar e de concretizar. Tudo é simples em geral e muito difícil no concreto e em particular".

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