sábado, 19 de janeiro de 2013

Negócio de milhões que ninguém conhece - Dinheiro Vivo

Negócio de milhões que ninguém conhece - Dinheiro Vivo


É raro que uma pesquisa no Google sobre uma multinacional com 2,6 milhões de membros não devolva qualquer notícia sobre ela. Nada. Zero. Apenas páginas e páginas de resultados de discussões em fóruns e sites de análise, cujo tópico mais comum é: alguém já ouviu falar disto? Será que isto é uma fraude?

A pergunta debruça-se sobre a Lyoness, empresa austríaca que em 2012 se instalou em Portugal, num escritório alugado pela Jones Lang LaSalle no Atrium Saldanha. No site português, as vantagens são explicadas assim: “a Lyoness oferece aos seus membros dinheiro de volta a cada compra” e “consegue uma situação única win-win-win para todos os participantes.”
Ou seja, lucram os utilizadores finais – “os membros recebem dinheiro de volta” – e os parceiros, visto que “as empresas aderentes ganham clientes habituais e concedem-lhes benefícios especiais.”
Fernando Grave, diretor geral da Lyoness Portugal, revela ao Dinheiro Vivo que a empresa conquistou três mil membros do Cartão Cashback no primeiro ano, “sendo expectável atingir os vinte mil membros no final de 2013.” Em termos de lojas aderentes, estão registadas “três cadeias de lojas que funcionam com cartões presente originais”, representando 450 locais de venda, 49 pequenas empresas “que são pontos de aceitação do Cartão Cashback” e ainda 46 lojas online, “a sua maioria a funcionar num sistema de marketing de afiliação.”
Segundo explica o responsável, a condição base da relação entre a Lyoness e as empresas aderentes é a atribuição de um desconto, que se transforma numa percentagem de dinheiro de volta aos consumidores. Por cada compra que faz dentro da rede, o cliente recebe 2% de volta. “Assim acumulam-se continuamente na conta de pagamentos pessoal uma quantia crescente. Esta é depositada, a partir de um certo valor, sem deduções na conta privada do membro”, lê-se no site. Melhor ainda: quem recomendar a Lyoness recebe 0,5% das compras do membro angariado (bónus de amizade direto) e se ele recomendar a Lyoness a um novo membro, recebe mais 0,5% das compras (bónus de amizade indireto). O registo é gratuito, sendo no entanto “dada a possibilidade de efetuar um pré-pagamento, e com isso construir a sua equipa de uma forma mais ativa.” Este pagamento pode ir dos 300 aos dois mil euros e dá posições diferentes no esquema de bónus, a equipa de que fala o diretor.
Há quatro modalidades de compras a que o utilizador final pode aderir: “Cartão cashback”, um cartão que se mostra na loja e permite a recuperação dos 2%; “Cashback móvel”, em que a pessoa compra usando o smartphone; “Compras online”, na rede de lojas disponíveis na internet; e “Vales de compras cashback”, com vales compra originais das empresas aderentes da Lyoness.
Mas algumas das empresas que estão listadas no site da Lyoness Portugal negaram, em declarações ao Dinheiro Vivo, qualquer relação contratual com a empresa. “Isto não tem nada a ver connosco”, afirmou fonte oficial da Apple, que se encontra no site. Também a marca de brinquedos Toys’R Us garantiu que não trabalha com os cartões Lyoness. A cadeia de eletrónica Fnac, por outro lado, responde que “não aderiu aos cartões Lyoness nem estabeleceu nenhuma parceria com esta entidade.” A cadeia refere que “o único contacto que houve com a Lyoness foi uma venda de cartões oferta Fnac para ações de marketing junto dos seus clientes.” Fernando Grave diz que isto se deve ao facto de muitas vezes a relação da Lyoness ser “com um afiliado devidamente autorizado e não diretamente com as empresas anunciadas, pelo que será normal que algumas empresas desconheçam este facto.”
Entre as empresas que confirmaram trabalhar com a Lyoness, a Adolfo Dominguez do Amoreiras Shopping referiu que quase não há clientes a usar o cartão, tendo feito a parceria há seis meses. “Temos a máquina da Lyoness aqui mas praticamente ninguém usa”, explica uma funcionária da loja, referindo que os clientes habituais não se mostraram interessados.
A Papelaria Charneca Press, na Charneca da Caparica, aderiu aos cartões “há cerca de 15 dias, por isso é uma experiência muito recente”, segundo a responsável Marisa Palmeira. Os acessórios estão no balcão e alguns clientes já utilizam, mas ainda estão “a fazer uma seleção de clientes habituais para propor o cartão”. Alguns demonstram curiosidade e decidiram aderir por acharem “que é um bom investimento. Os portugueses gostam de saber que ao gastar estão a ganhar algum.” Na Óptica Infante, a experiência, de três meses “é indiferente, é apenas mais um pormenor”, diz Isabel Costa, referindo que os clientes “não têm aderido muito”.
O que diz a Deco?Ana Sofia Ferreira, jurista da Deco – Defesa do Consumidor, diz que não se pode afirmar que se trate de um esquema em pirâmide, acusação frequente na internet. “Para ser considerado um sistema em pirâmide, é necessário que exista um serviço ou bem que é colocado à disposição do consumidor mediante a redução do preço ou mesmo a gratuitidade se o consumidor angariar, direta ou indiretamente, mais clientes para o fornecedor.” A Deco resolveu uma única queixa relacionada com a Lyoness, de um consumidor que pagou os dois mil euros para ganhar posição no esquema de bónus e acabou por se arrepender, dentro do prazo de 14 dias de resolução livre. Como o reembolso demorava, a Deco interveio. A jurista é clara: “O consumidor não pode entrar com o único intuito de ir angariando clientes e com isso ser remunerado.” Aconselha os consumidores a verificarem se é um serviço que lhes interessa, quais as empresas aderentes e perceber se o objetivo de aderir é obter os benefícios do cartão e não de se tornarem angariadores daquela empresa – é isto que constitui a “bola de neve” proibida por lei.

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