terça-feira, 30 de outubro de 2012

Presidente da Caixa Agrícola diz que troika está a fazer desaparecer a produção | iOnline

Presidente da Caixa Agrícola diz que troika está a fazer desaparecer a produção | iOnline

Quando chegou à Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo existiam quase 150 caixas. Hoje, resultado de uma reorganização, são perto de 85, com 700 balcões. E as fusões continuam. Em Dezembro, 11 anos depois, João Costa Pinto deixará a presidência do grupo.
Numa altura em que a banca está a atravessar uma crise, como está a Caixa Central e as caixas de crédito agrícola?
A Caixa Central foi submetida a todo este processo de avaliação da troika e foi um dos grupos que passaram as inspecções numa posição confortável, quer relativamente à liquidez, quer relativamente à sua posição de solvabilidade.
Como se consegue tornar coeso um grupo em que coexistem diversas administrações, tantas vontades?
Há dez anos e meio o Crédito Agrícola e a Caixa Central foram intervencionados pelo Banco de Portugal devido a um conjunto de problemas. Hoje o Crédito Agrícola tem um rácio de solvabilidade, em termos de grupo, de 11% e um rácio de transformação entre 80% e 90%, o que significa que não tem o problema de redução de crédito relativamente aos seus depósitos que afecta outros bancos, uma situação que lhe permite enfrentar as dificuldades, que são muitas.
Quais são essas dificuldades?
A evolução do crédito vencido que, de forma progressiva, tem vindo a alastrar, afectando de forma particular o sector imobiliário e as pequenas e médias empresas. Embora o Crédito Agrícola opere em nichos de mercado, o aprofundamento da recessão está inevitavelmente a afectar toda a actividade bancária.
O grupo não esteve sempre numa posição confortável...
O Crédito Agrícola teve um período ao longo do qual desenvolveu um esforço muito grande em termos de modernização, do ponto de vista da organização, da formação, de implementação de instrumentos de controlo de risco, organização comercial, implementação de uma plataforma comercial única em todo o grupo. Neste contexto, penso que chegou o momento de reorientar a minha vida. Estou aqui há quase 11 anos, o meu mandato termina no final deste ano, e decidi não continuar.
Porquê?
Tenho a convicção de que deixo para trás um grupo que vai continuar a dar um contributo importantíssimo para o de- senvolvimento económico e social do país. Basta ter presente a importância do crédito agrícola, que transcende a sua própria dimensão relativa. Embora tenha uma presença menos intensa nos grandes centros urbanos, Lisboa e Porto, há muitas zonas do país onde o Crédito Agrícola chega a controlar 30% a 40% do mercado local.
É essa proximidade que torna as caixas competitivas?
A sua característica central é o tipo de banca que pratica, uma banca de proximidade, o que explica em muito o relativo conforto em que se encontra. A relação que estabelece com os seus clientes, quer sejam associados – porque são os cooperantes que detêm o capital das caixas –, quer sejam outros: agricultores, pequenos comerciantes, particulares que procuram apoio para consumo, investimento ou aquisição de casa. É curioso ter presente que este tipo de banca subsiste em toda a Europa numa posição de relativo conforto.
A ligação dos dirigentes, administradores, às comunidades locais não tem um lado pernicioso?
Estou convencido que os riscos a que se refere se encontram hoje muito mitigados, com o maior profissionalismo dos dirigentes das caixas e com os sistemas de acompanhamento e controlo instalados.
Fundamentalmente, o que mudou desde que assumiu a presidência do conselho de administração?
Tratava-se de encontrar um modelo de organização que, a partir da instituição central, a Caixa Central, fosse capaz de coordenar as caixas, articulá-las, encaminhá-las, prestar-lhes serviços de natureza técnica e operacional, que garantissem as crescentes exigências prudenciais que estavam a surgir, sem ferir a autonomia das caixas. Foi necessário até rever o enquadramento jurídico várias vezes, em conjunto com o Banco de Portugal, e foi-se ampliando a capacidade de actuação das próprias caixas, que hoje podem operar com grande intensidade fora do sector agrícola e com clientes não associados. Agora teriam de ser dados outros passos organizativos importantes. Na prática, como todos os outros grupos financeiros, que vão ser obrigados a adaptar-se a um mercado bancário em profunda mudança.
Que passos são esses?
Prendem-se com o chamado modelo de governação, que tem muito que ver com as funções e o papel da Caixa Central. Considero que, para alguns desses passos, ainda vai ser preciso algum tempo, para que o Crédito Agrícola e a sua cultura estejam preparados para os aceitar.
Falou há pouco nos rácios. Faz sentido serem estes e não outros?
Discutir isso leva-nos ao Memorando assinado com a troika, ao seu sentido, ao seu significado e aos problemas que ele levanta, alguns deles de enorme complexidade e dificuldade.
Então vamos discutir o Memorando…
Penso que a questão central que se levanta hoje no país é, na prática, o programa do governo. Toda a actividade política governativa se rege pelas obrigações que o país assumiu no contexto do Memorando. É preciso ter presente que o governo anterior levou a situação do país ao extremo e quando se virou para fora e pediu ajuda fê-lo numa situação já muito grave para o país. Depois, quando o fez já em estado terminal, nas vésperas de eleições e extremamente enfraquecido, a troika concebeu para Portugal um programa de uma complexidade, de uma ambição sem precedentes.
Que não está a ter os resultados esperados...
O programa apontava para que até Setembro de 2013 o país voltasse aos mercados. Para isso era preciso uma concentração enorme de medidas, um autêntico duche gelado a submeter à sociedade e à economia portuguesa. O que está a falhar é, por um lado, o curto período de ajustamento implícito no programa e, por outro, a falta de medidas dirigidas ao crescimento. O objectivo de médio/longo prazo era a alteração estrutural da economia que permitisse melhorar a competitividade e até a produtividade – embora nisto o Memorando seja altamente contraditório.
Porquê altamente contraditório?
Porque, tal como foi concebido, está a fazer desaparecer capacidade produtiva e talento, essenciais para uma recuperação, quando esta for de facto lançada.
O Memorando tem erros que eram visíveis desde o primeiro momento. Por um lado, pode compreender-se, por ser elaborado num período muito curto, em que era preciso acudir ao país, por outro lado estávamos num contexto que hoje considero sobreoptimista, em que não entrou em conta um factor que já estava a envenenar toda a situação da Europa, a Grécia.
Quais eram os erros visíveis desde o primeiro momento?
Desde logo a dimensão do pacote financeiro. Hoje é reconhecido por todos que 78 mil milhões não eram suficientes. Isso viu-se logo, porque havia dentro do sector Estado alargado um conjunto de empresas que estavam sobreendividadas e em que uma parte substancial da dívida estava nas mãos de investidores internacionais. Na crise de confiança que se gerou e no fecho de mercados, inevitavelmente a expectativa era que esses investidores não estivessem disponíveis para arrolar a dívida que se ia vencer num prazo relativamente curto. Essa dívida teve de ir ter ao balanço dos bancos portugueses, penso que se pode falar em 20 mil milhões ou 30 mil milhões de euros que teria sido preciso considerar.
A banca não teve culpa nenhuma em todo este processo?
A banca portuguesa, o sistema bancário português, ao contrário de outros países, não esteve na origem da crise. Não esteve. Os bancos foram submetidos a um processo tão rápido de desalavancagem e de recapitalização que, naturalmente, isso teria uma consequência, a contracção do crédito. Era inevitável.
É o facto de o cenário europeu se ter alterado em relação à data da assinatura do acordo com a troika que nos dá condições para renegociar?
Depois de o Memorando ter sido negociado, a situação da União Europeia, particularmente na zona euro, foi profundamente marcada pela crise grega. Os erros, avanços e recuos, da zona euro, em particular muito determinados pelas próprias dificuldades alemãs, pela hesitação alemã, por razões políticas internas, foi agravando cada vez mais a situação de confiança na zona euro, com reflexos enormes e crescentes, em particular sobre os países periféricos.
Era vice-governador do Banco de Portugal na altura em que o euro foi lançado. Houve erros?
Quando foi criado o euro houve um conjunto de princípios que estiveram presentes, nomeadamente, nenhum país poder estar à espera de ser resgatado... Mas também nunca foi previsto nenhum mecanismo de saída. Na prática, o euro criou uma zona de aparente estabilidade monetária, em que os países, por pertencerem a essa zona, tinham criado condições de credibilidade junto dos mercados financeiros internacionais que lhes permitiriam obter financiamentos e financiar a sua actividade económica. Na altura havia a convicção de que o edifício institucional que tinha sido criado para lançar o euro era incompleto. Havia como que um bluff inerente.
Desequilíbrios que agora ficaram expostos...
Agora eu diria que o bluff foi chamado.
A crise pôs a nu um edifício institucional incompleto. Não havia instrumentos e mecanismos fundamentais que se sabia que eram necessários. Havia dispositivos quanto à amplitude dos desequilíbrios e depois haveria as reformas estruturais que permitiriam resolver esses assuntos. A crise pôs a nu um edifício institucional incompleto. O caso mais flagrante é a circunstância de os países terem ficado entregues a eles próprios relativamente ao financiamento das suas necessidades.
Foi o que aconteceu a Portugal.
Portugal entrou em dificuldades e para ir aos mercados passou a ter de pagar taxas de juro que não têm nada que ver com as taxas de juro de outros países que integram a zona euro. A própria organização e funcionamento da zona euro, no contexto do qual a acção do Banco Central Europeu se desenvolve, nomeadamente na condução da política monetária, o seu instrumento principal, está a desagregar-se e deixou de funcionar. O BCE está sem forma – as decisões que toma em relação às taxas de juro não se propagam a todos da mesma maneira, por exemplo –, e isso cria riscos enormes.
Como é que o problema podia, desde o início, ter sido resolvido?
Teria sido resolvido de outra maneira se os alemães, logo no início da crise grega – e estou convencido que o custo teria sido muito mais baixo –, tivessem aceitado alguma forma de mutualização da dívida europeia. Já surgiram várias propostas de como isso poderia ser feito: criando um fundo europeu, emitindo garantias… Como isso não foi feito e houve avanços e recuos e foram tomadas em relação à Grécia decisões de grande gravidade, como quando a Europa determinou haircuts de 50% e 60%, não para todos os credores, mas apenas para os privados...
Foi um erro, o perdão parcial da dívida grega?
A questão que ponho neste momento relativamente a Portugal é que duvido que, enquanto a Europa não disser com clareza que o caso grego foi único e que
não serão repetidas reestruturações de dívida com perda de capital para os credores no caso de outros países que estão submetidos a programas de ajustamento e de reforma, me parece muito difícil que haja credores internacionais disponíveis a investir nesses países, seja em Portugal, seja onde for.
Disse que os bancos não tiveram nada a ver com esta crise. Mas o que lhes passou pela cabeça para agirem desta forma – financiamentos privados sem garantias, compra de dívida pública –, ao longo destes anos?
O sistema bancário e os bancos, não só em Portugal, atravessam uma fase difícil porque a sua actuação é julgada de forma injusta. Vamos à questão concreta da dívida pública portuguesa. Quando um banco português compra dívida pública portuguesa está a financiar o Estado, que somos nós todos. Portanto, se a banca portuguesa não acreditar no Estado português e não o apoiar, ninguém o apoia. Todos os bancos de todo o mundo fazem isso. O BCE acabou de anunciar um programa extraordinário de aquisição ilimitada de dívida pública dos países em dificuldades. Sobre o financiamento a actividades concretas, investimentos, não quero falar porque foram decisões de gestão pontuais de determinadas instituições. Posso até ficar surpreendido, mas o que importa ver é que não foi a banca portuguesa que esteve na origem das dificuldades.
Então o que foi?
Deixando de lado a questão de termos tirado partido da entrada no euro e das condições de financiamento de que o país passou a usufruir para criar uma estrutura de um Estado – que muitas vezes até se compreende, porque é legítimo aspirar a proporcionar aos cidadãos do país, em particular aos mais desfavorecidos, um serviço de saúde, um serviço de ensino, um serviço de educação de nível superior... É evidente que os governos têm obrigação de fazer isso preservando os equilíbrios financeiros básicos.
E o governo preservou esses equilíbrios básicos?
Não. Não foi um governo, foram governos sucessivos. Claro que o governo anterior a este procedeu de uma forma que eu tenho muita dificuldade em entender. Como sabemos, quando se desencadeou a crise, a grande ameaça era uma recessão. Houve decisões tomadas no próprio Concelho da Europa e orientações que vieram da própria Comissão para os governos lançarem projectos de apoio à actividade económica e ao emprego. E todos estamos lembrados de um período em que não havia semana que não fosse lançada uma nova linha de crédito. O problema é que um país que já tinha níveis de endividamento substanciais devia ter feito isso com prudência e moderação. E aí, de facto, não o fizemos, o governo errou objectivamente.
E a actuação do Banco de Portugal, falhou?
A questão que levanta tem várias implicações. Uma coisa é a actuação do Banco de Portugal, do banco central enquanto supervisor prudencial, e, hoje, também comportamental. Outra coisa é um banco central como instituição a que competem decisões com implicações de natureza macroeconómica, designadamente através da política monetária. Aqui é preciso ver que desde que aderimos ao euro a política monetária é única e conduzida a partir dos grandes. E esse é um dos maiores problemas.
Falemos em termos de supervisão...
Quanto ao problema da supervisão, havia critérios que o Banco de Portugal foi impondo ao sistema bancário. Só que o problema da liquidez, que é hoje um problema central, não tinha essa acuidade. A verdade é que nunca se pensou que pudesse acontecer a sistemas financeiros modernos, altamente líquidos, eficientes, com grandes massas de capitais a evoluir de um lado ao outro, uma situação como aquela que existe agora. Eu diria que no período que antecedeu a crise houve facilidade da parte do Banco de Portugal, dos bancos centrais dos países mais periféricos da Europa. Hoje podemos reconhecê-lo e não tenho dúvida que com o conhecimento que existe actualmente os bancos centrais teriam agido de outras forma.
Como podem acontecer casos como o do BPN num sistema moderno e eficiente, como lhe chamou?
Não conheço mais do que aquilo que tem sido tornado público. O caso do BPN é incompreensível. É um caso de polícia claro, de fraudes, de manipulação contabilística, de criação de sistemas paralelos com o objectivo de, antes de mais, defraudar a própria supervisão e as próprias autoridades. Tenho de confessar que não tenho explicação para a dimensão que se diz que o BPN atingiu e o custo que estará a representar para os cofres públicos. Não entendo.
O BCE está a fazer tudo o que pode?
Sim, o euro ainda não teve um colapso.
Nem vai acontecer?
A Europa não pode correr o risco do falhanço do euro, desde logo por razões de natureza política. Isso significaria a desagregação da Europa, com todos os problemas inerentes. Mas além disso, do ponto de vista económico e financeiro, um colapso do euro encerra tantas ameaças que estou convencido que a Europa conseguirá ultrapassar esta fase de dificuldade. A questão para nós não se esgota aqui: partindo do pressuposto de que a Europa vai encontrar soluções e se vai reorganizar institucionalmente, vai reconstruir a zona euro, em que estado é que nós estaremos então.
Temos de renegociar o Memorando?
O que creio como economista é que, compreendendo a necessidade de provarmos a nossa boa-fé e provar perante os credores que estamos a fazer um esforço de reforma –, também penso, com toda a clareza, que o programa tal como está delineado tem de ser reavaliado, tem de ser revisto, sob pena de provocar tensões e problemas enormes na sociedade e na economia portuguesa.
Acredita no Orçamento do Estado para 2013?
No contexto actual, quer doméstico, quer relativo ao comportamento da economia europeia, a possibilidade de uma derrapagem da economia é significativa. Vamos pôr-nos na posição do ministro da Finanças e pensar – e este é outro aspecto completamente irrealista – que o ajustamento tem de ser feito dois terços pelo corte da despesa e um terço pela receita. Pensar que é possível em dois anos e meio é um total irrealismo. Actuar pela via da despesa significa reconfigurar o Estado. Um governo tem obrigação de nas condições actuais procurar cumprir o Memorando no essencial protegendo os grupos sociais mais desfavorecidos. Não acredito que o governo não procure junto dos nossos credores, junto dos centros de poder na Europa, negociar uma revisão do Memorando à luz da realidade actual, quer portuguesa, quer europeia. Portugal e os portugueses já mostraram à Europa que merecem uma oportunidade, precisam de uma oportunidade!
Há 20 anos falava-se nisto, hoje volta a falar-se. A Caixa Geral de Depósitos deve ser privatizada?
No contexto actual da economia portuguesa, do sistema bancário e financeiro nacional, o Estado deve manter a maioria do capital da CGD, manter os comandos. Isso não quer dizer que não entre capital privado no banco. Aí o problema é outro, saber quando e em que condições. Eu teria dúvidas, neste momento, em privatizar parte do capital se for a um preço que signifique uma desvalorização da instituição. Aí, alto lá! Agora, desde que seja encontrado um preço razoável e equilibrado, não sei porque não se pode vir a privatizar 30% ou 45% do capital da CGD. Mas é preciso que o accionista defina qual deve ser a função da CGD no sistema bancário português.
E que papel deve ter?
Pelo seu peso, deve ter um papel credibilizador, estabilizador de apoio a PME e ao sector exportador e outros que, a cada momento, sejam considerados chave.

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