sexta-feira, 26 de outubro de 2012

iBurnout/i: quando o trabalho se transforma em doença - Educação - PUBLICO.PT

iBurnout/i: quando o trabalho se transforma em doença - Educação - PUBLICO.PT

Há mais de um ano que Tânia toma anti-depressivos. Os ansiolíticos também entraram na sua vida, servem para dormir e para controlar as arritmias provocadas pelo stress. Alexandra sente-se muitas vezes irritada, incapaz de conseguir estudar. Acha que nunca vai conseguir ser independente e já pensou em desistir do curso.

Tânia e Alexandra sofrem de burnout, ou seja, de um “estado de exaustão emocional, com descrença na utilidade da função que se exerce e baixa realização, havendo uma diminuição da eficácia devido à falta de empenho, podendo levar ao abandono da profissão”, explica João Marôco, autor do estudo “Burnout em estudantes universitários: determinantes e consequências", apresentado em Lisboa nesta quinta-feira.

Segundo o inquérito feito em Portugal e no Brasil, em parceria com a professora Juliana Campos, que aplicou o mesmo aos estudantes de São Paulo, 15% dos alunos universitários lisboetas estão em estado de burnout.

Com 21 anos, Tânia Viegas estuda na Universidade Nova de Lisboa e confessa que já esteve “três meses a beber um copo de leite de manhã e a comer uma sandes à noite e, durante o dia, só a café”. Por causa do stress parecia que tinha “uma bola no estômago” que não lhe permitia comer, descreve.

João Marôco, professor no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) afirma que “quando o cansaço provoca baixa eficácia nos estudos, o consumo de café, medicação, tabaco, álcool ou drogas é a soluções mais imediata para não quebrar o ritmo, e é uma das consequências do burnout. De acordo com os resultados do estudo, 32% dos alunos inquiridos recorrem às vezes a medicação devido aos estudos, e 3,5% fá-lo com frequência.

Os dados foram recolhidos no ano lectivo de 2009/2010, em inquérito a 486 alunos de ambos os sexos, de universidades públicas e privadas de Lisboa e de todas as áreas de estudo. Hoje os resultados seriam diferentes? “A conjuntura financeira actual faz-me crer que a percentagem de estudantes com burnout que verificámos no estudo já deve ter aumentado”, calcula o investigador.

Condições precárias
Aluna na Universidade Técnica de Lisboa, Alexandra Guerreiro confessa que já chorou a pensar que nunca conseguirá sair da casa dos pais por causa da crise económica. Irrita-se com frequência, sobretudo quando não consegue estudar. “O meu irmão mais novo está constantemente a desconcentrar-me quando estou a estudar. Ao fim-de-semana, é impossível porque só se ouve os meus pais a ralharem com ele”, acusa a jovem de 21 anos.

Mas o mal estar também se sente quando está na escola. Há professores que “não têm paciência para explicar”, lamenta. “Houve um semestre em que quis desistir do curso porque tinha tantos trabalhos e frequências ao mesmo tempo que baixei as notas”, admite.

Com a introdução do processo de Bolonha, o professor passou a ser um orientador dos estudos e há mais trabalhos para apresentar, confirma João Marôco que aponta que a exaustão emocional elevada revelou-se em 21% dos estudantes inquiridos, e que a baixa eficácia, culminando em piores resultados, se verificou em 56%.

Professores mais expostos
Não são só os alunos que sofrem de burnout. Os professores também:. “O burnout dos professores é uma das causas do burnout nos alunos”, frisa João Marôco.

O fenómeno tem sido investigado nos docentes, que “estão cada vez mais expostos a factores de stress”, refere o autor deste estudo e professor universitário.

Renato Albuquerque ainda gosta da profissão mas este professor de 53 anos confessa já não investir o que devia por não se sentir recompensado. Diz sentir “uma grande instabilidade” devido a todas as medidas que vão sendo tomadas pelo Ministério da Educação. “As salas estão cada vez mais cheias de alunos, e depois pedem para explicar [a matéria] várias vezes. À terceira, já perdi a paciência”, revela o professor do ensino secundário.

De acordo com Rui Gomes, professor na Escola de Psicologia da Universidade do Minho, este é um sinal de burnout. “A mudança no estatuto da carreira docente contribuiu para o aparecimento do burnout nos professores”, afirma. Estes deixam de olhar para os alunos como pessoas, tratando-os como objectos, clarifica.Outra das características do burnout é o absentismo: “o professor deixa de dar aulas”, aponta João Marôco.

Foi o que aconteceu com Maria Abranches. Devido à indisciplina de um dos alunos, esta professora do 1.º ciclo ficou um mês em casa de baixa a tomar anti-depressivos. “A indisciplina continua a ser um dos maiores precursores de burnout nos professores”, refere Rui Gomes.

Outra das causas é a falta de envolvimento dos pais no ensino. Maria pode confirmá-lo: “A criança fazia o que queria e os pais não queriam saber”. “Tinha todos os dias, à porta da escola, a polícia por causa da indisciplina do menino. Ficava numa grande ansiedade e com palpitações”, continua a professora de 41 anos. A situação que vivia acabou por se reflectir na sua saúde – uma úlcera no estômago. “Além disso, não me podiam dizer nada na escola que eu desatava a chorar”, acrescenta.

Se não fosse o apoio do marido e dos pais, e a obrigação que sentia de não poder falhar em relação aos filhos, Maria não teria recuperado. A rede social de apoio é “extremamente importante na atenuação do burnout”, conclui João Marôco.

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