quarta-feira, 29 de maio de 2013

Solução para a tuberculose resistente pode passar pela vitamina C - PUBLICO.PT

Descoberta de investigadores da Universidade de Yeshiva, nos Estados Unidos, foi feita por acaso. Os testes foram feitos apenas em laboratório, mas abrem a porta a novos medicamentos.
Por agora, a ideia ainda não saiu dos laboratórios, mas os dados preliminares são entusiasmantes: os casos de tuberculose mais resistente aos antibióticos convencionais podem ter uma melhoria significativa se ao tratamento for adicionada vitamina C. A descoberta foi feita por mero acaso, por um grupo de investigadores da Faculdade de Medicina Albert Einstein da Universidade de Yeshiva, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. E acabou por resultar num estudo agora publicado na edição onlineda revista científica Nature Communications.
De acordo com os investigadores, a ideia principal passa por conceber novos medicamentos para a tuberculose onde ao antibiótico seja adicionada a vitamina C, o que, além de revelar melhores resultados, também parece conseguir encurtar o tempo de tratamento (que, muitas vezes, vai de seis meses a dois anos) e torná-lo mais barato. Porém, por agora, os testes ainda não saíram do laboratório e não se sabe que resultado terá o mesmo tratamento em humanos e que doses seriam necessárias.
A infecção por tuberculose, uma doença que afecta os pulmões, é causada por estirpes da espécie de bactéria Mycobacterium tuberculosis. Em 2011, as estimativas da Organização Mundial de Saúde apontam para que tenha infectado 8,7 milhões de pessoas em todo o mundo, matando 1,4 milhões. O problema é que, ao mesmo tempo que se tem conseguido reduzir o número de novos casos de tuberculose em todo o mundo, estão a aumentar as situações em que os doentes não respondem aos antibióticos que existem – e que são praticamente os mesmos há várias décadas.

Cada vez mais casos resistentes

O número de casos anuais de pessoas com tuberculose multirresistente já ultrapassa os 650 mil e os clínicos já falam mesmo numa tuberculose extensivamente resistente, isto é, ainda mais difícil de tratar, e que corresponde a 9% destes casos. A Organização Mundial de Saúde reconhece também as duas situações distintas de estirpes resistentes: a tuberculose multirresistente, que não reage aos dois principais antibióticos de primeira linha, mas que é susceptível aos antibióticos de segunda linha, e a tuberculose extensivamente resistente, que também não reage a um dos três antibióticos de segunda linha.
Foi precisamente nas estirpes mais resistentes da doença que a vitamina C mostrou ter também resultados. E, segundo os investigadores, o mais curioso é que esta ideia de que a vitamina C poderia ser útil já tinha sido sugerida em trabalhos feitos ainda na década de 1930, mas nunca chegou a ser aprofundada. A equipa liderada por William Jacobs, professor de microbiologia, imunologia e genética na Universidade de Yeshiva, percebeu que, em comparação com outras bactérias patogénicas, a tuberculose é a única de facto sensível à vitamina C e que, no laboratório, conseguiu matar a Mycobacterium tuberculosis. Segundo explicam os cientistas, esta vitamina é capaz de destruir as bactérias através da produção de radicais livres, moléculas que podem causar danos no ADN.
A descoberta foi feita quando a equipa tentava perceber como é que algumas bactérias se tornavam resistentes a um dos principais antibióticos disponíveis para tratar a doença, cuja substância activa é a isoniazida. No trabalho, detectou-se que as bactérias da tuberculose que se mostravam resistentes a este antibiótico tinham falta de uma molécula chamada micotiol e, a partir daí, os investigadores puseram uma hipótese: se há falta de micotiol, então a bactéria talvez tenha mais quantidade de um aminoácido chamado cisteína.

Vitamina C, um agente redutor

Só que o desfecho não foi o que os investigadores esperavam. William Jacobs explica, num comunicado, que pensavam que, ao juntarem a isoniazida e a cisteína à bactéria, ela desenvolveria resistências, mas aconteceu precisamente o contrário e as bactérias começaram a morrer. A equipa acredita que a cisteína ajudou a matá-las, funcionando, sim, como um “agente redutor” que, ao desencadear a produção de radicais livres, conseguiu danificar o seu ADN. Para comprovar a hipótese, repetiram a experiência com a isoniazida, mas usaram um agente redutor diferente: a vitamina C. A combinação foi ainda mais “explosiva”, conseguindo esterilizar a cultura de bactérias de tuberculose, tanto no caso das estirpes mais comuns como no das multirresistentes ou extensivamente resistentes.
Jacobs diz que os agentes redutores servem, precisamente como o nome indica, para, através de um processo químico, reduzirem outras substâncias e que a vitamina C se mostrou eficaz nesse processo. “Estava incrédulo. Mais surpreendente ainda... foi quando retirámos da cultura a isoniazida e deixámos apenas a vitamina C sozinha: descobrimos que a vitamina C matou a tuberculose”, adiantou, acrescentando que em nenhum caso as bactérias se mostraram resistentes a esta substância.

Mau uso de antibióticos

Em Portugal, o número de novos casos de tuberculose tem estado a diminuir, mas as formas mais raras da doença, pelo contrário, estão a aumentar. Segundo os últimos dados da Direcção-Geral da Saúde, em 2012 a incidência da tuberculose em geral diminuiu cerca 6% em relação a 2011, mas as formas raras, mais difíceis de diagnosticar, estão a aumentar e são já superiores à média europeia. Já a incidência de tuberculose multirresistente também tem diminuído de forma consistente ao longo dos anos, mas a taxa de sucesso dos tratamentos tem vindo a cair nos últimos anos.
Um dos problemas do país está precisamente no mau uso e no abuso de antibióticos, o que faz com que os doentes ganhem resistência a este tipo de medicamentos e que não consigam debelar as infecções, nomeadamente nos casos da tuberculose multirresistente. Por isso mesmo o Governo atribuiu, no passado mês de Fevereiro, o estatuto de programa nacional prioritário ao combate às infecções e às resistências aos antibióticos que, desta forma, passa a integrar a lista das áreas prioritárias sob a responsabilidade da Direcção-Geral da Saúde.

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