quarta-feira, 29 de maio de 2013

Profissão: Formador - Sociedade - Sol

Profissão: Formador - Sociedade - Sol

A crise e o desemprego desencadearam a corrida aos cursos de formação de formadores. Iryna Rashydova, uma antiga esperança olímpica da Ucrânia, Luís Silva, que viu o manto do desemprego abater-se sobre a família na altura em que a filha ia entrar para a universidade, e Andreia Martins, que dá aulas de karaté e faz traduções para sobreviver, contam como a formação pode dar um novo rumo às suas vidas. Com mais de 350 mil registados no IEFP, esta é uma aposta que não sofre com os cortes.
Uma sessão de formação é um dos raros sítios onde se podem juntar, numa mesma sala, professores, esteticistas, polícias ou jornalistas. Forçados a mudar o curso das suas vidas, são aos milhares os profissionais das mais diversas áreas que apostam em cursos de formação de formadores. A esperança de começar a ver ‘uma luz ao fundo do túnel’ foi o grande móbil que levou Andreia, Luís e Iryna a frequentar o curso intensivo de Formação Pedagógica Inicial de Formadores da Escola Intercultural das Profissões e do Desporto da Amadora (EIPDA), uma das 248 entidades formadoras certificadas pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).
"Espero, com as competências que adquiri, consiguir novas oportunidades de arranjar trabalho", confessa Andreia Martins, uma das mais recentes formadoras da EIPDA. "Vivo em Lisboa, com o meu irmão de 33 anos, que está desempregado, como eu. Estamos numa situação complicada, pois vivemos quatro pessoas e dois animais à custa da parca reforma do meu pai", revela. Licenciada em Estudos Portugueses e Românicos, curso que acumulou com um emprego como recepcionista numa residência assistida, Andreia vai ocupando o tempo a dar explicações, treinos de karaté e a fazer traduções, "quando aparecem". Biscates que "não dão para ter uma vida normal". Aos 28 anos, já enviou "centenas de currículos para as mais variadas entidades". "Não consigo arranjar nada, chamam-me para entrevistas e, muitas vezes, nem sequer me dão resposta", desabafa. "Encontro ofertas de trabalho na internet em que a idade máxima são 25 anos. E pedem experiência!", conta. Apostada em rumar ao Alentejo, onde Martins pensa fazer da formação profissão. "O que se pede por lá são formadores. De resto, no Alentejo não há grandes oportunidades de emprego".
O agudizar do desemprego e da crise económica em Portugal tem provocado uma autêntica corrida aos cursos de formação de formadores. Mais do que um mero papel, oferecem uma ténue esperança, "uma abertura para uma nova profissão", sustenta Susana Rosa, técnica responsável pela formação de formadores da EIPDA. "Podemos ter uma profissão até esta altura e, a partir daqui, ter outra diferente. A formação é sobretudo uma nova porta que se abre. Como em tudo, o caminho temos de ser nós a percorrer, entregando currículos, procurando oportunidades para dar formação", esclarece a responsável.
Um curso de formação de formadores apenas confere a quem o conclui a certificação necessária para dar formação, independentemente da área de actividade. O objectivo dos formandos é só um: obter o Certificado de Competências Pedagógicas (CCP), que permite, aos olhos da lei, ministrar formação. Cabe depois a cada um decidir se vai dar formação na sua área de actividade ou noutra, e tentar a sua sorte através de concursos ou candidaturas espontâneas para empresas e outras entidades.
Da Veterinária ao salão de cabeleireiro
A busca de oportunidades não é nenhuma novidade para Iryna Rashydova. Nascida na Ucrânia há 38 anos, ainda frequentou o curso de Veterinária em São Petersburgo, mas a desagregação da União Soviética e a morte dos pais no mesmo ano (1991) acabaram com o sonho. Antiga campeã ucraniana do lançamento do disco, chegou a ser uma das maiores esperanças do seu país para os Jogos Olímpicos, mas acabou por tentar uma carreira na área da estética.
Em 2001 rumou a Portugal, após ter visto goradas as hipóteses de emigrar para França ou os EUA. "O início foi muito duro, trabalhava nas limpezas e aprendia a língua e tradições portuguesas ao mesmo tempo", explica Iryna. Cinco anos mais tarde, quando conseguiu legalizar-se, inscreveu-se num curso técnico de cabeleireira. Em vez dos "supostos 19 meses, durou três anos e custou mais de 12 mil euros, por ter sido pago em prestações".
Mas Iryna não desistiu. Em 2008 conseguiu abrir o seu próprio salão, onde hoje, além do próprio emprego, suporta mais dois postos de trabalho. "Sempre gostei de aprender e de ensinar e decidi agora tirar o curso de formação de formadores porque, um dia, quero ter a minha própria escola e ajudar as estagiárias a conhecer a fundo a profissão". Habituada a vencer obstáculos, defende uma grande aposta na qualificação – para "que as pessoas se sintam seguras quando procuram trabalho e consigam, quando chegam à cadeira do salão, começar a trabalhar para recuperar o dinheiro que gastaram nos cursos técnicos que frequentaram".
No caso dos cursos de formação de formadores, cujo preço pode ir dos 180 a mais de 600 euros, a recuperação do investimento depende mais do formador do que do sistema instalado. "Quando terminam o curso, os formadores recebem o CCP, são inseridos na Bolsa Nacional de Formadores e podem ser chamados para dar formação ou não", adverte Susana Rosa. "Se já tiverem alguma experiência em formação, poderão ter a porta aberta em algumas entidades".
Embora não garanta emprego certo, a formação continua a ser um chamariz para muitos a quem a vida trocou as voltas. "Posso dizer que já tivemos formandos que vieram de propósito da Covilhã para frequentar este curso na Amadora", revela Susana Rosa. "Para quem está desempregado, é uma forma de estar ocupado e de adquirir competências que valorizam os currículos. Para quem tem emprego, pode garantir alternativas de empregabilidade ou mesmo um complemento salarial".
Alternativa é algo que Luís Carlos Silva há muito não conhece. Aos 47 anos, viu o manto negro do desemprego atingir a fundo o agregado familiar, depois de mais de duas décadas ligadas à área da logística e de meia vida a tentar superar obstáculos. "Estou desempregado, a minha esposa também e a minha filha entrou agora na faculdade. É tudo a ajudar...".
Habituado a trabalhar desde tenra idade, primeiro como paquete e depois numa linha de montagem de automóveis, Luís sofreu os efeitos de uma reestruturação na multinacional onde trabalhava. Desde logo decidiu meter "mãos à obra". Abriu um franchising ligado à saúde e bem-estar, criando o próprio emprego, mas a deterioração das condições económicas do país e o decréscimo acentuado do poder de compra dos clientes fizeram com que o sonho terminasse em apenas dois anos.
Optimista por natureza, foi à procura da sorte na área da formação, uma aposta que espera que dê frutos muito em breve. "Sinto-me bem comigo mesmo e com a vida e estou pronto para agarrar outras oportunidades, nomeadamente através deste curso". No entanto, calejado pelas adversidades que já teve de tornear, Luís modera o optimismo quando confrontado com as portas que poderá ver abertas. "Não sei o que esta área trará de futuro. Penso que existem muitos formadores e ouve-se agora que os professores que estão no desemprego poderão vir a ocupar a área da formação. Conheço alguns formadores e vejo-os bastante preocupados".
Susana Rosa contrapõe com as necessidades que o país ainda tem ao nível da formação: "Penso que temos grandes necessidades de formação em Portugal. Ainda há pouco tempo, o IEFP nos solicitou que duplicássemos os cursos que já temos e a nossa percepção é que, se há um campo no país onde não há cortes, esse campo é a formação".
Félix Esménio, vice-presidente do Conselho Directivo do IEFP, nota que a formação não só não se está a ressentir da crise como é uma área em expansão. "Perspectiva-se, para os próximos anos, um aumento do número de formandos, sobretudo nos cursos de dupla certificação, o que exige também mais formadores, com especial destaque para a área tecnológica".
O facto de a qualificação dos portugueses ser muito inferior à média europeia tem aumentado a necessidade de qualificação e desenvolvimento de competências. Para Félix Esménio, "tem havido progressos notáveis, principalmente no que respeita à educação e formação dos mais jovens, mas é necessário continuar o esforço observado nas últimas décadas em Portugal, se não mesmo reforçá-lo".
O responsável esclarece ainda: "Ser formador é diferente de ser professor. No primeiro caso, estamos a falar de uma actividade que, embora possa ser principal, é frequentemente acumulada com o exercício de outras actividades, e requer sempre uma qualificação prévia numa determinada área técnica ou científica".

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