sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O dia em que o governo do “melhor povo do mundo” não foi demitido | iOnline

O dia em que o governo do “melhor povo do mundo” não foi demitido | iOnline

Gaspar chamou indirectamente ignorantes aos deputados, Passos acenou com a saída do euro. Tudo num dia em que houve “censura bicéfala” do BE e do PCP.

“Psiu, psiu.” Vítor Gaspar começa a falar, mas já são poucos os que o querem ouvir. Os deputados da oposição eleitos pelo “melhor povo do mundo” não se cansam dos apartes. Até porque o responsável pela pasta das Finanças decide a meio da intervenção incendiar ainda mais os ânimos e lembrar Bertrand Russell: “O problema do mundo é que os ignorantes estão cheios de certezas e os inteligentes estão cheios de dúvidas.”
O adjectivo, a fazer lembrar António Borges, ainda estava na memória dos deputados das bancadas do PCP, do BE e do PS. E se mesmo nos piores dias de Teixeira dos Santos o silêncio imperava para ouvir o responsável pela pasta das Finanças, a intervenção de Vítor Gaspar ontem no parlamento foi abafada pelos comentários. E pelo riso, quando o ministro, um dia depois de anunciar um “enorme” aumento de impostos, decidiu elogiar os portugueses. “O povo português revelou-se o melhor povo do mundo”, disse. Na intervenção, Gaspar ironizou ainda dizendo que as moções do PCP e do BE não passam de “teatro e pantominice”. Bernardino Soares não deixou passar a expressão em branco e foi ao dicionário: “Quer dizer mímica.” Algo a que o ministro não está habituado, acrescentou, porque “não tem expressão”.
Em menos de três meses, o governo viu--se confrontado com três moções de censura. As três rejeitadas pela maioria dos deputados. PCP e BE votaram sozinhos, e os socialistas, apesar da censura ao caminho seguido, ficaram-se por mais uma “abstenção violenta”. Seguro não queria demitir o governo – nem poderia, uma vez que mesmo votando ao lado da esquerda não perfazia a maioria – e mostrou-o no debate (ver ao lado). Deixou o palco aos subscritores das moções.
E foi do Bloco de Esquerda que saiu a resposta a Gaspar. “Portugal tem o melhor ministro das Finanças, o melhor do mundo. Mas o melhor povo do mundo já não quer este governo”, ironizou Pedro Filipe Soares. E foi sempre este o tom dos bloquistas, que pediram mesmo eleições. Primeiro Louçã lembrou a Passos que este teve o dom de conseguir unir os portugueses: “Há uma única coisa que lhe podemos agradecer. Nunca nenhum governo criou tanto consenso em Portugal desde o 25 de Abril como o seu. Nunca tanta gente, por tão boas razões. O senhor deve ser demitido”, afirmou.
E foi sobretudo para o BE que a maioria se virou. O ataque que mais risos e burburinho provocou veio da vice-presidente da bancada parlamentar Teresa Leal Coelho, que acusou o Bloco de viver no “mundo de Alice” e disse que o debate estava a ser pago “pela troika” e não “por uma Moscovo soviética”. Na resposta, João Semedo – o homem que vai substituir Louçã à frente do BE numa liderança bicéfala com Catarina Martins – apontou o nervosismo das bancadas da maioria: “Compreendo que estejam à beira de um ataque de nervos. Lamentavelmente não vos posso ajudar porque não trouxe a caixinha do Lexotan.” Louçã já tinha classificado o estado do PSD e do CDS: “Aterrorizados.”
E foram os “aterrorizados” que votaram contra. “Cada um que não votar a favor destas moções de censura é responsável pela continuação do desastre”, disse o deputado comunista Bernardino Soares. Apesar de as moções terem sido rejeitadas, para o PCP isso não significa que não tenham efeito: “O governo que hoje é confrontado com a nossa moção de censura é um governo cada vez mais isolado, cada vez mais desacreditado. Os portugueses afirmam-no todos os dias, enchendo as praças e as ruas deste país”, lembrou Jerónimo.
Alternativas Perante duas moções de censura, Passos começou por se defender dizendo que os partidos da esquerda não contribuem com alternativas ou não as querem dizer porque sabem que isso significaria “o abandono da zona euro e o financiamento livre através do controlo governamental sobre uma nova moeda própria. Isso representaria a nossa renúncia ao estatuto de economia desenvolvida”.
Louçã lançou uma ideia defendida há muito tempo pelo BE e pelo PCP: “Não encontra ninguém que não defenda que não é preciso fazer uma renegociação da dívida.” Mais tarde Passos negou novamente esse caminho: “Não é possível renegociar toda a dívida nem sair do caminho europeu.”
Um caminho que para o BE devia ser punido. Para Louçã, Passos devia ser acusado de “fraude eleitoral”, “gestão danosa da causa pública” e “assalto fiscal”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário