sábado, 6 de outubro de 2012

Esquema Certidões falsas feitas no Brasil servem para Portugal emitir passaportes | iOnline

Esquema Certidões falsas feitas no Brasil servem para Portugal emitir passaportes | iOnline

Imigrantes trocam de país por 1200 euros
O esquema de falsificação é simples mas de difícil detecção. Dezenas de brasileiros que residiam em Inglaterra em situação irregular foram nos últimos meses ao Brasil comprar – por cerca de mil libras (1200 euros) – falsas certidões de nascimento que atestam a sua luso-descendência. Com esse documento, os brasileiros vêm a Lisboa solicitar dupla nacionalidade e o passaporte nacional. Depois regressam a Inglaterra como europeus e a polícia local nada pode fazer, uma vez que os passaportes são legais e emitidos pelas autoridades portuguesas.
Segundo esta investigação do i, a prática terá começado há cerca de dois anos e envolve quase sempre o Cartório do Registo Civil e Tabelionato de Notas do Estado de Goiás, nomeadamente a oficial Flávia Teixeira de Souza.
O roubo de dados de portugueses reais é também uma tarefa fácil, uma vez que boa parte destes brasileiros e portugueses partilham casa em Bristol, e noutras cidades inglesas. Os nomes de nacionais que surgem nas certidões falsas – ou seja, os falsos pais – são por isso os dos portugueses com quem os infractores lidam diariamente. Nesses documentos, a data de nascimento é alterada de modo a ser coerente com a idade dos supostos pais.
Num contacto telefónico com este cartório, fizemo-nos passar por um brasileiro a residir na Europa que queria comprar uma certidão. A resposta foi defensiva, talvez devido ao sotaque: “A Flávia já não trabalha aqui não, moço.” Mas a Flávia ainda trabalha naquele cartório e até há poucos meses continuava a receber as mil libras para falsificar o nome dos pais.
A embaixada de Portugal em Brasília também já terá sido alertada para este esquema, mas o i apurou junto de fonte próxima desta entidade que o caso ainda não foi comunicado às autoridades brasileiras. A embaixada, segundo apurámos, considera que o caso sai do âmbito das suas competências e que têm de ser os serviços centrais em Lisboa a detectar as irregularidades e a entrar em acção.
No Brasil também é difícil descobrir este tipo de fraudes se não houver denúncia. No sistema da Receita Federal brasileira – uma base de dados nacional – surgem todos os nomes e números de identificação dos cidadãos daquele país e quando as certidões falsas, como estas, são criadas passam a existir novos registos, como se se tratasse de outras pessoas. Nestes vultos informáticos não aparecem, porém, os contactos nem outras informações que existem em situações normais.
Ao i fonte da Polícia Judiciária explicou que estes casos são investigados de modo individual, desconhecendo-se por isso por parte desta polícia uma investigação concertada para desmontar este esquema. Contactado na quinta-feira por email, o Ministério dos Negócios Estrangeiros não prestou declarações sobre o assunto até à hora de fecho da edição.
Luciano. Filho de Elimar no Brasil e de Maria na Europa
Luciano Morais de Mendonça é brasileiro e imigrou há dois anos para Bristol, Inglaterra. Após alguns meses a residir com portugueses foi a Goiás, de onde regressou com nacionalidade portuguesa e com outro nome: Luciano Gonçalves Dias. Segundo o i apurou, Luciano consta no sistema da Receita Federal Brasileira como sendo filho de Elimar de Morais, nascido em 1973 e natural de Anapolis. Mas não eram estes os dados que constavam na certidão de nascimento que apresentou em Lisboa – quando regressou de Goiás – para requisitar a nacionalidade portuguesa.
Na certidão falsa, datada de 18 de Novembro de 2010, é atestado que um português, cujo nome o i não revela, “maior, capaz [...] declarou que aos onze de Maio de mil e novecentos e setenta e dois às 4h30m horas, no Hospital e maternidade de Santa Lucia, na cidade de Goiânia – GO, nasceu uma criança do sexo masculino que recebeu o nome de: Luciano Gonçalves Dias.” Neste documento a mãe de Luciano é Maria – um nome tipicamente português – e não Elimar.
Tal como em muitas outras situações, é Flávia Teixeira de Souza quem assina, na qualidade de “oficiala e tabeliã”.
Para tentar desmontar o esquema, o i começou por confrontar a administração do Hospital de Santa Lucia, em Goiânia. Porém, já não existem dados tão antigos nos arquivos daquela unidade de saúde, o que torna difícil atestar se nasceu ou não ali algum Luciano Gonçalves Dias em 1972.
Mas para as autoridades brasileiras, alertadas pelo i, não existem dúvidas: este Luciano, filho de portugueses, só pode ser uma fraude, uma vez que o registo que surge nos dados da Receita Federal não tem dados essenciais que deveriam existir em situações normais.
Já as informações que aparecem naquela base de dados sobre o verdadeiro Luciano dão conta de que tem um outro irmão, Thiago de Morais, também filho de Elimar de Morais.
Confrontada com esta nova informação, fonte próxima das autoridades britânicas confirmou ao i que deu entrada naquele país há dois meses um brasileiro com aquele nome, que se deverá apresentar nos próximos dias à UK Border Agency – autoridades que controlam as fronteiras inglesas – para tratar da sua situação no país. “Pode acontecer que esse sujeito traga já um passaporte com outros pais europeus que não os que os que foram usados por Luciano.”
Em contacto telefónico com a verdadeira mãe de ambos, Elimar de Morais, esta disse não conhecer ninguém com o nome de Luciano. Após confirmar que a sua residência era em Goiânia, apressou-se a desligar o telefone.
Quanto a Flávia de Souza, o i apurou que não tem qualquer tipo de cadastro criminal. Apenas recaem sobre ela algumas penhoras e outros processos cíveis quer no Tribunal de Goiânia quer no Superior Tribunal de Brasília.

Nenhum comentário:

Postar um comentário