sábado, 20 de outubro de 2012

Agências de rating desconfiam dos impostos do Governo - Dinheiro Vivo

Agências de rating desconfiam dos impostos do Governo - Dinheiro Vivo


As agências de rating desconfiam das projeções económicas do Governo para 2013 e do retorno esperado em receitas de impostos.

A proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano (OE/2013) é pouco promissora no que toca a abrir caminho ao crescimento e dificilmente irá tirar a nota da dívida nacional do nível “lixo” em que atualmente se encontra, segundo diz a maioria das agências. Mas todas estão pessimistas.
A recessão arrisca a ser pior que -1%, o aumento da receita fiscal em que a equipa de Pedro Passos Coelho se apoia para justificar a redução do défice, pode falhar. As famílias, mostram os indicadores de confiança do INE, estão agora ainda mais pessimistas do que há um ano face à possibilidade de conseguirem consumir, que antecipa um futuro atribulado para a coleta de impostos indiretos e para a criação de riqueza (o consumo privado vale cerca de 60% do PIB).
Por outro lado, a maioria dos empresários não está a ver muito bem como pode investir mais se não há crédito bancário suficiente ou a preços razoáveis, nem perspetivas de procura interna. E com um ambiente externo de novo mais sombrio – com Espanha à beira de uma intervenção financeira e económica – Lisboa surge aos olhos dos analistas ouvidos como estando num autêntico labirinto para chegar ao crescimento e, antes disso, aos mercados.
Há quem veja inclusive uma espiral recessiva a formar-se – anos de destruição de riqueza e de emprego.
Três das casas que atribuem classificação à dívida da República - Moody’s, Fitch e DBRS - falam do “risco claro” que paira sobre a principal alavanca de Vítor Gaspar: o aumento “enorme” de impostos que espera encaixar. A expansão de 2,2% no IVA, para 13,3 mil milhões de euros convence pouco.
Kristin Lindow, vice-presidente da Moody’s e chefe da equipa que segue Portugal, diz ao Dinheiro Vivo que “as perspetivas negativas para o rating de Ba3 do Governo baseiam-se, em parte, nos riscos negativos sobre o crescimento e, por extensão, sobre a receita pública”. “Dado que os aumentos de impostos de 2013 caem pesadamente sobre as famílias, existe um risco das receitas ligadas ao consumo ficarem aquém do esperado”, acrescenta a analista.
No OE/2013, a receita fiscal projetada crescerá mais de 10%, para quase 36 mil milhões de euros. Mas é no capítulo do IVA que, assume o Governo, ocorrerá um evento histórico: pela primeira vez em 23 anos (pelo menos), a receita deste imposto, a mais importante fonte de verbas do Estado, vai subir (2,2%) em ano de recessão (o terceiro consecutivo), com o consumo privado a seguir o mesmo caminho, com o desemprego acima de 16% (máximo de sempre em democracia) e sem que as Finanças subam taxas ou reclassifiquem produtos entre escalões.
O Governo explica que é graças ao combate à fraude: “A presente estimativa reflete a evolução do cenário macroeconómico de 2013, muito em particular no que diz respeito à trajetória das variáveis [...] mais fortemente correlacionadas com a receita deste imposto e também o efeito esperado do combate reforçado à fraude e evasão fiscal.”
Missão impossível?
“Impossível”, atira João Vieira Lopes. “Mesmo que seja pelo combate à evasão, as metas do défice são inatingíveis. A subida de impostos é tão grande que vamos assistir a um aumento da economia clandestina. No caso do IVA teremos um embate como o deste ano ou pior [o imposto estagnou apesar da subida de taxas na energia e revisão de tabelas]. E sendo certo que será mais difícil as pessoas escaparem ao IRS, ninguém se iluda: o desemprego irá subir pelo e também essa receita também me parece duvidosa”, refere o presidente da Confederação do Comércio e Serviços (CCP).
No OE, o IRS, a segunda maior fonte de receita do Estado (12,1 mil milhões de euros, quase tanto quanto a coleta prevista de IVA), vai disparar 31%.
Michael Heydt, vice-presidente assistente da DBRS, a agência de rating canadiana, faz justamente esse alerta: o que aconteceu este ano, poderá propagar-se ao próximo. “Como vimos em 2012, a composição do crescimento representa um risco para os objetivos orçamentais. A economia portuguesa está num processo de rebalanceamento rápido, à medida que os recursos são transferidos dos bens e serviços não transacionáveis para a produção de exportações”.
“Isto levou a um  crescimento forte das exportações, mas também a uma procura interna mais fraca que o esperado. É este mix de crescimento que pode complicar os esforços para aumentar receitas fiscais e para atingir a meta do défice”, remata o economista.
A Fitch aceita que o Governo tenha o “objetivo de fechar alguns pontos de evasão [fiscal] e deverá ser por isso que está confiante que poderá alcançar um aumento das receitas do IVA apesar da contração no consumo privado”.
Mas, Michele Napolitano, o diretor assistente que acompanha Portugal, avisa logo que “com a quebra esperada de 2,2% no consumo privado, o desempenho do IVA abaixo do orçamentado é um risco claro”.
Outro problema é que a recessão pode ser superior a 1% e o desemprego estar a caminho dos 17%. Já há instituições que apostam num impacto maior da austeridade.
A missão coordenada pelo Ministério Federal da Economia e Tecnologia da Alemanha em articulação com os quatro principais institutos de investigação do país (Ifo, Ifw, IWH e RWI) assume que Vítor Gaspar até pode entregar o défice negociado no quinto exame do programa de ajustamento, mas a destruição da economia será maior.
Estas previsões, “uma referência” para o Governo de Berlim, dizem que a recessão nacional será de 1,5% em 2013 e que o desemprego sobe até 16,7%.
Paulo Pinho, professor de Economia da Universidade Nova, está muito cético. “Este OE não tem condições de base nem de fundo para ser cumprido e que o fez sabe disso. Não é possível equilibrar o orçamento sem trabalhar, em simultâneo, em caminhos que entreguem mais crescimento. É dramático aquilo a que estamos a assistir: Portugal não tem política económica”.
O consultor bancário vai regularmente a Londres e outros centros financeiros em trabalho. E avisa: “do lado dos investidores estrangeiros há uma forte convicção de que Portugal está hoje mais longe do regresso aos mercados do que há um ano. Quem empresta dinheiro a um país ou às empresas desse país quer ver crescimento e menos dívida e já não olha para o défice. Sem esses sinais, o risco de incumprimento só se agravará e a recessão será como uma espiral. Existe uma noção cada vez mais clara de que, dentro de um a dois anos, Portugal terá de reestruturar parte da dívida”.
A Fitch já disse, no início deste mês, que Portugal deve precisar de um segundo pacote de empréstimos da troika antes de voltar aos mercados, ao longo de 2013.

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