segunda-feira, 8 de outubro de 2012

“A Lusoponte é um grande aspirador financeiro” | iOnline

“A Lusoponte é um grande aspirador financeiro” | iOnline

Está quase pronta a auditoria cidadã à primeira parceria público-privada portuguesa – a concessão para a construção da Ponte Vasco da Gama – orientada pelos engenheiros reformados Alexandre Romeiras e José Carlos Ferreira. Um primeiro esboço de relatório já está feito. Significativamente, chamam-lhe “o aspirador financeiro”.
Em que altura começaram a fazer esta auditoria cidadã à Lusoponte?
Alexandre Romeiras– Começámos a fazer em Maio de 2012. Não foi fácil não há muita documentação disponível. Procurámos livros e documentação, muito deles acessíveis pela internet.
E pediram para aceder aos documento do processo da Lusoponte e da construção da Ponte Vasco da Gama que são do extinto GATTEL- Gabinete para a Travessia do Tejo em Lisboa?
José Carlos Ferreira– Pedimos à associação Artigo 37º que nos auxiliasse a obter documentação proveniente do Ministério das Obras Públicas e da Lusoponte, nomeadamente a  que nos permitisse perceber os fluxos financeiros da concessão. Até porque já vamos no nono reequilíbrio financeiro e não sabemos onde estão plasmados do ponto de vista orçamental não só os montantes, como  as razões subjacentes a estes gastos.
A construção da ponte Vasco da Gama é uma concessão e é a primeira PPP (parceria público-privada) feita em Portugal?
AR–Todos os autores que pesquisamos consideram que este tipo de concessões são PPP, de modo que se pode afirmar que a construção da ponte Vasco da Gama é uma parceria pública-privada.Toda os literatura especializada o confirma.
O que é que vocês descobriram de Maio até agora?
AR– Descobrimos questões ligadas a dinheiros que foram sendo pagos à Lusoponte ao abrigo dos chamados reequilíbrios financeiros. Há uma referência no contrato que poderá haver, caso haja um conjunto de alterações às condições de exploração, reequilíbrios financeiros, mas o uso e abuso desse instrumento parece-nos excessivo: houve nove reequilíbrios financeiros até agora. Incluindo uma grande alteração ao contrato que se chamou “Acordo Global de 2001”, “Acordo de Quadro”, “Aditamento ao Acordo de Quadro”, etc. O contrato é complexo, tem oito anexos, cada um dos aditamentos tem mais dois anexos, portanto um grande conjunto de documentos jurídicos, parte dos quais não tivemos acesso, que constituem um enorme novelo jurídico. Aquilo que achamos foi  que houve uma enorme utilização dos instrumentos de reequilíbrio financeiro, muitos deles dando vantagens que nos parecem excessivas aos concessionários. Encontramos isso de diversas formas, uma delas foi de uma penada tirar do contrato a obrigação do privado fazer a manutenção da Ponte 25 de Abril. Pensamos que o papel da Lusoponte na 25 de Abril se limita a cobrar e ficar com o dinheiro das portagens. Aliás, esse é um dos problemas que podemos encontrar nas chamadas renegociações do governo com as PPP rodoviárias, fala-se em cortes nos pagamentos aos privados e encontra-se a sua desresponsabilização. Temos um falso corte, porque o Estado vai ser obrigado a fazer essa manutenção. Mas há casos ainda mais graves, encontramos referências de um autor que diz que a Lusoponte terá falsificado os números de tráfego na 25 de Abril, para baixo, para pedir uma compensação maior ao Estado. Se isso for verdade estamos perante a retirada de benefícios ilegítimos. Relativamente à Vasco da Gama encontramos outro tipo de compensações, por exemplo, quando houve o chamado Acordo Global receberam uma compensação directa de 250 milhões de euros.
JCF – É preciso referir que no Acordo Global houve uma alteração significativa aos termos do contrato: O contrato inicial de 1994 e o segundo de 1995, tinham indexado o tráfego de 2250 milhões de veículos nas duas direcções e nas duas pontes. Logo que se atingisse esse número ou se perfizessem 33 anos, o contrato expirava. Acontece que no Acordo Global redigido em 2000 e assinado em 2001 altera-se isso: deixa de haver indexação ao tráfego e passa a fixação de um prazo fixo de 35 anos para o fim da concessão.
AR –Foi aumentado o prazo máximo em dois anos. Passou a fixo em 35 anos. Para perceber as consequências dessa alteração podemos recorrer ao juiz jubilado do Tribunal de Contas Carlos Moreno que estima que esta alteração no Acordo Global, a passagem ao prazo fixo de 35 anos, corresponde a uma extensão de sete a 11 anos em relação ao contrato inicial. E depois faz uma análise que aponta para o encaixe correspondente por parte do concessionário de uma verba de 558 milhões de euros por essa via.
Grosso modo a Ponte Vasco da Gama custou quase 900 milhões de euros...
JCF-Começou por ser orçamentada em 867 milhões e ficou em 897 milhões...
Do qual apenas cerca de 25% foi investimento feito pelos privados...
JCF– Nem isso.
AR –No site da insuspeita Lusoponte pode-se aceder aos dados de financiamento inicial e a um cenário de refinanciamento que ocorreu no ano 2000.
JCF – E os dados são claros: 30% fundo de coesão, 25% Banco Europeu de Investimento (BEI), 11% por bancos comerciais, 5% pelas portagens da 25 de Abril, 6% pelos accionistas e 29% por outros.
AR– Estes 25% de que fala, corresponderiam no contrato inicial a accionistas, governo e “etc.”, sendo que o “etc.” não está especificado. Como os accionistas se esclarece no segundo contrato que é cerca de 6%, estamos muito abaixo dos 25%.
Mas com esses reequilíbrios financeiros a ponte não pode já estar paga aos accionista há muito tempo?
JCF – Quando o Estado a título de reequilíbrio dá 250 milhões de euros ao privado, isto é muito mais do que eles tinham investido.
Um dos critérios teóricos das PPP é que supostamente elas têm de ser a custo zero para o Estado com a Lusoponte e a construção da Ponte Vasco da Gama isso não aconteceu?
AR – Em toda a documentação se dizia que a construção da Vasco da Gama seria paga exclusivamente pelas portagens, não temos os fluxos, mas temos apurados que à conta destes reequilíbrios de compensação foram dados ao privado, pelo contribuinte, mais de 560 milhões de euros. Mais do que metade do valor deste contrato ou seja mais de metade do que custou a ponte.
Pode-se dizer que a distribuição de riscos entre Estado e privado foi equilibrada neste negócio?
AR– Nós encontramos no contrato inicial que todos os riscos estão a cargo da concessionária. Depois nos reequilíbrios foi completamente subvertida, e em termos de tráfego foi mesmo eliminada. É garantida contratualmente ao privado uma elevada TIR (taxa interna de rentabilidade de 11,43%), muito superior à que vemos nas PPP em outros países europeus.
JCF – Para se perceber o autêntico sorvedouro que têm sido os equilíbrios financeiros, em 11/04 foi ouvido, na Comissão de Economia da Assembleia da República, o presidente do Instituto de Infra-_-estruturas Rodoviárias que disse que o nono equilíbrio financeiro ascendia a 50 milhões 860 mil euros. E esse instrumento parece ter sido usado de uma forma demasiado ampla. Antes da ponte ter começado a funcionar já tinham concedidos três reequilíbrios financeiros.
Como é que se justifica que haja tantos reequilíbrios? O Estado não protegeu devidamente os seus interesse nos contratos?
AR – Pessoalmente não sei responder a essa questão. Que nomes podemos chamar a quem nos representou? Que nomes podemos chamar ao concessionário, que está no seu papel? Quem representou o Estado?
Martins Guerreiro – Não é o contrato inicial que está substancialmente mal feito, as suas alterações e reequilíbrios é que são sempre feitos em prejuízo da parte pública. Há uma cláusula inicial que prevê os reequilíbrios, mas são alteradas muitas daquelas que eram mais vantajosas para o Estado.
Como é que o Estado permite isso? Há alguma promiscuidade entre os representantes do Estado e os privados, pelo facto do ministro das Obras Públicas de então ter passado para presidente da Lusoponte?
MG – É evidente que sim. Mas isso é uma das questões mais interessantes destes processos todos. Como é que os serviços do Estado vão ficando menos capazes e habilitados e os serviços privados vão ganhando capacidade. E como é que o decisor político acaba por decidir a favor do privado. Isso é uma das coisas mais interessantes deste nosso processo. Por causa deste contrato fui levado a analisar o papel das sociedades de advogados e é curioso que este contrato, tem na primeira página não a referência do Ministério das Obras Públicas, mas a da sociedade de Advogados Vasco Vieira de Almeida. A primeira página do original do contrato tem esse ferrete. Nas primeiras 10 sociedades de advogados pontificam deputados , ex-secretários de Estado e ex-ministros. E essas sociedades estão ligadas a grandes negócios com o Estado. A lógica subjacente a esta política é diminuir os encargos de pessoal com o Estado, mas aquilo que se gasta depois com os privados custa muito mais do que aquilo que se pagaria se houvesse pessoal qualificado no sector público, já para não falar do custo associado a contratos que podem prejudicar o Estado.
AR – Os preâmbulos dos decretos que regulamentam as PPP apontam como um dos principais problemas a falta de profissionais no aparelho de Estado e o uso excessivo de consultores externos.
Quando o Estado fez a concessão da Ponte Vasco da Gama não havia lei para a regulamentar?
AR – Só ao fim de 11 anos é que apareceu a lei para regular as PPP. Para além de esta consulta a advogados externos ser onerosa. Há o problema da experiência nunca se acumular no sector público. Ela torna-se adquirida pelos consultores externos.
Já vamos na terceira lei para regulamentar as parcerias público-privadas isso tem sido feito no sentido de acautelar os interesses públicos?
JCF – Não. Aquilo que nos temos apercebido é que nos vários decretos-lei de 2003, 2006 e 2012, os preâmbulos são muito incisivos mas lemos os seus conteúdo e aí nunca é acautelado rigorosamente o interesse do Estado. Os riscos das PPP são sempre deixados para o Estado.
AR – No segundo aparece a consagração dos reequilíbrios financeiros, aparece a possibilidade de dispensar as comissões de acompanhamento que supervisionam os projectos, a política de indemnizações também se agrava. Lemos isso como portas que vão nascendo para serem utilizadas.
JCF – No último de 2012 ainda é mais esquisito permitem que todas as PPP sejam revistas e negociadas, mas depois no seu articulado escreve-se que “não pode haver alterações aos contratos das parcerias já celebradas. Um ponto muito forte no segundo contrato da Lusoponte é que previa que o Estado poderia sempre reaver a infra-estrutura se a reposição dos reequilíbrios financeiros fosse demasiado onerosa para o Estado.
AR- Não há vontade política para o fazer, se nos lembrarmos que ainda há 21 anos de pagamentos pela frente. Parece que a Lusoponte é um grande aspirador financeiro.

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