sábado, 6 de outubro de 2012

República de pernas para o ar e com cautelas do Presidente | iOnline

República de pernas para o ar e com cautelas do Presidente | iOnline

Câmara diz que bandeira ao contrário foi “um lapso” e pediu desculpa ao Presidente. No discurso, Cavaco evitou atiçar o ambiente político, mas António Costa não poupou críticas ao governo.

Cento e dois anos de vida ainda podem trazer episódios insólitos? Podem. A República Portuguesa cumpriu-os ontem e viu o Presidente hastear o seu símbolo oficial ao contrário. Cavaco Silva só se apercebeu depois, a bandeira foi endireitada (já por outras mãos), mas o mal estava feito. Mesmo que na sua intervenção Cavaco tenha evitado lançar mais achas para a fogueira da crise política e social, preferindo centrar-se num tema tão consensual como a formação dos jovens, o último dia 5 de Outubro celebrado como feriado encontrou sozinho uma imagem ajustada ao momento.
A Câmara de Lisboa diz que se tratou de “um lapso”, mas nada adiantou sobre apuramento de responsabilidades a propósito da bandeira hasteada ao contrário. No entanto, o i sabe que ao Presidente da República chegou logo um pedido de desculpas do presidente da Câmara, já que é ao município que cabe a responsabilidade de organizar a cerimónia comemorativa do dia da Implantação da República.
O episódio juntou-se a outros que incomodaram os presentes e até os ausentes. Caso do “patiozinho escondido”, como disse Francisco Louçã, em que se realizou a cerimónia. Ou da falta do ex-presidente da República Mário Soares, que já não tinha estado no último 25 de Abril e ontem faltou ao Pátio da Galé, junto à Câmara de Lisboa – “um sítio escondido por se ter medo de ser apupado”, criticou em declarações ao i. A cerimónia costuma realizar-se na câmara: desde 2006 na Praça do Município, mas até então os discursos eram dentro do salão nobre do edifício que dá para a varanda onde foi proclamada a República em 1910 e onde ontem a bandeira saiu de pernas para o ar.
O que é certo é que nada evitou que os protestos entrassem pelo pátio, quando o Presidente estava a terminar a sua intervenção: através de uma mulher de 57 anos, desesperada com uma pensão reduzida e sem trabalho, e uma outra, cantora lírica, que no fim do discurso cantou o “Firmeza”, de Fernando Lopes Graça, sem nada estar previsto.
Os presentes na cerimónia ficaram apreensivos. Antes disso já tinham sido surpreendidos por outro momento pouco comum neste palco. O discurso do presidente da Câmara a sobrepor-se, no tom e nos recados, ao do Presidente da República. António Costa falou antes de Cavaco Silva e atirou forte ao governo chamando “erro colossal” o país “fundar a competitividade na mão-de-obra barata e desqualificada, na perda constante de rendimento e de direitos”. O socialista garantiu existir uma “alternativa”, “um futuro que vale a pena”, recusando aceitar “como normal a fuga dos melhores”, referindo-se aos jovens.
Neste ponto destoou do que Cavaco viria dizer a seguir, numa intervenção centrada nos jovens, em que admitiu que “nesta fase da vida nacional é natural que muitos jovens, desiludidos por falta de oportunidades de mostrarem o que valem, decidam partir para outros destinos, em busca de justo reconhecimento do seu mérito”. Cavaco chamou-lhe a “nova diáspora” e apostou no regresso destes jovens ao país “para que contribuam para um melhor futuro”.
Cautelas Ao contrário do que fez em anos anteriores na mesma data (ver texto ao lado), Cavaco Silva preferiu passar ao lado da crise ou do Orçamento do Estado para o próximo ano, evitando agravar o actual contexto social e político que considera mais grave que nos últimos anos. Nesta cautela calculada, o Presidente explicou que “deve situar-se numa posição suprapartidária, acima de controvérsias políticas que marcam o dia-a-dia” e o mais longe que foi em termos de recados foi dizer que o “sacrifício tem de ter um propósito, um sentido, uma razão de ser”.
O centro do discurso acabou por ser a aposta na educação, que, segundo Cavaco, deve ser a “grande causa republicana do novo milénio” e uma aposta permanente. Neste capítulo surgiram os primeiros aplausos ao discurso do Presidente, mais precisamente quando fez o elogio dos professores.
Mas se no final da intervenção presidencial o aplauso foi em uníssono, na de António Costa faltaram as palmas do representante de Passos Coelho (ausente do país). O ministro da Defesa, Aguiar-Branco, ouviu e não terá gostado, o mesmo acontecendo com Jorge Moreira da Silva. O vice do PSD ouviu Costa dizer que, perante a Europa, Portugal não se pode cingir ao “estatuto de bom aluno obediente e cumpridor” e criticou-o dizendo que o discurso do autarca “não esteve à altura do 5 de Outubro”, porque “não assumiu as responsabilidades de uma classe política perante o passado, o presente e o futuro”.
Já o PCP foi mais forte na crítica ao discurso de Cavaco Silva. O líder parlamentar, Bernardino Soares, disse que o Presidente passou “um pouco ao lado da realidade que o país vive e das aspirações das pessoas neste momento”. O ex-Presidente Jorge Sampaio fugiu aos microfones por considerar que o ruído já é muito no país.

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