segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Ateneu. O palácio que resistiu ao terramoto de 1755 e que agora luta para não morrer | iOnline

Ateneu. O palácio que resistiu ao terramoto de 1755 e que agora luta para não morrer | iOnline

Desde que pediu a insolvência, o Ateneu de Lisboa está ao abandono. Todas as portas estão abertas e há até quem já lá viva dentro.

O palácio da Anunciada na Rua das Portas de Santo Antão em Lisboa não cedeu aquando do terramoto de 1755, mas a actualidade está de novo a pô-lo à prova. À entrada do edifício – que desde 1895 se transformou no Ateneu Comercial de Lisboa – já não existem os porteiros que até há três anos controlavam todas as visitas. Dentro das piscinas anexas, em vez de água, estão cadeiras e tábuas velhas. Há ginásios que estão fechados a cadeado e mesmo o andar da direcção já não é aberto há várias semanas.
Nos últimos meses, sobretudo depois do pedido de insolvência (ver texto ao lado), aquele espaço de cultura e de tempos livres lisboeta está praticamente ao abandono.
“Estou a tentar que não haja insolvência no verdadeiro sentido da palavra mas sim uma recuperação deste espaço. Mas para isso preciso da aprovação dos credores, o Banif e a Segurança Social”, explicou ao i Joaquim Pereira Faustino, o homem que foi designado pelo Tribunal do Comércio para administrar a insolvência, adiantando: “Este património é suficiente para que não haja liquidação, basta que os credores acreditem e dêem um pouco de tempo para mudar o rumo.”
Na escadaria principal, cujo primeiro lance começa na porta do palácio e termina numa estátua de Luís Vaz de Camões, ouvem-se algumas vozes. Mas só no primeiro andar surge um vulto. Uma mulher de cabelos claros, sentada atrás do balcão da secretaria, levanta-se apressada para vir atender: “Em que posso ajudar?” Está ali a trabalhar sem telefone, sem internet, sem salário – desde Maio - mas sobretudo sem trabalho.
“Eu, tal como os meus colegas, nunca faltei, cumpro os horários como sempre fiz, mas não sei o que vai acontecer daqui para a frente”, disse a funcionária que preferiu não se identificar.
Apesar de todo o empenho, poderá ser ela um dos elementos que nos próximos dias vão para o desemprego. “Mesmo que os credores acreditem em nós só conseguiremos manter três ou quatro funcionários, ou seja, metade dos que existem”, revela o administrador da insolvência.
Nos quatro pisos do edifício, que antes estavam lotados de actividades, agora funcionam apenas uma universidade sénior, danças e algumas aulas de ginástica. Tudo o resto está como o multibanco da secretaria: “Fora de serviço”.
Ainda no primeiro andar, ao lado do balcão de atendimento, o salão nobre e a sala amarela demonstram isso mesmo. O alto pé direito, os tectos trabalhados, muito trabalhados, e os candeeiros vistosos contrastam com as lâmpadas economizadoras de energia, com as profundas rachas nas paredes e remendos no chão de cortiça. Uma mistura mal conseguida de beleza com contenção de custos.
10:50, continuamos a subir as escadas. Com um pano numa mão e um dispensador de detergente na outra, um homem com mais de 50 anos limpa o corrimão: “Bom dia”, soltou. Ofereceu-se para nos guiar até ao último andar: “A tudo o resto está interdita a entrada, nem tão pouco temos as chaves, sabe como é isto da insolvência…”, continuou.
É outro dos 7 funcionários que existem no Ateneu e que não sabe o que lhe acontecerá daqui a uns dias. Quando chega ao quarto andar - a Torrinha - começa por mostrar onde estão os arquivos históricos. Nas antigas estantes vêem-se, desordenadas, as fichas de antigos sócios. Algumas até estão caídas...
Existem também várias caixas com letras chinesas que denunciam a passagem pelo edifício de uma universidade chinesa – não reconhecida pelo estado português. Hoje, também essa universidade já não está ali. “Até esses saíram daqui para umas instalações melhores”, continua o “guia”.
A humidade existente naquele piso é desvalorizada pelo funcionário: “Isto não são coisas importantes, o que realmente importa está lá em baixo na biblioteca. E mesmo o que está aqui está bem, porque felizmente não chove dentro do Ateneu...”
Não chove, mas entra água sempre que este homem se esquece de ir ao telhado desentupir os algerozes.
Cada recanto do edifício está ao abandono. Essa é também a percepção de Joaquim Pereira Faustino: “É por ter essa noção que todos os dias trabalho. Não quero que a associação morra.”
O administrador de insolvência tem como prioridade o bloqueio das entradas nas instalações. Hoje, nos terrenos anexos, onde se encontra a piscina, qualquer pessoa pode entrar e há até quem já lá tenha construído a sua habitação - ilegal.
Sem qualquer autorização, o i entrou na antiga piscina com bastante facilidade. A porta sempre aberta que existe na lateral do Coliseu de Lisboa dá acesso a um pátio por onde há pouco tempo entravam os atletas. Hoje o elevador panorâmico – que fica à direita – está em mau estado. Vêem--se máquinas de lavar roupa, tapetes enrolados, lixo, e uma porta improvisada que dá acesso à habitação ilegal construída ali nos últimos meses. “Essa situação é um caso de polícia”, frisou o administrador.
No fundo do pátio, estão abertas as portas que dão acesso aos antigos torniquetes por onde entravam os nadadores e ainda a que deita para o balcão da plateia. Onde outrora se viam os nadadores, vê-se um enorme tanque vazio de água – mas cheio de madeiras, cadeiras, bóias velhas e lixo. Uma espécie de estufa em tons de azul e amarelo, onde tão cedo não se sentirá o cheiro do cloro.
O funcionário Morais não tem dúvidas: o que ditou o fim da piscina foi a colocação da cobertura. “Quando era aberta tinha mais êxito, havia mais interesse das pessoas porque apanhavam sol”, explica.
Uma coisa é certa, com ou sem cobertura, os lisboetas não poderão ir nos próximos anos à piscina do Ateneu. “Ficará fechada independentemente do que acontecer à associação. A piscina é uma actividade que só traz prejuízo e não nos podemos dar a esse luxo mesmo que consigamos o acordo com os nossos credores”, remata Joaquim Pereira Faustino.

Nenhum comentário:

Postar um comentário