segunda-feira, 22 de outubro de 2012

As renováveis de Sócrates. Nem tudo o vento levou | iOnline

As renováveis de Sócrates. Nem tudo o vento levou | iOnline

Em Agosto de 2010 um longo artigo no “New York Times” elogiava a política do governo Sócrates de apoio às energias renováveis. Portugal era um exemplo a seguir, até para os Estados Unidos. A elevada percentagem de electricidade produzida a partir de fontes limpas, sobretudo a água e o vento, e a criação da primeira rede nacional de abastecimento de carros eléctricos a nível mundial, eram os pontos fortes da estratégia.
Hoje o tema está longe de reunir consenso. Lá fora, com a crise económica e financeira, as preocupações ambientais e a economia verde passaram para segundo plano do discurso político. A indústria quer preços de energia mais baixos. Cá dentro, uma opinião pública altamente sensível a sobrecustos, “rendas excessivas” na energia e um governo que quer demarcar-se da imagem de marca do antecessor, são outros obstáculos que surgiram no caminho verde das renováveis.
O presidente da Associação das Energias Renováveis (APREN), António Sá da Costa, reconhece que as energias renováveis foram uma bandeira do governo de Sócrates, “talvez a única marca que tenha ficado a nível mundial”.
Mas José Sócrates e Manuel Pinho, ministro da Economia, lembra Sá da Costa, “cavalgaram a onda” de um trabalho que deu os primeiros passos 15 anos antes, no final dos anos 80, curiosamente por iniciativa de um homem que hoje é visto como um dos grandes críticos aos excessos da energia verde em Portugal: o então ministro da Indústria, Mira Amaral, mas também dos secretários de Estado do Ambiente, Carlos Pimenta, e da Energia, Nuno Ribeiro da Silva.
Apoio de Sócrates teve um preço Agora o sector está a pagar o preço dessa associação, admite Sá da Costa. “Quis-se acabar com os símbolos dessa era”, sublinha, um dia depois de, na conferência anual da APRE que se realizou quinta- -feira passada em Viana do Castelo, o secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, ter deixado o recado.
“Em Portugal, como noutros países, avançou-se de forma muito voluntariosa nas energias renováveis. Tornar as renováveis num panfleto político só pode correr mal porque os governos mudam.” Ainda assim, sublinha que o que “foi feito deve ser preservado. Pode ser corrigido, mas não é para perder”.
Horas antes, na mesma conferência, o director-geral da Energia tinha revelado as novas linhas do Plano Nacional de Apoio às Renováveis (PNAER). Não sendo uma surpresa, a decisão de não atribuir licenças para mais potência, está longe de ser música para os ouvidos da plateia. O governo não quer mais capacidade, com direito a prémio pago nas tarifas eléctricas, mas o limite para 2020 é “um mínimo olímpico”, realça Pedro Cabral. O secretário de Estado, Artur Trindade, deixa a porta aberta a mais potência, desde que seja atribuída em regime de mercado.
Mas primeiro, responde o presidente da APREN, é preciso definir o que é mercado para todas as formas de produção de electricidade. A luta da troika contra as rendas excessivas do sector eléctrico teve o mérito de mostrar que os subsídios e prémios à produção não se limitam às renováveis, beneficiam todas as tecnologias, desde o carvão e gás natural, passando pelas grandes barragens e co-geração. Todas pesam na factura dos consumidores.
António Sá da Costa admite que é necessário abrandar o ritmo de crescimento das energias renováveis em Portugal. O défice tarifário ainda está a crescer – deverá atingir os 3800 mil milhões de euros em 2013 – o consumo está a cair e ainda está em marcha alguma capacidade atribuída no passado.
No entanto, as eléctricas recusam o cenário de paragem na atribuição de nova potência. A partir de 2018/20 inicia-se o ciclo de substituição e reconversão dos actuais equipamentos, garantindo nova procura. Mas, até lá, defendem os produtores, é preciso colocar no mercado potência não instalada, “para que a máquina não seja parada”, assinala João Manso Neto, presidente da EDP Renováveis.
E basta ir a Viana do Castelo para perceber que a máquina existe (ver texto da página ao lado). Mas o compromisso de criar um pólo industrial termina em 2017. Para a manter operacional era importante que fossem licenciados mais 1000 ou 1500 megawats, para além do que já foi autorizado. Se, por um lado, o pólo industrial de Viana tem como principal objectivo a exportação, seria importante, diz o director-geral da Enercon Portugal, manter 30% a 40% de encomendas no mercado nacional. Para que isso aconteça é necessário começar a trabalhar já em novos projectos.
Indecisão afasta investidores “O pior que se pode fazer a um grupo que quer investir é a indecisão”, diz o presidente da APREN, lembrando que a renegociação da remuneração aos parque eólicos, que permitiu uma poupança da ordem dos 150 milhões de euros, demorou mais de um ano. E já há sinais claros de impaciência ou desinteresse do lado dos investidores estrangeiros,
As eléctricas europeias GdF Suez e Enel terão colocado no mercado os parques eólicos que possuem em Portugal, segundo notícias da publicação especializada Platts. E o projecto piloto de energia das ondas em Peniche corre o risco de perder investidores na sequência das hesitações do governo em dar luz verde ao investimento de 10 milhões de euros na construção de um cabo de ligação à rede, que seria financiado pelas tarifas eléctricas.

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