sábado, 27 de outubro de 2012

Novos diplomatas vão estagiar em empresas - Dinheiro Vivo

Novos diplomatas vão estagiar em empresas - Dinheiro Vivo

Foram duas semanas a gerir silêncios. Primeiro, o Orçamento e a carga fiscal: Enorme para Gaspar, terrível para o CDS. Com o governo tremido, Portas esperou e só falou quando quis. Pelo meio tinha outro ponto na agenda: o vinho. Na terça, o ministro tinha uma boa notícia. O Brasil desistiu de um imposto que acabaria com 29 milhões em exportações portuguesas. Se avançasse com a reforma que discutiu nos últimos meses, cada litro de vinho importado pagaria 55% de imposto. Conscientes de que isso seria o fim das exportações portuguesas, Lisboa e Bruxelas tentaram travar o imposto e conseguiram. "Foi uma vitória diplomática", diz Portas. A taxa, mesmo alta, continua em 27%, o suficiente para o ministro respirar de alívio.Na quinta-feira, já depois do anúncio e da primeira conferência de imprensa sobre o Orçamento, era essa a vitória no convite do ministro dos Negócios Estrangeiros para uma conversa com o Dinheiro Vivo. Sobre vinho e diplomacia económica, sobre as prioridades do ministério. Quanto ao resto, "não quero agora estar a falar, vamos cingir-nos a estes temas". Sem política, sem Passos, sem partido. Portas em versão redux.
Vinho, imposto, Brasil
"Portugal correu dois riscos nesta negociação do vinho. O primeiro era a taxa alfandegária. O segundo era ser estabelecida uma quota que limitasse o crescimento das exportações". Felizmente, o consumidor brasileiro irritou-se. Nas redes sociais, nos jornais. Queriam vinho importado. E as 200 mil caixas de Periquita, o favorito.
"Houve uma reação saudavelmente negativa dos consumidores brasileiros", diz Portas. E Brasília recuou. Com argentinos e chilenos a ocuparem 60% do mercado, o governo vai apostar agora na produção interna, mantendo a liberdade nas importações. O mesmo para o azeite, que esteve em risco quando o Brasil contestou a certificação das marcas nacionais. "Representa um volume de exportações ainda maior do que o do vinho – 111 milhões/ano. Temos 56% do mercado no Brasil."
Portas é cauteloso com as exportações. Diz que é mais trabalho das empresas e que o Estado só deve sair da frente. "Os governos ou são amigos ou são burocráticos. Têm a obrigação de criar condições", não de atrapalhar. "Eu não reivindico para o poder político os 9% de crescimento das exportações num ano em que a economia contrai 3%."
A recessão. Tem sido o espinho de Portas na equação de Gaspar. Nas semanas críticas da coligação, já depois do "enorme" aumento fiscal anunciado pelo ministro das Finanças, várias vozes no CDS protestaram contra a falta de espaço para adaptar este Orçamento na especialidade. João Almeida, Adolfo Mesquita Nunes, o PP revirou-se em críticas contra um Orçamento que desdizia a carta de Portas aos militantes em julho: "O nível de impostos já atingiu o seu limite."
Nem a ideia de IRC a 10% para as empresas entre três e cinco milhões de euros – divulgada por Álvaro Santos Pereira esta semana – merece grande comentário. "Face à situação de assistência financeira em que Portugal se encontra, tudo o que se possa fazer para promover a competitividade da nossa economia no plano fiscal é bem-vindo." Há restrições à política fiscal enquanto a troika cá estiver, continua Portas, mas é pelo MNE e pela Economia que passam os descontos fiscais a empresas que queiram investir em Portugal. "Tudo o que se puder fazer para promover investimento, faremos."
E a troika é sensível a isso? Dá espaço de manobra, pergunto. Portas evita, responde com números. "Há duas coisas que estão a acontecer em Portugal. Hoje, as exportações já representam 37% do PIB. Há anos dizia-se que levaríamos muitos anos a chegar aos 40% do PIB."
"Por outro lado, a dependência das empresas portuguesas face ao mercado europeu caiu dez pontos. As empresas percebem um princípio básico: só se pode vender para mercados onde há dinheiro para comprar o que queremos vender."
No próximo ano, o MNE já tem mais alvos: Japão (duas vezes) e Coreia do Sul são as missões empresariais na agenda para 2013, mas os mercados estão identificados. África. América Latina. Ásia. Golfo e Magrebe. "O crescimento das exportações aí só tem uma palavra: espetacular", diz.
Mas desde que o aumento da taxa social única foi chumbado, uma versão mais curta, com descontos para as empresas exportadoras, chegou a ser sugerida pelos patrões. Era a contrapartida da CIP para pagar um aumento de 30% nos impostos sobre o tabaco. No Orçamento, os patrões tiveram o tabaco, mas nunca chegaram a ver a TSU. Não seria um empurrão necessário, pergunto, não há margem para entrar no Orçamento? Portas, que esteve contra o aumento inicial da TSU, percebe o risco. "Vamos cingir-nos aos outros temas, está bem?"
O primeiro semestre de 2013 será perigoso para Portugal. O novo Orçamento da União Europeia será mais curto e para mais países. Pior: a nova reforma da Política Agrícola Comum (PAC) pode nivelar as ajudas aos agricultores e acabar com as culturas mais subsidiadas – como o tomate. Para um país sob um resgate financeiro e com novos concorrentes no mercado, qualquer corte traz riscos.
"Há menos recursos e mais países. Portugal tem objetivos: estar especialmente atento à política de coesão e à PAC. Somos menos bem tratados do que outros países europeus. O quadro é muito restritivo. Vamos ver se o acordo é conseguido." O novo quadro comunitário de apoio também atravessa o resgate a Portugal. Até meados de 2014, pelo menos, o país continua sob assistência e a receber envelopes financeiros da troika. Debilidades de que o país não precisa quando negoceia? "A circunstância de termos um resgate não é única na Europa. E uma visão solidária da UE deve perceber que estas perspetivas europeias são importantes para ultrapassarmos a situação de estagnação", responde Portas.
Os novos diplomatas
A guerra entre a diplomacia clássica – política, negocial – e as missões comercias (AICEP) é antiga. Nos últimos anos as instalações passaram a ser as mesmas, mas as missões ainda não estão 100% integradas. "Eu não desprezo, nem nunca desprezarei, a diplomacia política, mas dou especial ênfase à diplomacia económica. Os movimentos diplomáticos tornaram a representação externa portuguesa mais jovem, a idade média dos diplomatas portugueses em posto e missão baixou."
Em 2013 há novo concurso para diplomatas. Com uma novidade – terão todos de estagiar em empresas. Será um requisito para quem passar no concurso. "Para os empresários perceberem a mundividência dos diplomatas e para os diplomatas terem uma linguagem comercial", diz Portas. Nos últimos meses, 30 embaixadores foram deslocados. "Vamos chegar ao fim do ano com 75% da rede diplomática, comercial e turística integrada do ponto de vista da localização. Mesmo assim, uma fusão da AICEP no Ministério dos Negócios Estrangeiros não está no horizonte. "Um diplomata não substitui um comercial, assim como um comercial não substitui um delegado de turismo. Têm é de ter estratégias articuladas."
O ministro é cuidadoso com as suas competências. Quando lhe pergunto se faria sentido reforçar o MNE com competências na economia externa, cita a hierarquia. Passos. A economia, diz, é uma competência delegada do primeiro-ministro. "Tenho a obrigação de me articular com os meus colegas. É isso que eu faço todos os dias. Este modelo tem de ser testado e melhorado onde haja falhas, mas objetivamente está esclarecida a autoridade nessa área.
Insisto: não sente necessidade de ter mais mão nessa área? Na economia [um ministério que esteve para ir para o CDS]? "Não, não sinto essa necessidade. Sinto necessidade de ser eficiente. A minha obsessão é conseguir resultados. Já tenho responsabilidades que cheguem."

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