quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Gaspar à vontade. Três recados para os críticos e uma admissão fulcral | iOnline

Gaspar à vontade. Três recados para os críticos e uma admissão fulcral | iOnline

O ministro das Finanças foi ontem ao parlamento para o que se adivinhava ser uma sessão de cozedura a lume intenso. Vítor Gaspar não esteve, contudo, na defensiva. O ministro enviou vários recados afiados – para os partidos da coligação, para Belém, para o Tribunal Constitucional e para a generalidade dos portugueses. De caminho foi admitido que operações de dívida usadas por Gaspar como prova de sucesso da recuperação da credibilidade portuguesa foram afinal dominadas pelos investidores nacionais. Breve retrato de uma reunião parlamentar de mais de quatro horas.

Constitucional. Novos escalões de IRS são progressivos
lll Desta vez, Vítor Gaspar não tem dúvidas: o Orçamento do Estado (OE) para 2013 não é inconstitucional. E o recado do ministro foi enviado direitinho para o PS – que quer que o Presidente da República peça a fiscalização preventiva e ameaça com uma fiscalização sucessiva –, para o próprio Presidente – Gaspar deu-lhe os argumentos do governo para que Cavaco não caia na tentação de enviar o OE para o Tribunal Constitucional (TC) –e para o TC, que considerou que os cortes nos subsídios a funcionários públicos e pensionistas violavam a Constituição.
Tudo somado, Gaspar diz que agora o aumento do IRS resolve dois problemas de uma vez só: a equidade entre público e privado e a equidade entre esforço do capital e esforço do trabalho. A “equidade na austeridade foi o princípio fundador” que orientou o documento, garantiu ontem na audição sobre o OE na Comissão de Orçamento e Finanças. Isto porque a taxa de IRS depois do aumento desenhado para 2013 (sobretaxa de 4% e redução dos escalões de IRS de oito para cinco) “é mais progressiva”. “A taxa média efectiva aumenta mais para os rendimentos mais elevados”, explicou ancorando-se num gráfico. No Orçamento para este ano, deputados do PS e BE pediram a fiscalização sucessiva ao TC, mas nessa altura o governo não enviou para o tribunal qualquer argumento adicional. Desta vez, Gaspar e os partidos da maioria não só preparam a defesa por antecipação como se escudam na decisão do tribunal para o “enorme aumento de impostos”. “A leitura do governo é a de que é requerida um maior equilíbrio entre o esforço pedido a pensionistas e a funcionários públicos e a generalidade do sector privado. Por outro lado é pedido também um maior equilíbrio entre o factor trabalho e o factor capital”, disse. E se o TC não tivesse boicotado o corte nos subsídios, a consolidação orçamental seria feita 41% do lado da despesa e 59% do lado da receita, disse.
Mudança nos planos que levaram o ministro a rever também as previsões macroeconómicas para acomodar uma redução da procura interna resultante  do aumento de impostos. Aumento que pode não ficar só para 2013. O ministro não esclareceu se a sobretaxa extraordinária de 4% vai ser ou não extraordinária por mais anos.
Maioria “violenta-se” ao votar a favor do OE sem mais tolerância da troika
lll Há margem para alterar o Orçamento do Estado (OE)? É muita? Pouca? Nada? Se o discurso para as bancadas da maioria PSD/CDS é de que estas podem apresentar propostas (pouca margem), na prática, o ministro das Finanças retirou-lhes ontem a esperança numa mudança em algum ponto essencial do documento (quase nada). “É enganador tentar dizer aos portugueses que existe uma margem de manobra negocial que não existe”, explicou no parlamento. Isto porque a última avaliação ficou “no limite da tolerância da troika”.
O aviso foi dado aos deputados do PSD, do CDS e oposição, mas também para dentro do governo, depois de tanto os ministros do CDS como Paulo Macedo terem liderado iniciativas de alteração. Para Vítor Gaspar o caminho é este e não outro e por isso usou a troika como escudo aos pedidos de flexibilização assentes nas palavras da directora-geral do FMI Christine Lagarde: “O limite do défice e da dívida em 2012 e 2013 encostaram ao limite de tolerância das organizações internacionais responsáveis pelo acompanhamento do nosso programa”, disse depois de explicar que a “flexibilidade” de que falou o FMI foi o que Portugal conseguiu ao ter mais um ano para o ajustamento, pedido pelo governo.
Mas o envio de recados fez-se também em sentido contrário. Numa intervenção dúbia, o vice-presidente da bancada do PSD Miguel Frasquilho defendeu a inevitabilidade do OE, mas ao mesmo tempo mostrou o desagrado pela demora de cortes na despesa: “Temos pena que não tenha sido apresentada mais cedo esta redução da despesa estrutural.” Do lado do CDS a estratégia foi a de desaparecer do mapa da discussão para amenizar a relação com o ministro. Os centristas mais críticos não estiveram na audição, João Almeida, ausente no Canadá, e Adolfo Mesquita Nunes, presente numa reunião da Comissão de Ética onde é efectivo. Por isso mesmo a “tranquilidade” dos deputados da maioria acabaria por ser homenageada pelo ministro das Finanças. Mas o tom de voz de Gaspar não passou despercebido ao deputado do PCP, Honório Novo: “Não há margem de manobra do OE. Isso é que é uma provocação senhor ministro. Um provocação às bancadas da maioria.” Por isso, o deputado virou-se para o PSD e CDS e pediu: “Não votem a contragosto. Não se violentem.”
Opinião pública. Todos querem Estado Social mas poucos gostam de pagá-lo
lll Mais impostos ou menos despesa pública? O ministro das Finanças enviou um recado inédito ontem ao país sobre a atitude perante esta escolha, criticando o que entende ser um “enorme desvio” na percepção colectiva das finanças públicas.
“Existe aparentemente um enorme desvio entre aquilo que os portugueses acham que devem ter de funções sociais do Estado e os impostos que devem pagar”, afirmou Vítor Gaspar na audição parlamentar. Para o ministro este é um “problema fundamental” e “difícil quer do ponto de vista social, quer político”.
Os resultados da sondagem publicada esta semana pelo i (barómetro i/Pitagórica) parecem confirmar que mais do que um “enorme desvio”, existe um grande desconhecimento sobre a despesa pública. Mais de 82% dos inquiridos indicaram a preferência por cortes de despesa em vez da subida de impostos como instrumento para cumprir as metas do défice. Contudo, quando perguntados sobre onde cortar, menos de 1% indicaram áreas sociais como a saúde e a educação – a esfera social representa 62% da despesa efectiva do subsector Estado em 2012, segundo as Finanças.
A maior parte dos inquiridos (61%) aponta as empresas públicas – já alvo de uma forte dieta – e as autarquias (que têm despesa social relevante) como alvos para corte. (Um alvo ausente do próprio inquérito, fora da área social, são os juros da dívida, que em 2013 valerão quase tanto como o orçamento da Saúde).
A observação de Gaspar surgiu em resposta a uma farpa do deputado Miguel Frasquilho em nome do PSD, sobre um atraso nos cortes estruturais de despesa (ver texto à esquerda). Vítor Gaspar respondeu com o balanço esperado para a correcção orçamental em todo o programa da troika (61% de corte de despesa e 39% de aumento de receita), salientando que mesmo com os cortes planeados de 4 mil milhões de euros na despesa não será possível cumprir a meta inicial de consolidar em 66% pelo lado dos gastos – isto porque é social e politicamente “difícil” cortar. O CDS e sobretudo o PSD fizeram campanha eleitoral em 2011 contra as gorduras do Estado – Gaspar enterrou ontem de vez esse discurso.
Credibilidade? Sucessos no mercado de dívida devem-se à banca nacional
lll As operações de emissão e troca de dívida pública – enaltecidas pelo ministro das Finanças como uma prova do início antecipado do regresso aos mercados – contaram principalmente com investidores nacionais, admitiu ontem a secretária de Estado do Tesouro, Maria Luís Albuquerque. Com a banca europeia ainda a bater em retirada dos países periféricos do euro, segundo dados publicados esta semana pelo Banco Internacional de Pagamentos (BIS), tem sido a banca portuguesa a assegurar boa parte do sucesso das operações de dívida. Na operação de troca de títulos de dívida que venciam em Setembro de 2013 – por uma emissão com maturidade mais longa, em Outubro de 2015 – houve “predominância” de investidores portugueses, afirmou a governante na audição parlamentar à equipa das Finanças. Sem quantificar, Maria Luís Albuquerque explicou que tal preponderância é normal uma vez que a obrigação estava muito concentrada em investidores domésticos (incluindo o fundo de estabilização da Segurança Social).
Numa intervenção a 3 de Outubro, o ministro Vítor Gaspar utilizou a operação de refinancimento a três anos como prova do sucesso na recuperação da credibilidade do país enquanto devedor. “Portugal voltou aos mercados hoje”, foi a frase de Gaspar, em epígrafe no portal do ministério das Finanças. Na altura, questionado sobre o peso dos investidores nacionais, Gaspar não quantificou.
A queda da taxa de juro implícita dos títulos de dívida portuguesa tem reflectido mudanças na resposta europeia à crise (como o programa de compras do Banco Central Europeu) e também a saída de Portugal do radar das notícias de incumprimento (devido à atitude do governo e à campanha constante de relações públicas da Comissão Europeia).Contudo, a melhoria real do sentimento dos investidores estrangeiros sobre um país cujo rácio de dívida pública continua a bater todas as previsões da troika permanece distante. O BIS continua a dar conta da fuga da banca europeia de países periféricos e dados do Banco de Portugal mostram um aumento de 32% nos primeiros dois terços do ano da exposição da banca nacional à dívida portuguesa (que usa os títulos como colateral para obter dinheiro barato no BCE). 

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