domingo, 21 de outubro de 2012

Dirigentes da saúde absolvidos - Sociedade - Sol

Dirigentes da saúde absolvidos - Sociedade - Sol

O Tribunal de Contas (TC) acaba de absolver os réus de um dos mais importantes processos de responsabilidade financeira ali apreciados e que dura há dez anos.
Trata-se de 22 antigos membros da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo, cuja condenação foi pedida pelo Ministério Público (MP) por terem autorizado «despesas e pagamentos ilícitos e danosos», no âmbito do contrato celebrado com o Grupo Mello de concessão da gestão do Hospital Amadora-Sintra, que resultaram em encargos adicionais para o Estado de mais de 40 milhões de euros.
Entre esses antigos dirigentes, agora absolvidos, estão Constantino Sakllarides, Ana Jorge, Maria João Amaral, Vítor Ramos, Pedro Pereira de Almeida e José António Mota.
A sentença do TC, elaborada pelo juiz-conselheiro Morais Antunes, fundamenta a absolvição na sentença de um Tribunal Arbitral criado em 2003 pela ARS e pelo Grupo Mello. Esse Tribunal concluiu que o contrato foi sendo interpretado pelas partes, «à medida das circunstâncias» que surgiam, não tendo havido qualquer dano para o Estado. E, para o TC, esta decisão assume «autoridade de caso julgado».
Primeira gestão privadaRecorde-se que o contrato de gestão do Hospital Amadora-Sintra foi assinado entre a ARS (representando o Estado) e o Grupo Mello em 10 de Outubro de 1995, na fase final do último Governo de Cavaco Silva. Foi a primeira experiência de gestão privada de um hospital público no país: o Estado construíra o hospital e contratava com o privado a respectiva gestão.
Em 2003, a ARS e a gestora do hospital decidiram criar um Tribunal Arbitral (composto por representantes de cada um e presidido por um juiz-árbitro, tal como estava previsto no contrato) para dirimir os diferentes entendimentos sobre os valores a pagar pelo Estado. A ARS dera o pontapé de saída, reclamando que, até Dezembro de 2001, pagara mais 15 milhões de contos do que o devido. Em resposta, o Grupo Mello invocava que a ARS lhe devia 6,7 milhões de contos desse período. No final, o Tribunal Arbitral reconheceu uma dívida da ARS ao grupo Mello de 43 milhões de euros (8,6 milhões de contos).
Para o TC, o acórdão do Tribunal Arbitral fixou desde então «a interpretação e a execução das cláusulas contratuais» entre a ARS e o Amadora-Sintra.
Ora, essa interpretação foi muito diferente da que tinha sido feita pela Inspecção-Geral de Finanças (IGF)_e que motivou a petição inicial do MP. Segundo a IGF, os dirigentes da ARS não tinham acautelado devidamente os interesses do Estado, pois foram validando determinados actos e despesas do Hospital, contrários ao que estava previsto no contrato e que resultaram «em pagamentos indevidos».
Para o TC, a sentença do Tribunal Arbitral – posterior ao inquérito da IGF e que transitou em julgado, tendo a mesma validade das decisões dos tribunais judiciais – é «clara e inequívoca» ao concluir que não houve qualquer incumprimento do contrato por parte do Grupo Mello, nem prejuízo para o Estado. «A interpretação [do MP], a ser acolhida, colocaria em crise a segurança e a certeza jurídicas: de um lado o Estado a pagar o decidido, do outro o Estado a interpelar e a exigir reposições» [aos dirigentes da ARS] – afirma-se.
Por isso, o TC decidiu absolver os ex-dirigentes do Ministério da Saúde e «julgar improcedente» o pedido do MP para que estes fossem condenados por responsabilidade financeira.
MP pede revogação da sentençaO MP já recorreu, entretanto, desta absolvição. O procurador-geral adjunto António Cluny requereu a revogação da sentença e suscitou a inconstitucionalidade da argumentação do TC.
No recurso, lembra, em primeiro lugar, lembra que a sua acusação contra os antigos dirigentes da ARS baseia-se numa auditoria feita e aprovada pelo próprio TC, em 2005, e não no relatório da IGF. E que essa auditoria concluiu que a ARS obrigou o Estado a fazer pagamentos e a assumir responsabilidades financeiras que não tinha que assumir – ou seja, os então dirigentes da ARS consentiram em certas interpretações do contrato que aumentaram a despesa do Estado, contra todas as normas e princípios da gestão pública.
O MP salienta, neste ponto, que não está em causa que os vogais da ARS assumiram determinados compromissos com o Grupo Mello e que o Estado teve de os cumprir, mas sim se o fizeram ilegalmente – cabendo a apreciação desta matéria ao TC. «A causa desta acção reside na imputação (aos dirigentes da ARS) de actos de gestão que, por ilegais do ponto de vista das Finanças Públicas, constituem infracção financeira e determinaram a obrigação para a ARS de fazer pagamentos e despesas (lesivos para si própria) perante terceiros (o hospital)», salienta-se.
O Tribunal Arbitral, acrescenta o MP, «não cuidou de saber da legalidade financeira do comportamento dos responsáveis da ARS» – que é competência exclusiva do TC. Um entendimento contrário, avisa-se, «é inconstitucional».
Interpretação abre portas a ‘conluio’No recurso que apresentou da sentença que absolveu os antigos vogais da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, o Ministério Público alega que o entendimento do Tribunal de Contas abriria as portas, em última análise, ao «conluio processual».
Ou seja, no âmbito de um contrato, os gestores públicos vão fazendo interpretações do mesmo, que aumentam os pagamentos ao privado. Depois, accionam a constituição de um Tribunal Arbitral, que valida esses pagamentos e cuja decisão passa a ter autoridade de caso julgado – não podendo o TC avaliar os actos dos gestores públicos.
«Admitir a ‘autoridade de caso julgado’ do acórdão do Tribunal Arbitral para limitar a decisão do TC em sede de responsabilidade financeira, podia abrir as portas à ideia de que a acção intentada pela ARS no Tribunal Arbitral só teria avançado, como avançou, precisamente para obstar ou condicionar a apreciação da conduta financeiramente (ilegal)» dos vogais da ARS – salienta o MP.

Nenhum comentário:

Postar um comentário