sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Obras no Martim Moniz. EPUL gastou 10 milhões a mais com a Bragaparques | iOnline

Obras no Martim Moniz. EPUL gastou 10 milhões a mais com a Bragaparques | iOnline

Apresentou esta semana a biografia de Domingos Névoa mas o seu nome não está afastado dos polémicos negócios da empresa do Norte

"Um homem de trabalho", um "homem honrado", vítima de "um labéu injusto". Os elogios repetidos por João Soares, ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, na apresentação esta semana da biografia de Domingos Névoa (proprietário da empresa Bragaparques) ficaram colados à contra-capa do livro lançado pela editora de Zita Seabra (a Alêtheia). Mas se "BragaParques: A Hora da Verdade" faz a defesa do empresário e denuncia alegados "jogos de interesses opacos protagonizados por Pedro Santana Lopes, o grupo Amorim e os irmãos Sá Fernandes" naquele que viria a dar origem ao "Caso BragaParques", a verdade é que o ex-autarca escolhido para apresentar a obra que retrata a vida de Domingos Névoa também não escapa no retrato dos polémicos negócios da empresa do norte que chegou a Lisboa em 1996 por via de concursos para a construção de parques de estacionamento.
Documentos que estão na posse do provam que a empresa municipal EPUL pagou à BragaParques - Estacionamentos de Braga mais de 2 milhões de contos (10,1 milhões de euros) por obras no exterior da Praça do Martim Moniz. Acontece que o concurso público lançado em 1996, e que a BragaParques venceu, determinava que aqueles arranjos deveriam ser suportados pela empresa de Domingos Névoa como contrapartida pela exploração do parque de estacionamento subterrâneo naquela praça.
A 19 de Julho de 1996, o relatório da comissão de apreciação de propostas conclui que entre as propostas da BragaParques, da Emparque e da Spel, "a mais vantajosa" era a da empresa de Braga, que oferecia 676 lugares de estacionamento, um prazo de construção de 8 meses e meio, contrapartidas até ao limite de 225 mil contos (1,125 milhões de euros) pelos arranjos da praça e ainda uma "valorização" do custo do desvio das infraestruturas da Carris de 25 mil contos (125 mil euros). Em troca, a Bragaparques ficaria com as receitas de exploração do parque de estacionamento durante 75 anos.
Na inauguração do parque, o então presidente da autarquia, João Soares - que chegou a confessar ter pedido informações sobre a BragaParques em Almada e em Braga depois de a empresa ter apresentado as melhores propostas no concurso da EPUL - orgulhou-se de a obra ter tido "custo zero" para a autarquia. No entanto, na sede da EPUL constava um documento com facturação da BragaParques respeitante à "execução das obras de renovação exterior da Praça do Martim Moniz". Ao todo, são dez facturas numeradas que mostram que a empresa camarária terá pago 10,1 milhões de euros, com IVA incluído, entre Outubro de 1997 e Julho de 2001, ao grupo de Domingos Névoa.
No meio de todo este processo surge o nome de João Soares que, a 2 de Outubro de 1996, assinou um despacho a pedir que fosse dada "total prioridade" ao processo "referente ao projecto de arquitectura do parque de estacionamento" pela necessidade de "iniciar, quanto antes, as obras de reabilitação do Martim Moniz". A 23 de Maio de 1997, o presidente da autarquia voltava a intervir, aprovando a operação de loteamento urbano da praça, e lembrando que do alvará de licença deveria constar uma recomendação do IPPAR. Contactado pelo i, João Soares recusou-se a prestar esclarecimentos.
Domingos Névoa, proprietário da BragaParques, confirmou ao i que a empresa recebeu dinheiro da EPUL "pelas obras feitas à superfície" porque a contrapartida oferecida pela Bragaparques durante o concurso "não cobria" todas as obras que foram necessárias, entre carris, rotundas e fontes. "Só as fontes devem ter custado dois a três milhões. Não é uma fonte, são cinco", defende Névoa.
Miguel Portas foi o primeiro a levantar suspeitas sobre o negócio, chegando a apontar que as obras na praça do Martim Moniz não teriam custado mais do que "600 a 700 mil contos".
PRAÇA DA FIGUEIRA O envolvimento de João Soares nos negócios da BragaParques não termina aqui. O então presidente da câmara viria a ter um papel activo no desenvolvimento do parque de estacionamento da Praça da Figueira, ao lado da do Martim Moniz. O semanário "Sol", após consulta de todos os processos camarários e judiciais relativos ao caso, denunciou em Outubro de 2007 que tinha sido Santana Lopes a autorizar o pagamento indevido de 3,5 milhões de euros ao grupo Bragaparques, pelo arranjo da superfície da Praça da Figueira. Mas que as irregularidades do projecto tinham começado muito antes e pelas mãos de outros autarcas.
O problema começou logo na exploração do parque: não houve qualquer concurso público, ou seja, a autarquia limitou-se a aceitar uma proposta da Batelis, empresa-mãe da Comporest, a troco de uma renda mensal de 2750 euros. A Comporest viria a ser comprada pela BragaParques em Julho de 1998 por 823 mil euros. A obra começou em Agosto de 1999 e a falta de licença de utilização não impediu que o parque de estacionamento fosse inaugurado, a 25 de Setembro de 2001, três meses antes das autárquicas.
Por várias vezes, escrevia o "Sol", João Soares comandou o processo, pedindo aos serviços "celeridade na apreciação" do mesmo. Foi até o socialista quem autorizou, a 31 de Maio de 2000, a contratação de mais 130 pessoas para os trabalhos arqueológicos no local, impostos pelo IPPAR. Trabalhos esses que foram pagos pela autarquia, apesar de tal competir à BragaParques, segundo a Lei do Património.
Também neste caso, o contrato para exploração do parque deixava claro que o arranjo à superfície seria um "encargo da superficiária". Não foi. Pelo menos na totalidade. Doze dias depois de João Soares perder as eleições, segundo o "Sol", o director-municipal de Infra-Estruturas e Saneamento da Câmara de Lisboa, Ferreira de Almeida, enviou à BragaParques uma carta de confissão de dívida em que admitia que a autarquia devia à empresa de Névoa cerca de 2,8 milhões de euros. A primeira factura da empresa a reclamar um pagamento só foi emitida três dias depois da confissão de dívida assinada por Ferreira de Almeida.
Apesar de a obra ter sido orçamentada pela autarquia em apenas 689 mil euros, Névoa diz ao i que o valor que a autarquia foi obrigada a pagar se deveu a "renovações da praça que não estavam contempladas", devido a um novo projecto do arquitecto Daciano Costa. "Houve trabalhos a mais. Foi alterada toda a praça e todo o projecto rodoviário. O arquitecto queria até revestir as fachadas dos edifícios com azulejos que a câmara chegou a comprar mas nunca chegámos a fazer a obra."
O Ministério Público (MP) chegou a investigar o caso, que acabou arquivado. O MP concluiu que o pagamento autorizado por Santana Lopes era válido porque tinha sido a autarquia a alterar o contrato de concessão. E apesar dos investigadores terem concluído que tinha sido cometido um crime de violação das normas orçamentais, no ano 2000, por parte de Machado Rodrigues, ex-vereador do trânsito de João Soares, não chegou a haver acusação porque o crime tinha prescrito em 2005.

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