Um em cada cem trabalhadores tem o ordenado penhorado para pagar dívidas em atraso. Esta é a solução mais rápida para as empresas recuperarem os créditos mal parados.
Cerca de um em cem trabalhadores tem uma penhora sobre o seu salário devido a dívidas em atraso. Os números são claros, mas nem sempre existe clareza e equidade na aplicação da lei, o que torna o dia--a-dia de alguns devedores bastante mais complicado. Apesar de legalmente o tribunal só poder ordenar a retenção de um terço do vencimento, há casos em que as penhoras ameaçam a subsistência das famílias, alerta a Associação de Defesa do Consumidor (Deco).
A verdade é que a penhora do vencimento assumiu-se, no último ano, como a forma mais rápida e eficaz de as empresas recuperarem créditos mal parados. Segundo as contas da Deco, esta é a principal causa de sobreendividamento e já pesa 4% nos processos que deram entrada na associação. “Mas a realidade pode estar a mudar. Com a degradação das famílias, torna-se cada vez mais difícil encontrar quem tenha rendimentos ou outros bens penhoráveis”, acrescenta a Deco. Exemplo disso é a Lista Pública das Execuções Frustradas, onde vão parar os nomes de todos os “incobráveis”. Criada em 2009, a lista reúne actualmente cerca de 35 mil nomes.
Mas se não existem dúvidas em relação aos valores a reter pela entidade patronal, – pode ser penhorado até 1/3 do salário, e por salário entende-se toda a remuneração mensal, incluindo subsídios de refeição, de transporte e outros –, o texto da lei não esclarece qual a base da incidência da penhora: se é sobre o vencimento bruto ou se é sobre o líquido (onde já foram deduzidos os descontos obrigatórios para o IRS e para a Segurança Social). “Há decisões judiciais nos dois sentidos, mas entendemos que deve ser considerado o líquido”, refere o presidente do Colégio dos Agentes de Execução, Carlos Matos.
Há casos em que a penhora pode incidir sobre uma maior fatia do vencimento. Por exemplo, quando a remuneração do devedor superar os 2182,50 euros, pode reter-se mais de 1/3 do ordenado até a parte não penhorada atingir três ordenados mínimos (1455 euros). Existe também um valor mínimo que o trabalhador deve receber depois de aplicada a retenção. “A menos que tenha outros rendimentos ou a dívida esteja relacionada com pensões de alimentos, deve ser-lhe assegurado o equivalente ao salário mínimo nacional”.
Mas há situações em que o ordenado depois da penhora não chega para pagar as despesas fixas, alerta a Deco. Carlos Matos reconhece estes problemas e admite que “existem algumas situações menos correctas”, acrescentando, no entanto, que “a entidade patronal tem obrigação de conhecer a lei e de a aplicar correctamente, até porque só ela tem acesso aos rendimentos do trabalhador”, acrescenta.
Independentes Estes problemas são, no entanto, mais difíceis de resolver no caso de trabalhadores independentes em que, no entender da associação, “a falta de clareza da lei apresenta-se, uma vez mais, como a causa de algumas injustiças”. De acordo com a mesma fonte, existem casos, em que os trabalhadores independentes vêem o seu ordenado ser penhorado na totalidade “por os agentes de execução entenderem que não têm a mesma natureza que os vencimentos dos trabalhadores por conta de outrem”.
Uma preocupação partilhada por Carlos Matos, mas que explica esta acção: como os independentes prestam serviço a várias entidades, é preciso pedir a cada entidade que penhore 1/3 do que lhes pagam. “O problema é quando estes valores não atingem o salário mínimo. Mesmo que o trabalhador receba 485 euros por mês de 10 entidades, dá ao todo 4859 euros ao fim do mês, logo não pode haver penhora”.
Reduzir valor da penhora A verdade é que se entender que a penhora é desajustada e fica sem meios para manter um nível de subsistência não deve deixar passar os prazos legais para contestar a decisão junto do agente de execução ou tribunal (ver esquema ao lado).
Segundo a Deco, há casos em que é possível reduzir o valor para metade, ou mesmo ficar isento. Por exemplo, os rendimentos com função relevante para efeitos de protecção jurídica igual ou inferior a 341,42 euros, ou seja, três quartos do indexante dos apoios sociais (IAS) podem ficar isentos por seis meses. Este valor relevante tem em conta tudo o que o devedor recebe em dinheiro, bem como o valor de alguns bens – imóveis, terrenos, automóveis, contas bancárias – e a dimensão do agregado familiar.
Já quem tiver um rendimento superior a 3/4 do IAS, mas inferior a duas vezes e meia (1048,05 euros) pode pedir a redução do valor penhorado para metade por seis meses. Também é possível ajustar a penhora se os rendimentos e os encargos do agregado o justificarem, desde que o pedido esteja fundamentado e documentado. Desta forma consegue obter um novo plano de pagamento, de forma faseada, com mensalidades mais baixas e prazos mais alargados.
Assumir dívidas Há situações em que, mesmo que não tenha sido directamente responsável pela dívida, poderá ser obrigado a pagá-la. É o caso de algumas dívidas dos cônjuges ou ex-cônjuges, contraídas quando eram casados, ou de empréstimos do qual foi fiador. “Durante muitos anos, as pessoas tinham a convicção de que ser fiador era apenas fazer uma assinatura. Ninguém estava consciente das obrigações que estava a assumir”, alerta a entidade, acrescentando ainda que, “normalmente as empresas exigem que os fiadores renunciem ao benefício da execução prévia. Desta forma, autorizam os credores a pedir a penhora dos seus bens, antes mesmo de tentarem os dos devedores”, conclui.
Fisco e Segurança Social também podem ordenar penhora
A par dos tribunais, também o fisco e a Segurança Social podem ordenar a penhora do salário por dívidas fiscais – falta de pagamento do Imposto Único de Circulação (IUC), por exemplo. Estas entidades, ao desencadearem o processo de execução dão conhecimento do mesmo ao devedor.
Nessa altura, este pode opor-se, liquidar a dívida, pedir o pagamento em prestações ou optar pela chamada dação em pagamento (ou seja, a entrega de um bem para saldar a dívida existente).
No entanto, se o problema não for resolvido, o fisco avança para a penhora de bens, nomeadamente, o salário. Os limites são semelhantes às penhoras judiciais de forma a garantir que o devedor mantenha os rendimentos mínimos de subsistência. Caso surjam abusos, o devedor poderá reclamar junto da autoridade tributária e, se for necessário, pode recorrer à via judicial.
O contribuinte pode dirigir uma reclamação ao fisco, se entender que algo não está bem. Se o devedor não concordar com o valor da dívida, se estiverem a cobrar- -lhe mais do que o limite permitido por lei ou se o valor cobrado já foi pago, tem 30 dias a contar da citação para se opor à execução. Caso a reclamação ou a oposição não sejam atendidas, o devedor poderá reclamar junto dos tribunais, impugnando o procedimento do fisco. Nesta situação deverá recorrer a um advogado, mas se não tiver recursos financeiros pode pedir apoio judiciário à Segurança Social.
PRAZOS
Depois de ter o salário penhorado precisa de respeitar os prazos legais para contestar ou pedir redução
1 - Acção executiva
Tribunal Quando o credor tem em sua posse um título executivo, ou seja, um documento que comprove a existência de dívidas, pode avançar com uma acção executiva no tribunal, pedindo a penhora de bens do devedor.
O título executivo pode ser uma sentença, um documento autenticado pelo advogado ou notário, ou até mesmo um contrato.
2 - Citação do consumidor
Penhora O devedor é informado de que vai proceder-se à penhora dos seus bens. Geralmente começa-se por contas bancárias e salários. Só depois é que se avança para bens móveis (por exemplo, carros, mobiliário, etc.) ou imóveis. No entanto, se o tribunal entender que a citação reduz as garantias do credor (perigo de fuga ou subtracção de dinheiro, por exemplo), pode não avisar o devedor da penhora.
3 - Contestação/pedido de redução
Timings Depois de citado, o devedor tem 20 dias para se opor à execução. Se esta prosseguir e forem designados bens para penhora tem outros dez dias para se opor.
Caso só tenha conhecimento da penhora na data em que o salário é retido pela entidade patronal, tem 20 dias para se opor ou para pedir a redução ou isenção. Se a penhora não for legítima, oponha-se no prazo de 10 a 20 dias.
Cerca de um em cem trabalhadores tem uma penhora sobre o seu salário devido a dívidas em atraso. Os números são claros, mas nem sempre existe clareza e equidade na aplicação da lei, o que torna o dia--a-dia de alguns devedores bastante mais complicado. Apesar de legalmente o tribunal só poder ordenar a retenção de um terço do vencimento, há casos em que as penhoras ameaçam a subsistência das famílias, alerta a Associação de Defesa do Consumidor (Deco).
A verdade é que a penhora do vencimento assumiu-se, no último ano, como a forma mais rápida e eficaz de as empresas recuperarem créditos mal parados. Segundo as contas da Deco, esta é a principal causa de sobreendividamento e já pesa 4% nos processos que deram entrada na associação. “Mas a realidade pode estar a mudar. Com a degradação das famílias, torna-se cada vez mais difícil encontrar quem tenha rendimentos ou outros bens penhoráveis”, acrescenta a Deco. Exemplo disso é a Lista Pública das Execuções Frustradas, onde vão parar os nomes de todos os “incobráveis”. Criada em 2009, a lista reúne actualmente cerca de 35 mil nomes.
Mas se não existem dúvidas em relação aos valores a reter pela entidade patronal, – pode ser penhorado até 1/3 do salário, e por salário entende-se toda a remuneração mensal, incluindo subsídios de refeição, de transporte e outros –, o texto da lei não esclarece qual a base da incidência da penhora: se é sobre o vencimento bruto ou se é sobre o líquido (onde já foram deduzidos os descontos obrigatórios para o IRS e para a Segurança Social). “Há decisões judiciais nos dois sentidos, mas entendemos que deve ser considerado o líquido”, refere o presidente do Colégio dos Agentes de Execução, Carlos Matos.
Há casos em que a penhora pode incidir sobre uma maior fatia do vencimento. Por exemplo, quando a remuneração do devedor superar os 2182,50 euros, pode reter-se mais de 1/3 do ordenado até a parte não penhorada atingir três ordenados mínimos (1455 euros). Existe também um valor mínimo que o trabalhador deve receber depois de aplicada a retenção. “A menos que tenha outros rendimentos ou a dívida esteja relacionada com pensões de alimentos, deve ser-lhe assegurado o equivalente ao salário mínimo nacional”.
Mas há situações em que o ordenado depois da penhora não chega para pagar as despesas fixas, alerta a Deco. Carlos Matos reconhece estes problemas e admite que “existem algumas situações menos correctas”, acrescentando, no entanto, que “a entidade patronal tem obrigação de conhecer a lei e de a aplicar correctamente, até porque só ela tem acesso aos rendimentos do trabalhador”, acrescenta.
Independentes Estes problemas são, no entanto, mais difíceis de resolver no caso de trabalhadores independentes em que, no entender da associação, “a falta de clareza da lei apresenta-se, uma vez mais, como a causa de algumas injustiças”. De acordo com a mesma fonte, existem casos, em que os trabalhadores independentes vêem o seu ordenado ser penhorado na totalidade “por os agentes de execução entenderem que não têm a mesma natureza que os vencimentos dos trabalhadores por conta de outrem”.
Uma preocupação partilhada por Carlos Matos, mas que explica esta acção: como os independentes prestam serviço a várias entidades, é preciso pedir a cada entidade que penhore 1/3 do que lhes pagam. “O problema é quando estes valores não atingem o salário mínimo. Mesmo que o trabalhador receba 485 euros por mês de 10 entidades, dá ao todo 4859 euros ao fim do mês, logo não pode haver penhora”.
Reduzir valor da penhora A verdade é que se entender que a penhora é desajustada e fica sem meios para manter um nível de subsistência não deve deixar passar os prazos legais para contestar a decisão junto do agente de execução ou tribunal (ver esquema ao lado).
Segundo a Deco, há casos em que é possível reduzir o valor para metade, ou mesmo ficar isento. Por exemplo, os rendimentos com função relevante para efeitos de protecção jurídica igual ou inferior a 341,42 euros, ou seja, três quartos do indexante dos apoios sociais (IAS) podem ficar isentos por seis meses. Este valor relevante tem em conta tudo o que o devedor recebe em dinheiro, bem como o valor de alguns bens – imóveis, terrenos, automóveis, contas bancárias – e a dimensão do agregado familiar.
Já quem tiver um rendimento superior a 3/4 do IAS, mas inferior a duas vezes e meia (1048,05 euros) pode pedir a redução do valor penhorado para metade por seis meses. Também é possível ajustar a penhora se os rendimentos e os encargos do agregado o justificarem, desde que o pedido esteja fundamentado e documentado. Desta forma consegue obter um novo plano de pagamento, de forma faseada, com mensalidades mais baixas e prazos mais alargados.
Assumir dívidas Há situações em que, mesmo que não tenha sido directamente responsável pela dívida, poderá ser obrigado a pagá-la. É o caso de algumas dívidas dos cônjuges ou ex-cônjuges, contraídas quando eram casados, ou de empréstimos do qual foi fiador. “Durante muitos anos, as pessoas tinham a convicção de que ser fiador era apenas fazer uma assinatura. Ninguém estava consciente das obrigações que estava a assumir”, alerta a entidade, acrescentando ainda que, “normalmente as empresas exigem que os fiadores renunciem ao benefício da execução prévia. Desta forma, autorizam os credores a pedir a penhora dos seus bens, antes mesmo de tentarem os dos devedores”, conclui.
Fisco e Segurança Social também podem ordenar penhora
A par dos tribunais, também o fisco e a Segurança Social podem ordenar a penhora do salário por dívidas fiscais – falta de pagamento do Imposto Único de Circulação (IUC), por exemplo. Estas entidades, ao desencadearem o processo de execução dão conhecimento do mesmo ao devedor.
Nessa altura, este pode opor-se, liquidar a dívida, pedir o pagamento em prestações ou optar pela chamada dação em pagamento (ou seja, a entrega de um bem para saldar a dívida existente).
No entanto, se o problema não for resolvido, o fisco avança para a penhora de bens, nomeadamente, o salário. Os limites são semelhantes às penhoras judiciais de forma a garantir que o devedor mantenha os rendimentos mínimos de subsistência. Caso surjam abusos, o devedor poderá reclamar junto da autoridade tributária e, se for necessário, pode recorrer à via judicial.
O contribuinte pode dirigir uma reclamação ao fisco, se entender que algo não está bem. Se o devedor não concordar com o valor da dívida, se estiverem a cobrar- -lhe mais do que o limite permitido por lei ou se o valor cobrado já foi pago, tem 30 dias a contar da citação para se opor à execução. Caso a reclamação ou a oposição não sejam atendidas, o devedor poderá reclamar junto dos tribunais, impugnando o procedimento do fisco. Nesta situação deverá recorrer a um advogado, mas se não tiver recursos financeiros pode pedir apoio judiciário à Segurança Social.
PRAZOS
Depois de ter o salário penhorado precisa de respeitar os prazos legais para contestar ou pedir redução
1 - Acção executiva
Tribunal Quando o credor tem em sua posse um título executivo, ou seja, um documento que comprove a existência de dívidas, pode avançar com uma acção executiva no tribunal, pedindo a penhora de bens do devedor.
O título executivo pode ser uma sentença, um documento autenticado pelo advogado ou notário, ou até mesmo um contrato.
2 - Citação do consumidor
Penhora O devedor é informado de que vai proceder-se à penhora dos seus bens. Geralmente começa-se por contas bancárias e salários. Só depois é que se avança para bens móveis (por exemplo, carros, mobiliário, etc.) ou imóveis. No entanto, se o tribunal entender que a citação reduz as garantias do credor (perigo de fuga ou subtracção de dinheiro, por exemplo), pode não avisar o devedor da penhora.
3 - Contestação/pedido de redução
Timings Depois de citado, o devedor tem 20 dias para se opor à execução. Se esta prosseguir e forem designados bens para penhora tem outros dez dias para se opor.
Caso só tenha conhecimento da penhora na data em que o salário é retido pela entidade patronal, tem 20 dias para se opor ou para pedir a redução ou isenção. Se a penhora não for legítima, oponha-se no prazo de 10 a 20 dias.
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