quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Reforma no SNS. Centros de saúde vão ter consultas de pediatria e cardiologia | iOnline

Reforma no SNS. Centros de saúde vão ter consultas de pediatria e cardiologia | iOnline

Parque hospitalar pode ser reduzido 30%com investimento nos cuidados primáriose continuados. Governo estuda deslocações.

“Nos hospitais as pessoas vão e vêm e as doenças ficam. Nos cuidados primários, as doenças vão e vêm e as pessoas ficam.” A frase é de Iona Health, presidente da Ordem dos Médicos do Reino Unido e foi uma das muitas citadas ontem num fórum dedicado aos cuidados primários, que relançou o potencial da transferência de cuidados dos hospitais para os centros de saúde e maior integração. A curto prazo, os planos do governo parecem estar em sintonia com o pensamento dos académicos e profissionais no terreno: consultas de especialidade de cardiologia ou pediatria, até aqui restritas ao universo hospitalar, passarão a ter lugar também nos centros de saúde.
A fechar o encontro, que decorreu em Lisboa, o secretário de Estado da Saúde anunciou que o paradigma é este e que isso implicará a deslocação de médicos especialistas para onde for mais necessário, assim como uma maior mobilização de outros profissionais de saúde. O governo está avaliar um conjunto de especialidades que “que podem ter mais eficiência se acompanharem os cuidados primários de uma forma mais permanente, que possam impedir as pessoas de fazerem longas viagens para ouvirem um especialista.” Leal da Costa referiu que um caso de sucesso nesta integração existe já na saúde mental. Saúde infantil, cardiologia e diabetes são “áreas prioritárias” para estender este modelo, revelou o secretário de Estado, adiantando ainda que não se trata de transferir de forma definitiva especialistas hospitalares, mas incluir nas suas agendas, por exemplo, um dia de consultas num centro de saúde da área de influência dos hospitais onde trabalham.
Como e quando será feita esta distribuição permanece, por agora, no gabinete do ministro, que até ao final do mês deverá apresentar os planos a curto prazo para a reorganização do SNS. A somar aos estudos pedidos por Paulo Macedo no âmbito desta reforma, um novo trabalho tratou de pôr em cima da mesa as vantagens financeiras de pensar a sério a transferência de cuidados.
Miguel Gouveia, economista da Universidade Católica, começou por calcular as taxas de primeiras consultas realizadas pelos diferentes hospitais públicos para cada especialidade. As diferenças encontradas, e a comparação com os 20 hospitais que conseguem dar alta aos doentes com menos consultas subsequentes, permitem calcular que um terço das consultas da especialidades poderiam ser substituídas por consultas nos cuidados primários ou, em última instância, não ser necessárias. Hematologia, doenças infecciosas e doenças cardiovasculares são áreas onde há mais margem nos hospitais de referência.
Já no caso dos hospitais de maior proximidade, menos diferenciados, imuno-hemoterapia, psiquiatria ou neurologia são as especialidades onde há, aparentemente, mais consultas excessivas. Seguiu-se na análise o conhecido problema das urgências: enviar para os cuidados primários episódios são classificados de não urgentes (as pulseiras brancas, azuis e verdes nas triagens) permitiria reduzir em 41,8% a actividade nesta área. Já no caso dos internamentos prolongados por motivos sociais, porque as pessoas não têm condições para voltar a casa ou não são logo integradas na rede de cuidados continuados ou lares, o economista estimou que o peso destes casos sobre o SNS daria para ter um hospital de pequena e média dimensão com esta vocação (num ano, revelou o estudo, absorvem 144.103 dias de internamento). A imagem mostra o potencial de serem resolvidos mais depressa nas estruturas adequadas. Contas feitas, a médio prazo uma reforma que seguisse este pensamento permitiria poupar 140 milhões de euros. A longo prazo, se transferir estes cuidados levasse ao redimensionamento da rede, poderia cortar-se a factura em 355 milhões ao ano só com a diferença de custos que os mesmos actos podem sair nos cuidados primários e continuados.
No final, o SNS estaria diferente. Miguel Gouveia admite que por exemplo as alas de consultas externas dos hospitais poderiam ser reduzidas em 30%, sendo que o internamento vai pelo mesmo caminho com o aumento das cirurgias com alta no mesmo dia. “Isto pode ser feito em menos hospitais, ou em hospitais de dimensão mais pequena. Não estudamos a forma de optimizar esta questão. Mas a verdade é que podemos poupar muito dinheiro tendo um parque hospitalar mais pequeno.” Conseguir reduzir os encargos dos hospitais em 355 milhões daria um corte de cerca de 8% na factura anual destas unidades.
Pode parecer pouco, mas seria emagrecimento mais definitivo na rubrica mais pesada do SNS. No próximo ano o corte de despesa exigido pela troika na saúde será de 485 milhões. A maior fatia cabe à factura com remédios, que terá de baixar 330 milhões e é pouco provável que ocorra de facto – a indústria farmacêutica tem acordado com o Estado um sistema de ressarcimento quando se ultrapassam as metas mas já disse que não se comprometerá com este valor. Será então esta uma forma da Saúde começar a responder ao apelo de Vítor Gaspar, e ajudar a pensar a reforma do Estado Social? “É uma utilização possível para estes resultados”, admitiu ao i Miguel Gouveia. “Muitas vezes os políticos não gostam destes resultados porque não contêm uma receita para corrigir já o orçamento. É preciso pensar a longo prazo.”

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