quinta-feira, 29 de novembro de 2012

De Grauwe: "Vítor Gaspar quer ser o melhor aluno da aula" - Dinheiro Vivo

De Grauwe: "Vítor Gaspar quer ser o melhor aluno da aula" - Dinheiro Vivo

Paul De Grauwe esteve em Lisboa, esta semana, para dar uma aula na conferência dos 50 anos do Instituto de Ciências Sociais. O professor de Economia belga não compreende como é que os políticos europeus - portugueses inclusive - continuam a insistir em tanta austeridade, pondo em cheque o ajustamento orçamental e o futuro do euro. É consultor de Durão Barroso e diz que a maior ameaça à moeda vem da Alemanha e do BCE. Está perplexo com o facto de não haver uma mudança de rumo.Existe uma cisão no BCE com o Bundesbank a demarcar-se do novo programa de compra de dívida [OMT]. A opinião pública alemã é hostil face ao suporte aos países do sul. A probabilidade de a Alemanha sair do euro existe? Essa probabilidade hoje já é maior do que a de Portugal sair do euro, por exemplo?
É difícil ligar probabilidades a estas coisas. Estamos perante processos históricos únicos que ainda não compreendemos muito bem. Mas podemos dizer que ambos os cenários podem ocorrer. No caso de Portugal, se vocês forem forçados a aplicar medidas de austeridade ao mesmo que tempo que o resto da zona euro faz o mesmo, de certeza que a economia vai continuar a decair, o desemprego a aumentar, vão aumentar ainda mais os incentivos para os mais qualificados saírem do país. Estou seguro que haverá um ponto no tempo em que, dado o nível de erosão económica, alguns políticos irão explorar a situação e ser eleitos por dizerem “já chega”. Alguém vai dizer: “a zona euro é um inferno, vamos sair daqui”.
Estão a empurrar Portugal para isso?
Claramente. Forçar um país a ir ainda mais longe na depressão económica através de um tratamento de choque vai dar mau resultado.
Acha que se está já no nível da humilhação?
Estão. No caso de Portugal estão, claramente. E tenho a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, haverá políticos que vão explorar isso, o que é também muito mau.
Mas perguntava-lhe pela Alemanha.
Sim, podemos encarar hoje, mais do que no passado, um cenário de eventual saída. A dinâmica subjacente, claro, é bastante diferente. O problema alemão está ligado a uma enorme desinformação das pessoas. Veja o caso do embaixador alemão aqui em Lisboa [Helmut Elfenkämper que esteve na plateia de um debate em que De Grauwe foi orador] que usou uma metáfora inacreditável de que os países da zona euro estão a subir uma montanha, mas é a Alemanha que está a carregar com o peso todo. É uma metáfora terrível porque o que está a dizer é “os alemães coitados carregam com tudo e vocês, portugueses, estão a explorar a Alemanha e a sua força”.
Mas os alemães endividaram-se - a juros mínimos é certo - para emprestar aos portugueses quando o país ficou sem acesso aos mercados.
Desculpe, a metáfora do embaixador é terrível. Em termos do fardo que está a ser carregado, é exatamente o contrário. São vocês que estão a pagar aos alemães essa dívida. Eles é que estão a lucrar com isso. Mas o facto é que, as pessoas acreditam nesta ficção da Alemanha estar a carregar todo o peso da zona euro. Isto pode gerar reações políticas problemáticas.
É uma narrativa fácil e populista?
É uma narrativa muito fácil. “Nós, alemães, temos sido virtuosos; vocês em Portugal, Espanha, e outros países, têm sido indisciplinados, preguiçosos e, portanto, têm de ser punidos”.
Diz que a Alemanha tem excedentes excessivos. O país tem alguma culpa nesta crise?
Sim. Penso que as responsabilidades nesta crise devem ser partilhadas. Onde existe um devedor insensato, existe algures um credor insensato. É preciso dois para dançar o tango. É impossível acreditar nesta história tal como ela é contada. Credores como a Alemanha deviam saber que os devedores iriam ter problemas sérios dado o ritmo do endividamento e a debilidades estruturais das suas economias, que são antigas. Deviam ter antecipado que quem muito empresta, também assume muito risco e que pode perder dinheiro com isso. A estupidez está dos dois lados, acredite.
Mas os chamados mercados, investidores, confiam cada vez mais na Alemanha.
Certo, mas veja que se trata de uma situação anormal. Os mercados estão em pânico e continuam a meter quase todo o dinheiro na Alemanha. A Alemanha está a conseguir emitir dívida quase de graça, mas não quer fazer nada que mude isto. Querem conservar esta posição. Para mim isto é um quebra-cabeças porque esta situação pode degenerar. Como é que não conseguem ver isso?
A sua questão é: como é que a Alemanha não começa a investir massivamente na Europa?
Claro. Qualquer empresa que consegue contrair crédito tão barato – será o caso quase generalizado das empresas alemãs – e que tenha imaginação e iniciativa terá vontade de usar esse dinheiro para investir em projetos lucrativos. Isto é do senso comum. Mas o incrível é que não está a acontecer.
Porquê?
Há uma falta de imaginação assustadora na Alemanha.
Pode dar um exemplo?
Veja o caso dos projetos ambientais. Hoje poderia haver um grande número de investimentos nessa área financiados a custos historicamente baixos e isso não está a acontecer! Seja na Alemanha ou fora do país. Simplesmente, não o desejam fazer.
Conhece o ministro das Finanças português? Que opinião tem dele?
Sim, conheço-o bem. Já nos encontrámos muitas vezes, é um homem muito inteligente. Mas infelizmente está a passar das marcas. Quer ser o melhor aluno da aula, mas está a esquecer um princípio básico: aplicar medidas de austeridade de forma tão rápida e intensa numa economia destrói o tecido produtivo de forma irreversível. Há demasiadas empresas a ir à falência, mesmo as boas. A produção cai a pique e, por arrasto, também as receitas do Governo. Gaspar não está a ver o óbvio: é que no fim disto tudo, Portugal terá uma economia feita em cacos e o país continuará com um problema orçamental por resolver.
Quando é que teremos provas desse erro de que fala?
Dentro de seis meses a um ano, o Governo vai perceber que nada disto deu resultado e vai querer repetir a dose. O meu conselho é que abrandem na austeridade.
Menos austeridade ou mais tempo para as medidas?
O que estou a dizer é que Portugal não pode estar sempre neste registo de ser mais austero do que os outros para ter os elogios da Alemanha ou de quem quer que seja. Já chega. Claro que o país está, de certo modo, condenado a aplicar medidas duras e impopulares. Precisa é de um período mais longo para esse programa. E ao mesmo tempo deve continuar a deixar claro que a estratégia é baixar o rácio da dívida, mas apoiada antes numa política mais condutora de crescimento. Isso ajudará a baixar a dívida. Se insistirem no que estão a fazer, não terão sucesso.
Idealmente, o ajustamento de Portugal deveria ser feito em quantos anos?
Depende do grau de austeridade no resto da zona euro. Se a zona euro também insistir em políticas destrutivas, as metas do ajustamento português serão sempre deslizantes. Mais de três anos terá de ser, seguramente.
Outra das razões da instabilidade relativamente às metas tem a ver com as decisões do Eurostat, que fazem com que mais e mais dívida seja reconhecida. Há aqui alguma coisa que Portugal possa fazer?
Penso que não. Esse fenómeno de reconhecimento das dívidas já é conhecido pelos economistas há muito tempo. Irving Fisher, na década de 30 do século passado, escreveu um artigo muito importante sobre a dinâmica de deflação em que defende que depois de um ciclo de expansão/colapso, o sector privado tem de fazer uma desalavancagem - reduzir a dívida. Mas só o pode fazer se alguém estiver disponível para assumir mais dívida. De outra forma: se toda a gente, ao mesmo tempo, pretender reduzir o endividamento, não se consegue solucionar o problema original.
Porquê?
Para se reduzir dívida tem de se poupar mais para se chegar a um equilíbrio. Mas se o sector privado tem de poupar mais, alguém vai precisar de pedir emprestado pois com a dinâmica da poupança passa a haver maior escassez de recursos na economia.
Portanto, na sua opinião, o que está aqui em falta na Europa são planos de ajustamento para os países com excedentes?
Exatamente, esses países devem aproveitar os custos muito baixos de financiamento para contrair mais crédito. Os mercados, aliás, estão a dar esse sinal há muito tempo, mostrando de forma inequívoca que estão dispostos a comprar a dívida da Alemanha. Há operações, como se sabe, em que esses investidores até estão dispostos a pagar para emprestar [taxa de juro negativa]. Os mercados estão a dizer para a Alemanha emitir mais obrigações e os alemães não querem! Isto é inconcebível.
A Europa tem em marcha medidas para tentar resolver esses desequilíbrios do lado dos excedentários.
Tem, mas é preciso fazer alguma coisa já, não daqui a uns anos. Os preços nos mercados estão a sinalizar algo, mas estão a ignorar isso. É completamente irracional porque as decisões estão a ser guiadas por emoções.
Essa irracionalidade pode sair cara à Alemanha e por arrasto a todos os parceiros europeus?
Acredito que sim. Há certeza muito e bons projetos na Alemanha à espera de arrancar. Financiar esse investimento a um custo mínimo só pode ser bom para a Alemanha no longo prazo, para além dos benefícios para a economia no curto prazo.
O BCE criou um programa de compras ilimitadas de dívida [OMT ou TMD - Transações Monetárias Definitivas]. Isso não levará o BCE a impor mais austeridade?
Penso que é essa a mentalidade, mas estão errados. O BCE não pode impor condições extra para além das que já existem que são muitas. O BCE podia ter esse papel de agente que entraria em cena para aliviar os efeitos da austeridade.
E não entra porquê?
Porque o BCE quer continuar a ditar a política orçamental, a impor condições sobre défices e dívidas. Essa responsabilidade cabe à Comissão Europeia. Costumo usar esta metáfora: os bombeiros (BCE) são distintos dos polícias (Comissão). O papel do BCE é apagar o fogo na zona euro, não largar as mangueiras e ir atrás de quem ateou o incêndio para o punir. É a Comissão que deve controlar e garantir que os Governos seguem as políticas corretas, que não assumem demasiado risco. E sancioná-los se for caso disso.
O BCE quer jogar nos dois tabuleiros?
Sim, porque o BCE não confia na Comissão Europeia.
Ainda não se sabe se Portugal poderá beneficiar do programa TMD. Tem pistas?
Deixe-me dizer-lhe o seguinte: acho que é um grande erro Portugal e outros países não estarem a ser envolvidos desde o início neste processo. O BCE devia assumir desde logo um compromisso para as compras de obrigações portuguesas, por exemplo. Penso que é um grande erro o BCE excluir Portugal deste programa, mas incluir Espanha, alegando que Portugal está sob um programa de ajustamento completo. Vocês precisam de mais liquidez para não se tornarem insolventes.
Portugal consegue regressar aos mercados em meados de 2013?
Portugal é um país solvente, mas tornou-se ilíquido pelas razões conhecidas. O risco de falhar o regresso aos mercados existe por causa da imposição de austeridade. Por outro lado, existe um perigo sério de este mecanismo (TMD) poder gerar, de facto, insolvência nos países que a ele recorram.
Porquê?
Por causa da condicionalidade que lhe está associada. A ideia é impor mais austeridade o que agrava o ciclo vicioso que referi há pouco, empurrando os países para a insolvência.
O BCE tornou-se, finalmente, no emprestador de última instância que tanto rejeitou ser?
Está a dar passos nesse sentido. Quando toda a gente está com aversão ao risco e quando este fenómeno se generaliza, como é possível estabilizar o sistema? O problema é que hoje ninguém, incluindo o banco central, quer deter ativos com risco; todos querem deter ativos líquidos. É preciso haver uma instituição que diga que está disposta a assumir risco quando mais ninguém quer. E isso é outra forma de ver a atividade do emprestador de última instância. O banco central pode assumir riscos e pode assumir perdas. Na verdade, não há limite para essas perdas já que o banco central é o emissor de moeda. Mas aparentemente, nesta crise, o banco central mostrou que não compreendeu o que era ser um banco central.

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