sábado, 5 de janeiro de 2013

Negócio de células estaminais vale 37 milhões desde 2008 e não é regulado | iOnline

Negócio de células estaminais vale 37 milhões desde 2008 e não é regulado | iOnline

Direcção Geral da Saúde diz que regulação é competência da Entidade Reguladora que, por seu turno, garante não regular os bancos e admite a existência de um “vazio”.

Os bancos privados de conservação de células do cordão umbilical não são regulados por nenhuma entidade. A Direcção Geral da Saúde (DGS) diz não ter competências para fazê-lo, uma vez que cabe à Entidade Reguladora da Saúde (ERS) a regulação do sector. Por outro lado, a ERS assegura que não o faz porque os bancos não são unidades de prestação de cuidados de saúde e adianta mesmo que “nesta matéria a regulação está num vazio”. A presidente da Comissão de Bioética da Sociedade Portuguesa de Genética Humana e da Sociedade Portuguesa de Pediatria, Heloísa Santos, não tem dúvidas: “Não só deveria haver uma regulação, como uma forte regulamentação, até porque apesar de poucos saberem, esta prática interfere com a vida das crianças na altura do parto. Está documentado.”
Segundo o i apurou, as empresas de crio-preservação de células estaminais – cuja validade científica foi posta em causa na semana passada pelo Instituto Português do Sangue e da Transplantação – são autorizadas e inspeccionadas pela DGS, algo que, para esta especialista, não é suficiente.
Em resposta ao i, a Direcção Geral da Saúde explica aliás que “é a instituição central do Ministério da Saúde com competência técnico-normativa em matéria de prestação de cuidados de saúde, não possuindo, portanto, competências reguladoras, as quais estão legalmente atribuídas à Entidade Reguladora da Saúde”. Fonte oficial da Entidade Reguladora da Saúde garantiu no entanto que, apesar de “[estarem] atentos”, estas empresas não estão sob a sua regulação. “Os bancos privados não são unidades de cuidados de saúde, mas sim bancos de dados e por isso não são nossos regulados”, insiste a mesma fonte, exemplificando que “no ano passado deu entrada uma queixa contra uma dessas empresas e que por não ser da [sua] competência a regulação, foi encaminhada para a Autoridade dos Serviços de Sangue e Transplantação” [entretanto extinta, as responsabilidades foram transferidas para a DGS].
Controlar a qualidade O papel da Direcção Geral da Saúde é, segundo a resposta enviada ao i, o de “autorizar os bancos de células estaminais no domínio do controlo da qualidade e segurança das actividades relativas à dádiva, colheita, análise, processamento, preservação, armazenamento e distribuição de células de origem humana e inspeccioná-los regularmente”. Questionada sobre se existia alguma publicidade enganosa que pudesse defraudar ou prejudicar os clientes, esta direcção preferiu responder: “Se for alertada para publicidade não cientificamente suportada, notificará a Inspecção-geral das Actividades em Saúde e/ou a Entidade Reguladora da Saúde, no âmbito das suas competências respectivas.”
Uma resposta que para Heloísa Santos não faz sentido. “Está à vista de todos que essas empresas fazem uma publicidade muito agressiva, utilizando um falso optimismo e colocando médicos e pessoas ligadas à saúde a darem a cara nessas manobras”, criticou.
A também médica geneticista lembra ainda que em alguns países, como o Reino Unido, os hospitais públicos estão proibidos de fazer recolha deste tipo de material biológico para estes fins, tudo porque segundo a especialista não há vantagens reconhecidas: “Não se sabe se as células estão em boas condições, se serão usadas, nem tão pouco se as empresas que as guardam estarão abertas daqui a uns anos...”
Instituto do Sangue critica bancos Na semana passada, também o Instituto Português do Sangue e Transplantação (IPST) defendeu – numa nota publicada no seu site – que a recolha e preservação do sangue do cordão umbilical, devido às células estaminais, “é controversa, não sendo claramente suportado pela evidência clínica actualmente disponível”. O instituto sublinhou ainda que “sendo uma opção de carácter familiar e privada, o potencial benéfico para o próprio, ou para um irmão é, no momento actual, quase residual e geralmente inexistente”.
A polémica em torno da preservação das células estaminais regressou com um parecer conjunto do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) e do Comité de Bioética de Espanha, que consideram que os bancos privados que conservam estas células fazem promessas “irrazoáveis” e campanhas “agressivas”. Este documento critica o modelo comercial dessas empresas, que são proibidos em França e Itália. A empresa Crioestaminal reagiu de imediato com um comunicado onde referia que o parecer do CNECV “ofende a inteligência dos portugueses” e “demonstra ligeireza, imprecisão e falta de fundamento científico na análise que faz ao sector da crio-preservação”.
Cytothera diz que há regulação O i contactou há dois dias as principais empresas de conservação de células estaminais, mas só a Cytothera respondeu até à hora de fecho desta edição. Num email, o banco criticou a nota do Instituto Português do Sangue e da Transplantação, dizendo que se trata de uma contradição daquela entidade: “Não podemos deixar de manifestar o nosso total desacordo com a conclusão de que ‘o potencial benefício, para o próprio, ou um irmão é na verdade, no momento actual, quase residual e geralmente inexistente.’ Em boa verdade, esta conclusão é contrariada pelos dados fornecidos no próprio parecer”.
Sobre a regulação, a empresa lembra que o sector tem regulação feita pela Lei n.º 12/2009, de 26 de Março.
Novas terapias Como defesa da utilidade de preservar as células do cordão umbilical, invocam três argumentos: total compatibilidade em caso de necessidade de transplante – ao evitar as longas esperas para conseguir dador –, o “ganho de tempo em caso de doenças de sangue com componente genética” e o facto de haver novas terapias e tecnologias em fase de desenvolvimento.
Até hoje, mais de 120 mil portugueses terão recorrido a estes bancos, sendo que a maioria optou pelos bancos privados, com preços na ordem dos 1500 euros, enquanto que o Lusocord, o único banco público, guarda as amostras de forma gratuita.

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