quinta-feira, 4 de abril de 2013

União Europeia quer certificar a escola da vida em 2018 | iOnline

União Europeia quer certificar a escola da vida em 2018 | iOnline

Num prazo de cinco anos, escolas e universidades terão de validar as experiências que os europeus adquiriram fora da sala de aula.

Cláudia Mariano põe qualquer guloso a salivar com as suas tartes de amêndoa ou pudins de laranja. É uma doceira de mão cheia, reconhecida por toda a família, mas se quisesse podia ser mais ambiciosa. Bastaria pegar nos truques de cozinha que a tia-avó ensinou, fazer uns exames numa escola profissional ou ser avaliada por um júri e sair de lá com um certificado, que poderia usar para encontrar um novo emprego em Madrid, Roma ou Berlim.
Cláudia tem 31 anos, é funcionária numa estação dos correios em Almada, mas teria de esperar cinco anos para os seus talentos serem reconhecidos na Europa. Se cumprirem o acordo alcançado nas últimas semanas, os 27 países da União Europeia vão ter em 2018 regras comuns para validar os conhecimentos que um português, um grego ou um italiano adquiriram fora da escola.
Há mais de uma década que esta ideia andava a marinar nas instituições comunitárias sem nunca sair do papel. Agora, perante as estatísticas que demonstram que um quarto dos jovens europeus está sem qualquer ocupação profissional (38,2% dos portugueses), a UE a defende que esta missão é urgente. Tão urgente que a comissária para a Educação, Androulla Vassiliou, queria o novo regime já em 2015, numa tentativa de melhorar as perspectivas de emprego jovem.
A maioria dos estados-membros teve dúvidas de que conseguiria pôr no terreno o projecto com um calendário tão apertado e decidiu prolongar o prazo por mais três anos. Só que não é por terem mais tempo que a tarefa deixará de ser “muito complicada” de concretizar, alertam os especialistas portugueses. As experiências, os cursos de Verão ou a própria vida pessoal são competências difíceis de traduzir num currículo escolar ou académico. Por mais que o senso comum diga que o melhor profissional não é obrigatoriamente quem passou quatro ou cinco anos a queimar as pestanas para ter um canudo, o desafio é conseguir provar que se tem as habilitações necessárias sem ter frequentado uma escola, um politécnico ou uma universidade. “É uma empreitada muito complicada, tendo em conta a enorme carga de subjectividade que um processo desses envolve”, defende Alberto Amaral, presidente da Agência da Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES).
O certo é que a decisão está tomada e, em 2018, os 27 países da UE terão de disponibilizar aos europeus as ferramentas e os meios para poderem certificar dois tipos de conhecimentos: em primeiro lugar a educação formal, como cursos, workshops ou qualquer outra formação que envolva professores e alunos; em segundo lugar as aprendizagens adquiridas fora da sala de aula, sejam línguas aprendidas no estrangeiro, seja a participação em programas de voluntariado, as práticas de liderança em associações ou mesmo experiências como a maternidade (educação informal).
É neste último ponto que a certificação se pode tornar complexa, uma vez que não há provas escritas para reconhecer esse tipo de talentos. “Se este processo não for feito com muito rigor, será um desastre”, avisa o dirigente da A3ES. Sem regras, critérios, júri, limites máximos e mínimos, Alberto Amaral diz que a ambição da UE será um fracasso: “Penso que os canais convencionais são rígidos e será preciso agilizá-los, mas terá sempre de existir uma base comum que permita fazer uma correspondência com o ensino formal e em particular com as áreas disciplinares em causa.”
Reconhecer experiências de vida por si só é uma opção política “pouco sólida”, adverte, por outro lado, Licínio C. Lima, especialista em educação da Universidade do Minho: “No caso português, por exemplo, o problema não se resolve a certificar experiências de vida, mas a formar.” Ou seja, além de se validar a aprendizagem ao longo da vida será necessário investir em simultâneo em novas formações, defende o professor universitário.
Embora boa parte dos países europeus já tenha alguns mecanismos para certificar competências pessoais, só quatro - França, Holanda, Luxemburgo e Finlândia - têm modelos mais estruturados. O caso de França é apontado pela UE como um dos bons exemplos. Um funcionário francês pode solicitar a qualquer momento o reconhecimento das suas competências profissionais. O candidato deverá documentar os seus conhecimentos perante um júri que pode também solicitar exames especiais para emitir um certificado. O problema, contudo, são os preços. As taxas para se ter acesso a um processo de validação em França podem chegar a mil euros, segundo a Comissão Europeia.
O consenso agora alcançado entre os 27 países é que todos os cidadãos deverão ter a mesma oportunidade para pedir um reconhecimento oficial sem se sujeitar a burocracias e encargos pesados. A União Europeia, no entanto, não define referências máximas ou mínimas, mas ressalva que o processo deve ser acessível a todos. E ter ainda prestígio suficiente para não pôr em causa a sua credibilidade. Uma das recomendações do órgão executivo da UE é envolver empregadores, sindicatos, confederações da indústria e comércio e outras instituições ligadas ao mercado de trabalho e de formação. Bruxelas encara esta iniciativa como um incentivo fundamental para a mobilidade dos trabalhadores, mas para isso as competências têm de ser reconhecidas por todos os países.
Resta ainda saber qual dos dois caminhos vai a Comissão Europeia escolher para implementar este regime: criar uma estrutura única para todos os países ou deixar cada estado-membro definir o seu próprio modelo. “O pior que poderia acontecer seria impor um sistema único e inflexível”, defende Licínio C. Lima.
O erro que Bruxelas não pode cometer, avisa o professor da Universidade do Minho, é pensar que se pode, por exemplo, colocar Portugal e Finlândia no mesmo patamar: “Os pontos de partida são completamente diferentes e os níveis de qualificação são também incomparáveis.” Isso não invalida que um pudim de laranja feito por Cláudia Mariano seja “muito bom” em qualquer parte da Europa, assegura a própria. Mas o jeito que tem para a cozinha não é um selo de garantia para tudo o resto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário