quarta-feira, 27 de março de 2013

O regresso do animal feroz. Todas as perguntas a que Sócrates nunca respondeu | iOnline

O regresso do animal feroz. Todas as perguntas a que Sócrates nunca respondeu | iOnline

O regresso político está marcado para hoje, à 21 horas. José Sócrates concede uma entrevista à RTP dois anos passados desde a última vez que se ouviu por Portugal. Tem estado em Paris a estudar Ciência Política, com acção política zero, pelo menos na primeira pessoa. Os últimos dias têm sido de preparação - com o núcleo do costume - deste regresso polémico q.b. Só o anúncio de que ia voltar ao espaço público nacional moveu milhares a assinarem uma petição.
A ideia central deste regresso será, segundo aqueles que sempre o rodearam, fazer a defesa da sua governação. Sócrates tem feito chegar a Portugal, nos últimos tempos, o desconforto com a avaliação que tem sido feita de seis anos de governação, mas sobretudo os dois últimos, da crise económica e financeira.
Do outro lado não faltarão perguntas. Entre as mais ou menos plausíveis, o i adianta hoje (ver ao lado) algumas das questões essenciais para o ex-primeiro-ministro responder - e faz o devido enquadramento de cada uma delas. Um guião que acaba por contar os pontos mais importantes da história da governação de Sócrates.
Mas caçar o “animal feroz” - como o próprio se descreveu numa entrevista em 2004 - é tarefa árdua. E nas questões levantadas pelo i, há pontos de alta sensibilidade para o ex-primeiro-ministro. Um deles será o PS e a actual liderança. Aqui é expectável que o antecessor de António José Seguro gira com pinças o que tem a dizer. Afinal, o PS vive um processo interno de relegitimação da liderança de Seguro que, depois de semanas tensas no início do ano, acabou por ter apenas um candidato contra si nas directas que se realizam a meio de Abril.
Mas para a sua governação não deverá ter grandes tabus. Nem mesmo para a relação com o Presidente da República. Nunca se ouviu uma resposta directa de Sócrates às investidas de Belém. Há um ano, Cavaco Silva escreveu um texto - num tom directo como é raro ouvir-lhe - a acusar Sócrates de “deslealdade institucional” a propósito do PEC IV.
Mas esta quarta-feira será apenas o dia um deste regresso, numa entrevista que o canal público até baptizou de “fim do silêncio”. O resto virá semanalmente, num programa de comentário político de José Sócrates. Ou seja, o que não tiver resposta agora, pode vir a ter novas oportunidades a partir do mês de Abril.
Resgate:

Por que resistiu tanto à ajuda externa?
Nos primeiros dias de 2011, José Sócrates tornou-se obsessivo em travar um pedido de resgate. A negação do auxílio externo foi até ao limite (muitos consideram que o ultrapassou), com Sócrates a insistir no PEC IV que garantia ter o apoio europeu.

Confirma que foi empurrado para o pedido de ajuda pelo ministro das Finanças? Fala com ele hoje em dia?
  Sócrates queria ir a eleições sem o peso de um pedido de ajuda externa, mas o ministro Teixeira dos Santos acabou por precipitar tudo com uma declaração ao “Jornal de Negócios” onde entendia como “necessário recorrer aos mecanismos de financiamento disponíveis no quadro europeu”. A discussão entre os dois foi o passo que se seguiu e, contada no livro “Resgatados”, terminou com Sócrates a declarar “cortamos relações!”. O primeiro-ministro teria pedido a Teixeira dos Santos que resistisse, depois do chumbo do PEC IV, mas isso não aconteceu. Sócrates confessou depois ter sido traído pelo ministro “pelas costas, como um patife”, conta o livro.

Quem é que na Europa apoiou o PEC IV?
A quarta revisão do pacote de medidas de austeridade adicionais foi o que derrubou o governo, depois de chumbado (através de um projecto de resolução) no parlamento. Não se tratava de mais do que uma recomendação ao governo mas Sócrates ficou sem base para governar. Aquele era o menu de medidas que o primeiro-ministro garantia ter o aval europeu, mas a verdade é que em pouco tempo as instâncias europeias foram mudando de ideias e colocando cada vez mais pressão no recurso à ajuda externa. Sócrates garantia que o caminho era por ali e ainda hoje o PS o defende.
Crise:
Se fosse primeiro-ministro agora o que diria à troika?
Os socialistas estão quase todos de acordo que é necessário “redireccionar” o programa de modo a estimular a procura interna. Sócrates, um adepto do investimento público, também estará.
 
De acordo com o PEC IV, por esta altura já estaríamos a crescer. Onde é que se enganou nas previsões?
O ex-primeiro-ministro argumentou que o mundo tinha mudado em 15 dias e Passos Coelho, então líder da oposição, dizia que a culpa era sobretudo interna. Agora é Passos que diz que o problema é a crise lá fora que não permite uma alavanca à economia portuguesa. No PEC IV, Sócrates previa um crescimento para este ano de 0,7%. A previsão do Banco de Portugal e do governo é de -2,3% do PIB.


José Sócrates teve na parte final do mandato uma obsessão com o valor dos juros da dívida e essa seria uma das preocupações que continuaria a ter. No entanto, o ex-primeiro-ministro apostou muitas vezes as fichas no plano europeu, o que aliás é defendido pelo actual PS que quer um papel mais interventivo do BCE e que os fundos europeus sejam sobretudo destinados a promover o crescimento. Sócrates defenderá que se deve incentivar mais investimento público.

Confirma que fez pressões para que a Estradas de Portugal fizesse mais obra?
O presidente da EdP, Almerindo Marques, disse que Sócrates fazia pressão para “ser contratualizada mais e mais obra”. As PPP’s são um dos pontos que mais tem sido criticado pelo actual governo. Passos chegou mesmo a chamar-lhes “esqueletos no armário”.
Presidência:

O PS tem-se queixado do Presidente ter deixado cair o governo em Março de 2011, quando falou nos limites para os sacrifícios. Foi a partir desse dia que o governo ruiu?  
 No dia em que renovou o seu mandato em Belém, Cavaco Silva fez um discurso arrasador para o governo e uma única frase marcou o início do fim: “Há limites para os sacrifícios.” O executivo cairia nesse mesmo mês de Março. Os socialistas nunca mais perdoaram a Cavaco e, ainda hoje, o acusam de ter dois pesos e duas medidas em Belém.

Foi uma “deslealdade institucional” não apresentar o PEC IV em Belém?
Esta pergunta traz veneno, mais uma vez, de Belém. A expressão entre aspas é de Cavaco Silva e utilizada num prefácio escrito pelo Presidente há um ano. O chefe de Estado não tem por hábito o ataque tão directo. José Sócrates nunca foi confrontado em público com esta tirada presidencial sobre um momento específico da sua governação. O PEC IV foi levado a Bruxelas sem antes ter sido negociado em Portugal (nem com o PSD que já tinha negociado outros pacotes de austeridade e o Orçamento do Estado) e sem o conhecimento do Presidente da República.

O cargo de Presidente da República faz parte da sua ambição política?
A resposta dificilmente será directa e, muito provavelmente, até será negativa. Mas a verdade é que este regresso de José Sócrates não é visto por ter um fim em si mesmo. A rota para Belém/2016 é apontada ao ex-primeiro-ministro. Ainda que no PS esta luta seja renhida e muitos nomes saltem quando se fala nesta eleição (que vai marcar o fim da era Cavaco). António Guterres é um dos desejados, mas tem recusado de forma taxativa.
Actual governo:

Passos Coelho é um bom primeiro-ministro?  
José Sócrates até chegou a dizer que com Passos Coelho à frente do PSD já teria companhia para “dançar o tango”, mas não lhe desculpará o facto de ter provocado a sua saída do governo. Também não se reflectirá na postura do actual primeiro-ministro.

Acha que o primeiro-ministro devia remodelar o executivo?  
Sócrates não demorou muito a remodelar durante o primeiro executivo, com a saída de Campos e Cunha do Ministério das Finanças a bater recordes, e não teve grandes problemas em remodelar a equipa, mudando ministros de pasta ou trocando mesmo por novas caras. Já Passos Coelho tem demorado a mexer na equipa, apesar das críticas constantes ao ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, e ao ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira. Agora até o CDS pede a remodelação, que tarda em sair.

Se este governo cair, o PS deve disponibilizar-se para uma solução de governo?  
O secretário-geral do PS tem dito que não irá para o governo sem ser por eleições, mas há quem defenda que o Presidente da República, em situação de queda do governo devia promover o consenso entre os partidos do arco da governação. Essa não foi a solução quando José Sócrates se demitiu em 2011, quando Cavaco, depois de convocar o Conselho de Estado, optou por eleições antecipadas.

Sente-se responsável por quem se manifesta agora?  
Enquanto primeiro-ministro, teve bastantes manifestações, mas as actuais têm levado à rua pessoas que antes não se manifestavam. Sócrates não é esquecido por ter sido ele a assinar o Memorando.

PS:

Teve influência neste desafio à liderança e no momento de divisão interna no PS?
A questão impõe-se porque foi um dos seus mais próximos (Pedro Silva Pereira) que suscitou a discussão da clarificação da liderança o quanto antes. A ala socrática dentro do PS fez tudo para convencer António Costa a desafiar Seguro. Sócrates acompanhou tudo a par e passo de Paris e, mesmo sem dizer palavra, ficou bem presente a sua vontade e linha de pensamento em matéria de liderança socialista nesta altura.

Sente-se pouco defendido pela actual direcção do partido?  
 A defesa do legado de Sócrates foi uma das exigências de António Costa quando negociou a “unidade do PS” com Seguro nas reuniões que se seguiram à Comissão Política Nacional onde o autarca de Lisboa entrou para desafiar a liderança de Seguro. A ala socrática queria que assim fosse e viu isso mesmo inscrito no “Documento de Coimbra” onde António José Seguro ilibou Sócrates de culpas na actual crise e fez a defesa da sua governação. A frase “o PS assume por inteiro todas as suas responsabilidades passadas e presentes” apareceu também na moção que Seguro leva ao congresso de 26, 27 e 28 de Abril.

Seguro é o líder que o PS precisa agora? Pode dar um bom primeiro-ministro?  
Aqui só com muita diplomacia é que Sócrates consegue responder a esta questão. O ex-líder socialista nunca teve uma boa relação com António José Seguro. Ambos eram os delfins de António Guterres e a ambição dos dois não cabia na mesma cadeira. Na era Sócrates, Seguro fez a travessia do deserto até à liderança a que se atirou mal José Sócrates caiu.

Suspeitas:

Como conseguiu viver em Paris e sustentar os filhos sem ter rendimentos do trabalho durante dois anos?
José Sócrates não pediu a subvenção a que tinha direito enquanto ex-primeiro-ministro e ficou sem qualquer vencimento mensal desde que abandonou o cargo. Mas foi viver para Paris, onde alugou um apartamento num dos bairros mais caros da cidade, frequentando uma universidade com propinas elevadas. Recentemente, num processo que interpôs contra o “Correio da Manhã”, afirmou que contraiu um empréstimo para poder viver em Paris. Os amigos sempre justificaram o desafogo financeiro de Sócrates nestes anos com o facto da mãe do ex-primeiro-ministro ser “muito rica”.

Quando saiu do governo não declarou depósitos à ordem, depósitos a prazo nem planos poupança-reforma. Onde guardava o dinheiro que possuía? Ou gastava tudo? Que banco lhe concedeu o empréstimo para estudar?
Na declaração de rendimentos que teve que entregar no Tribunal Constitucional, aquando da cessação de funções, não constam poupanças. Em seis anos como primeiro-ministro, Sócrates ganhou mais de 600 mil euros. A mãe de Sócrates fez alguns negócios através de “off-shores”.

O que pensa do caso da licenciatura de Miguel Relvas? Um caso destes mina a credibilidade de um governante?
 Sócrates será obrigado a defender Miguel Relvas. As dúvidas sobre a licenciatura do actual ministro-Adjunto são semelhantes às dúvidas em torno da licenciatura de José Sócrates conhecidas no tempo em que era primeiro-ministro e sempre desmentidas.

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