terça-feira, 26 de março de 2013

Europa. Impor haircuts às poupanças dos europeus passa a regra | iOnline

Europa. Impor haircuts às poupanças dos europeus passa a regra | iOnline

Dinheiro depositado pelos clientes nos bancos da Europa pode agora ser usado para pagar a má gestão dos bancos e dos países.

Depois de cinco anos seguidos a salvar bancos, a Europa de Angela Merkel e do líder que esta apoiou para o Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, mudou radicalmente de postura: o risco de contágio afinal já não assusta e a partir de agora já não se vão salvar mais bancos. “Sempre dissemos que não queríamos contribuintes a salvar bancos, mas antes bancos a salvar-se a si próprios. Será esse o caso em Chipre”, disse ontem Angela Merkel, sublinhando que o plano negociado para Chipre “é o correcto: põe o essencial da responsabilidade sobre os que causaram estes desenvolvimentos errados. É assim que deve ser”, acrescentou.

Desengane-se quem ler nestas declarações que a chanceler alemã considera que a má gestão de um banco seja da responsabilidade dos seus accionistas ou administradores, já que a ideia de Merkel passa igualmente por impor haircuts nas poupanças dos clientes bancários. Para esclarecer as dúvidas, horas mais tarde, Jeroen Dijsselbloem veio esclarecer definitivamente a nova posição oficial de Bruxelas: “Se houver risco num banco, a nossa primeira questão deve ser: ‘Ok, o que é que vocês no banco estão a fazer em relação a isso? O que podem fazer para se recapitalizarem?’ Se o banco não o puder fazer, vamos falar com os accionistas e os obrigacionistas, vamos pedir-lhes que contribuam para recapitalizar o banco e, se necessário, aos detentores de depósitos não garantidos.” Cinco horas depois destas declarações e de as bolsas da Europa e dos EUA terem caido estrondosamente, o presidente do Eurogrupo tentou emendar a mão, segundo a agência Efe, ao dizer que Chipre, afinal, é um  caso único. Seja como for,  simplificando: os bancos que a partir de agora precisarem de dinheiro, como aconteceu em meados de 2012 com o BPI, o BCP e a Caixa Geral de Depósitos, já não poderão contar com empréstimos públicos, devendo ir buscar o dinheiro de que precisam às contas dos seus clientes com mais de 100 mil euros – de salientar que no caso português ainda sobra alguma da verba da troika para recapitalização de bancos, pelo que a nova postura de Bruxelas não é ainda uma ameaça iminente aos depósitos na banca nacional. “Esta é uma abordagem que penso que, agora que saímos do clímax da crise, devemos adoptar consequentemente”, apontou ainda o líder do Eurogrupo.

As declarações de Merkel e de Dijsselbloem conseguiram fazer implodir o efeito positivo que a resolução da situação cipriota estava a ter nos mercados financeiros, bolsistas e cambiais. As quedas nos mercados bolsistas foram especialmente sentidas nos títulos financeiros, com bancos a desvalorizar até 6,21% em poucas horas. Os mais afectados foram precisamente os títulos de Itália e Espanha, países com o sector bancário no fio da navalha –  o governo espanhol até ao momento já foi chamado a injectar 37,7 mil milhões de euros na banca. A bolsa espanhola caiu 2,27%, com o Santander a recuar 3,24% e o Popular a cair 2,87%. A banca portuguesa não foi excepção: o BCP caiu 3,77%, para 0,102 euros, o BES desvalorizou 4,43%, para 0,863 euros, e o BPI desceu 2,4%, para 1,056 euros.

Fuga de capitais A Europa impôs a Chipre que obrigasse accionistas, obrigacionistas e depositantes com contas acima de 100 mil euros a pagar a reestruturação da banca do país, que passa pelo encerramento do Laiki, o segundo maior banco, e pelo saneamento e a recapitalização, suportada também pelos depositantes, do Banco de Chipre. Além disto, a troika irá ainda disponibilizar 10 mil milhões de euros ao governo local, que, em contrapartida, vai ter de avançar com privatizações e subir a taxa do IRC de 10% para um mínimo de 12,5%.

Esta solução, que estava a ser vista como uma opção de recurso a aplicar apenas no caso específico de Chipre, foi ontem transformada em modelo definitivo a seguir no futuro pela Europa por Angela Merkel e Jeroen Dijsselbloem, isto quando ainda há várias situações de alto risco, sobretudo na banca espanhola. Em Espanha, aliás, só nos últimos dois anos fugiram 288 mil milhões de euros em depósitos no país, 15% do total, graças aos receios da evolução da crise. Com a ameaça europeia de pôr qualquer depositante com mais de 100 mil euros a pagar os efeitos da má gestão da crise bancária europeia e da dívida nas contas dos bancos, esta fuga de capitais poderá intensificar--se nas próximas semanas, em Espanha, Itália ou mesmo em toda a Europa.

Para o novo presidente do Crédito Agrícola, Licínio Pina, a decisão europeia para o caso cipriota não foi mais “do que subverter património” aos clientes bancários e pode “ser perigosa” com o risco de “contágio na zona euro”. “Estão a capitalizar-se os bancos para garantir que os depósitos que confiaram podem ser resgatados a qualquer momento e isto pôs tudo em causa. Foi uma medida pouco pensada, sobretudo nos montantes garantidos pelos sistemas de garantia de depósitos”, comentou ontem. 

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