terça-feira, 23 de julho de 2013

Furacão: Os primeiros acusados - Sociedade - Sol

Furacão: Os primeiros acusados - Sociedade - Sol

Um consultor residente em Inglaterra e que é o ‘pai’ do esquema de fuga ao Fisco, seis advogados e dois consultores que o coadjuvaram e aos clientes, um ex-administrador e dois ex-directores do Finibanco que disponibilizavam o serviço aos clientes do banco para pagarem menos impostos, seis empresas e 14 aderentes individuais, entre os quais uma actriz e um piloto de automóveis.
São estes os 30 arguidos da primeira acusação deduzida pelo Ministério Público (MP) no âmbito da Operação Furacão, ao fim de nove anos de investigação, sendo que os crimes em causa, de fraude fiscal qualificada, foram praticados entre 2001 e 2007, prejudicando o Estado em 40 milhões de euros.
A acusação foi deduzida há cerca de um mês pelos procuradores Rosário Teixeira e Ana Catalão, do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), estando a decorrer o prazo para os arguidos contestarem e pedirem a abertura de instrução. Além da responsabilização penal, o MP pede que sejam obrigados a pagar ao Estado 28 milhões de euros, no total, correspondentes aos impostos em falta ainda não regularizados (de IRC, IVA e IRS).
Finatlantic e Finibanco
O primeiro arguido é o consultor Diogo Viana, de 61 anos, que criou o grupo Finatlantic em 1993, na Irlanda. Um ano depois a Finatlantic já operava em Portugal, disponibilizando «serviços de consultoria fiscal a clientes, incluindo serviços que passavam pela utilização de sociedades não residentes no país de origem dos clientes». Estes serviços «incluíam a montagem de estruturas societárias destinadas a práticas que visavam gerar vantagens fiscais para os seus clientes».
A investigação, através de perícias e auditorias efectuadas essencialmente pela Inspecção Tributária, cruzou milhares de informações, relativas a centenas de empresas, contas bancárias e facturação. A acusação centra-se nos factos ainda não prescritos, entre 2001 e 2007 – ano em que o esquema praticamente deixou de ser usado, devido à investigação criminal, havendo porém provas de que foi usado desde finais dos anos 90.
Na prática, a Finatlantic criava sociedades de fachada, na Irlanda e no Reino Unido, que beneficiavam de um regime fiscal favorável por terem como objecto social transacções com empresas sedeadas em zonas offshore. Essas sociedades emitiam facturas de serviços fictícios a empresas em Portugal, com os valores que estas quisessem, permitindo-lhes contabilizá-las como custos e diminuir a matéria colectável.
Recebidas as facturas, as firmas portuguesas enviavam o dinheiro para a Irlanda e Reino Unido, onde as sociedades de fachada o transferiam para empresas igualmente criadas pela Finatlantic em zonas offshore e que tinham como últimos beneficiários os sócios das empresas portuguesas. Estes ficavam com fundos de maneio em contas bancárias offshore. Viana cobrava uma comissão entre 5% e 7,5% sobre o valor das transferências entre Reino Unido/Irlanda e as offshores. As zonas offshore utilizadas foram as mais diversas: Ilhas Virgens Britânicas, Panamá, Delaware (EUA), Belize, Turcos e Caiacos, S. Vicente e Grenadinas, Bahamas e Ilhas Caimão, entre outras. Aqui, as taxas de imposto são muito mais baixas que em Portugal, ou mesmo inexistentes, além de os regimes bancários e comerciais serem confidenciais, com reduzidas obrigações em termos de prestação de contas.
Para disponibilizar aos clientes em Portugal o lucro assim obtido, Diogo Viana, que já tivera intervenção na fundação do Banco Insular de Cabo Verde (depois comprado pelo BPN), criou neste arquipélago o Banco Fiduciário internacional (BFI).
Desde 2001, pelo menos, que o Finibanco, então controlado pela família Costa Leite, era um intermediário dos serviços da Finatlantic, disponibilizando-os aos melhores clientes do banco. Esta decisão, diz a acusação, foi tomada e posta em prática pelo então administrador Mário Ferraz Azevedo e pelos directores do departamento de Private Bankin, Mário Morgadinho Grosso e António Ferreira Brochado – todos agora acusados. Por outro lado, o Finibanco também lucrava com o negócio: fidelizava clientes, aumentava os seus depósitos e ainda cobrava uma comissão de 10% sobre o valor pago pelos clientes à Finatlantic. E para poder receber essas comissões sem as ter de declarar ao Fisco em Portugal, o Finibanco era ele próprio cliente de Diogo Viana e da Finatlantic, recorrendo ao mesmo circuito de sociedades e offshores.
Marina Mota envolvida
Com Diogo Viana colaboraram os advogados Tiago Vaz de Mascarenhas (filho de José Vaz de Mascarenhas, que presidiu ao Insular de Cabo Verde, o banco ‘oculto’ do BPN, por onde passavam os negócios e os activos tóxicos), Pedro Calisto e João Nunes Mendes, e Ana Espadinha, todos acusados. Os outros arguidos que tiveram intervenção, angariando clientes ou beneficiando do esquema, são os advogados João Coelho de Pinho, Cândida Fernandes e Fernando Correia da Silva, a actriz Marina Mota, o piloto de automóveis Fernando Amorim, Paulo Soares Mateus (gestor), os empresários Júlio Figueiredo, Durvalino Neto, Maria José Neto, Raimundo Durão, Fernando Sousa Duarte e Nuno Pombo, e ainda Ricardo Vargas (psicólogo), Maria Joaquina Patriarca (consultora), Fernando Pombo e Carlos Patrício Dias (engenheiros).
No caso de Marina Mota, estão em causa 980 mil euros de IRS, IRC e IVA que não pagou e por isso é acusada, bem como a sua produtora. O esquema foi-lhe ‘vendido’ pelo advogado João Coelho de Pinho e serviu para ocultar do Fisco o que a TVI lhe pagou, em 2003, pelos programas Bora Lá Marina e As Pupilas do Senhor Doutor, bem como a indemnização da estação, quando rescindiu o contrato, e ainda o produto da venda de dois imóveis que vendeu (por valores maiores do que os declarados nas escrituras).
O piloto Fernando Amorim tornou-se cliente da rede também através de Coelho de Pinho. Usou o esquema em seu benefício e da sua empresa (a Circuitos e Imagem), e desenvolveu-o para outras firmas, lesando o Estado em 4,6 milhões de euros. «Actuou visando aproveitar-se da justificação dos acordos de patrocínio que celebrava com terceiros para produzir e oferecer a esses terceiros facturas (…), onde fazia constar preços que sabia não corresponderem à verdade», salienta o MP.
Há ainda um engenheiro e um empresário, Fernando e Nuno Pombo (pai e filho), que usaram as suas empresas (CPSO e Coltemp) para desenvolver o esquema junto de clientes, tendo resultado um prejuízo de 22 milhões de euros para o Estado – cerca de metade do que foi apurado no conjunto dos arguidos.

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