quinta-feira, 25 de julho de 2013

Contrato encriptado de empreiteiros prometeu lucros a autarca da Amadora | iOnline - Notícias de Portugal, Mundo, Economia, Desporto, Boa Vida, Opinião e muito mais.

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PJ descobriu documento que tinha "Joaquim Raposo" escrito a letra branca. Noutros registos, nome de autarca era substituído por "Cabeças" e "Tira-Olhos"

À primeira vista, a declaração que os investigadores encontraram no escritório da construtora Urbidoismil, em que os dois proprietários prometiam ceder um terço dos lucros de investimentos urbanísticos, não revelava o nome do beneficiário. Mas só à primeira vista. Os inspectores da Polícia Judiciária (PJ) descobriram que o documento estava "encriptado": o nome da pessoa que, não sendo sócia da empresa, iria alegadamente ter direito a 33,3% dos lucros, estava lá, mas invisível. Os caracteres do nome do visado tinham sido escritos em letra branca, razão pela qual eram indecifráveis na folha da mesma cor. Foi preciso alterar a cor de letra do ficheiro para descobrir que afinal havia um visado naquele documento: Jorge Moreira Raposo, presidente da Câmara Municipal da Amadora, investigado durante 11 anos por suspeitas de corrupção e tráfico de influências na autarquia. O caso, como o iavançou em primeira mão, acabou arquivado em Dezembro do ano passado.
A mensagem codificada fez crescer as suspeitas da PJ de que o autarca estaria implicado num esquema montado entre construtores e funcionários da câmara para que determinados projectos avançassem em troca de contrapartidas. No entanto, como os documentos originais nunca foram encontrados, o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), como o i adiantou em Janeiro, entendeu que aqueles não eram suficientes para concluir que o acordo "tinha efectivamente sido celebrado", porque eram "meras cópias" e não tinham a assinatura do autarca.
Durante as buscas aos escritórios da empresa de Vítor Leitão e Eduardo Santos, foram encontrados três documentos intitulados "Declaração de Comparticipação": dois tinham exactamente o mesmo teor, só que um estava assinado pelos empresários em papel e outro era um ficheiro informático ainda sem assinaturas. Na primeira declaração, com data de 29 de Março de 1999, os dois sócios da Urbidoismil declaravam terem adquirido vários terrenos na Amadora para serem urbanizados e cediam um terço das mais valias a alguém cuja identidade não é revelada. Na segunda, com a data de 13 de Março de 2000, os empresários declaravam que nessa data já tinha sido aprovada pela Câmara da Amadora uma urbanização num terreno em A-da-Beja e planeavam levar à aprovação da autarquia mais dois loteamentos na Serra de Carnaxide. Tal como na declaração do ano anterior prometiam ceder ao beneficiário "ou a quem este" indicasse 33,3% dos lucros daqueles empreendimentos e de "todos os terrenos e empreendimentos" que a Urbidoismil viesse "a desenvolver" no futuro. O espaço do beneficiário vinha em branco, mas os investigadores descobriram que bastava mudar o tipo de letra para que aparecesse o nome de Joaquim Raposo.
No relatório intercalar da PJ, datado de Julho de 2005, e que consta dos autos do processo que o consultou, os inspectores dizem ter "fortes indícios de que o terceiro interveniente nessas declarações" e beneficiário da percentagem seria mesmo o presidente da autarquia. E dão duas justificações para a ocultação do seu nome: ou se queria esconder a "identidade desse beneficiário dos olhos de curiosos, dado o seu melindre" ou a declaração tinha sido impressa com esses espaços em branco para que, já com a assinatura dos dois sócios, fosse entregue ao autarca para que ele a assinasse. A PJ desconfiava que os originais das declarações estariam na posse de Raposo, mas como nada tinha sido encontrado nas suas casas e gabinete, pediu uma segunda ronda de buscas a casas de outros familiares. As suspeitas de que um cunhado do autarca poderia estar implicado no esquema fortaleceram-se com as escutas telefónicas: diz o relatório que, no dia a seguir à publicação de um artigo "comprometedor" n "O Independente", a 8 de Maio de 2004, Olga Raposo, mulher do autarca, terá ligado ao irmão Luís para lhe transmitir que Raposo queria falar com ele à noite, em privado, lá em casa, porque tinha uns livros de economia para lhe entregar.
100 MIL EUROS Além das escutas, também os registos da contabilidade da Urbidoismil comprometiam o autarca. Os inspectores suspeitaram que um movimento de débito de cerca de 100 mil euros (99.759,58 euros), designado nos apontamentos da empresa por "entrada sócios", teria sido a primeira tranche recebida por Raposo depois de assinada a primeira declaração de cedência de um terço dos lucros. O movimento tinha data de 27 de Julho de 1999. Em Março tinha sido assinada a primeira declaração e em Abril tinha sido constituída a empresa. "Daí que essa gratificação possa eventualmente revestir um pagamento a J.R", escrevia a PJ.
Entre estes documentos foram ainda encontrados registos de alegadas despesas de representação que favoreciam o autarca ou a mulher deste: uma prenda para Olga, no valor de cerca de 125 euros, em Janeiro de 2001, e o pagamento de um almoço ao autarca no valor de 873 euros, por altura do seu aniversário, sete meses depois. Nalguns casos, o nome do autarca está substituído por expressões que os investigadores concluíram ser as suas alcunhas: Cabeças e Tira-olhos.
tentou obter um esclarecimento de Joaquim Raposo através da Câmara da Amadora, mas não teve resposta.
PJ pediu a detenção de 14 suspeitos, mas DCIAP recusou
No relatório intercalar de Julho de 2005, em que a Polícia Judiciária (PJ) resumiu toda a prova que já tinha reunido contra funcionários da câmara da Amadora, o seu presidente, construtores e funcionários do Ministério do Ambiente, era pedido ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) que fosse feita mais uma ronda de buscas e ordenada a detenção de 14 suspeitos.
A 13 de Julho, o departamento então liderado por Cândida Almeida concordou com as buscas e adiou “uma tomada de posição sobre as demais diligências”. Um dia depois, recusou fazer as detenções: os indícios recolhidos ainda não eram suficientes, a prisão preventiva era “desproporcionada” e não havia perigo de fuga ou de continuação da actividade criminosa porque se aproximava “um acto eleitoral”.
Os inspectores da PJconcluíram ter indícios suficientes do envolvimento de 14 pessoas num esquema de corrupção, falsificação de documentos, abuso de poder e eventual tráfico de influências que visava a aprovação de projectos urbanísticos em troca de contrapartidas. Invocando que a prova mostrava que teriam agido “com dolo”, que aqueles crimes eram punidos com mais de três anos de prisão, que alguns dos suspeitos continuavam a exercer “a sua actividade profissional pública” e havia “perigo de perda de elementos documentais” importantes para o processo, a PJ sugeria que fossem detidos Joaquim Raposo, presidente da Câmara da Amadora, dois vereadores (um do PS, outro da CDU), um jurista e outros funcionários da Câmara, um assessor da Câmara Municipal de Sintra que tinha trabalhado na autarquia e três funcionários do Ministério do Ambiente, entre eles Fernanda Vara, à data directora da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT).
Os procuradores Antonieta Borges e Rosário Teixeira – que viria a abandonar o processo – desvalorizaram as declarações de cedência de lucros e a “contabilidade paralela” encontrada na sede da Urbidoismil. Depois de criticarem o relatório policial por repetir expressões como “ao que tudo indica” ou “depreende-se”, os magistrados do MP concluíram que aqueles tinham uma eficácia “probatória” diminuta: “As conclusões da PJ são legítimas e podem vir a confirmar-se mas, para já, mostram-se assentes em ficheiros informáticos, não assinados e encontrados na posse de terceiros diferentes dos funcionários visados”. Prova “bastante” para suportar as detenções seriam “indícios inequívocos da obtenção de contrapartidas financeiras”.
Os procuradores rejeitaram ainda que houvesse perigo de fuga ou de continuação da actividade criminosa: “Tanto mais que nesta fase em que se aproxima um acto eleitoral, as atenções da opinião pública estão centradas sobre as condutas dos principais suspeitos”.
De todo o rol de argumentos invocado pela PJ, o DCIAP apenas concordou com o perigo de perda de prova. Ainda assim, argumentou que esse perigo só seria afastado se fosse aplicada prisão preventiva. E essa era “desproporcionada face à análise dos indícios” reunidos.

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