Cromossoma que causa a síndrome de Down foi desligado no laboratório - PUBLICO.PT
Pela primeira vez, uma equipa de cientistas conseguiu silenciar um dos três cromossomas 21, que é responsável pela síndrome de Down. Este resultado poderá ajudar a desenvolver novos tratamentos.
As pessoas com trissomia 21 têm uma esperança de vida mais baixa ADRIANO MIRANDA (ARQUIVOA espécie humana tem 46 cromossomas. Um desvio deste número mágico dá, na maior parte das vezes, mau resultado. A trissomia 21 é um desses exemplos. Quem nasce com síndrome de Down tem três cromossomas 21, em vez de dois, o que causa uma série de complicações fisiológicas e uma capacidade cognitiva limitada. Agora, pela primeira vez, uma equipa de cientistas conseguiu no laboratório desligar este cromossoma a mais em células de pessoas com trissomia 21. Os resultados são publicados nesta quarta-feira na edição onlineda revistaNaturee prometem trazer uma nova compreensão sobre esta doença que pode resultar em terapias.“Para as pessoas que vivem com a síndrome de Down, a nossa esperança é que a demonstração deste conceito abra vários caminhos para estudar este problema e torne possível pensar em investigar no futuro uma ‘terapia cromossómica’”, explica Jeanne Lawrence, da Escola Médica da Universidade do Massachusetts, nos EUA, que liderou este projecto.É ainda uma realidade a muito longo prazo, que parece para já um cenário impossível. Só se consegue detectar que um feto tem um cromossoma 21 a mais a partir da 12ª semana de gestação. E qualquer terapia só é possível após o nascimento, quando muitos problemas já estão presentes. Por se conhecer tão pouco da doença, não se sabe hoje que efeitos teria um tratamento nessa altura.Mas é talvez nisso que, para já, esta descoberta pode ajudar: compreender como é que um simples cromossoma 21 a mais nas células provoca problemas cognitivos, o início precoce da doença de Alzheimer, um aumento de risco de leucemia na infância, defeitos no coração, no sistema imunitário ou endócrino, que fazem diminuir a esperança de vida.Em muitos casos, a causa da trissomia 21 começa antes da fecundação, quando se produzem as células sexuais que vão dar origem a um indivíduo com esta síndrome.Os 46 cromossomas humanos são oriundos das células sexuais dos nossos pais que se juntam na fecundação. O ovócito tem 23 cromossomas — classificados desde o cromossoma um até ao 22, mais o cromossoma sexual feminino X. O espermatozóide carrega outros 23 cromossomas — que, além dos 22 cromossomas, inclui o cromossoma sexual X ou Y, que define se o embrião vai ser uma mulher (XX) ou um homem (XY).No caso da trissomia 21, uma das células sexuais traz, em vez de um, dois cromossomas 21. Isto acontece durante a produção dos espermatozóides ou dos ovócitos. Quando ocorrem as divisões celulares para se produzirem estas células, os 46 cromossomas têm de passar equitativamente a metade, mas às vezes a separação não é bem feita e o espermatozóide ou o ovócito acabam por ficar com um cromossoma a mais.A síndrome de Down é das trissomias mais comuns, um em cada 800 recém-nascidos tem-na, mas também existem trissomias dos cromossomas sexuais e dos cromossomas 13 e 18.O cromossoma 21 é o mais pequeno dos 22 cromossomas não sexuais. O nosso genoma tem 20.000 genes que comandam o fabrico de proteínas diferentes, além de muitos mais genes que controlam a actividade ao nível do ADN e tornam possível que um ser humano se desenvolva a partir de uma célula. Estes genes estão distribuídos pelos vários cromossomas em longas sequências de ADN. O cromossoma 1 carrega 2073 genes que codificam proteínas, já o cromossoma 21 tem apenas 242 genes.Por isso, no caso de pessoas com trissomia 21, as suas células estarão a produzir estas 242 proteínas em mais quantidade. De uma forma simplificada, a grande questão é saber quando é que o excesso de uma proteína A no tecido B está a provocar o problema C numa pessoa com síndrome de Down.Jeanne Lawrence e colegas ainda estão um passo atrás da resolução desse problema. A equipa conseguiu fazer com que um dos três cromossomas 21 deixasse de activar os seus genes. Para tal, serviu-se de um fenómeno que já acontece nas células de todas as mulheres e imitou-o.Ainda que as mulheres tenham dois cromossomas sexuais X, só precisam de um activo (nos homens, o cromossoma Y tem os genes que garantem o desenvolvimento dos seus órgãos sexuais). Nas mulheres, logo no início do desenvolvimento embrionário, um dos dois cromossomas X activa o gene XIST, produzindo uma molécula de ARN. É este ARN que prende este cromossoma X em vários locais como um cadeado, impedindo-o de funcionar. Assim, só um dos cromossomas X funciona quando o embrião se desenvolve.A equipa serviu-se do gene XIST para fazer o mesmo em células de pessoas com síndrome de Down. Através de engenharia genética, reprogramaram essas células adultas, transformando-as em células estaminais. E inseriram aí o gene XIST num dos cromossomas 21. Quando o gene começou a funcionar, este cromossoma ficou silenciado, não activando os genes. Estas células passaram a ter uma actividade genética semelhante às células com 46 cromossomas.De seguida, forçaram essas células estaminais a tornarem-se neurónios, para comparar o seu desenvolvimento quando tinham três cromossomas 21 ou quando um dos três cromossomas estava silenciado por este novo método. Os resultados mostraram que os neurónios com o cromossoma desligado multiplicavam-se mais e agrupavam-se de forma mais organizada. “Agora temos uma ferramenta poderosa para identificar e estudar as patologias e as vias celulares que estão a ser condicionadas pela sobre expressão do cromossoma 21”, explica Jeanne Lawrence.Para João Pinho da Silva esta descoberta “é um avanço muito grande”, mas “ainda é cedo para se prever o que pode acontecer no organismo”, explica o médico geneticista do Instituto de Biologia Molecular e Celular do Porto. “Num bebé com trissomia 21, alguns dos problemas já estão instalados e não sabemos se uma terapia [que surja desta investigação] poderá reverter os sintomas ou impedir o seu avanço.”
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