sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Aplicar castigos promove cooperação entre países face às alterações do clima - PUBLICO.PT

Jogando um "jogo" matemático, cientistas portugueses concluem que é preciso sancionar os países que não aderem aos acordos climáticos. Mas, para funcionarem, as sanções devem ser aplicadas por agências locais
As alterações climáticas acarretam eventos meteorológicos extremos cada vez mais frequentesO matemático Jorge Pacheco AFP

Há anos que as Nações Unidas tentam convencer os governos do mundo a investir no combate ao aquecimento global - com os medíocres resultados que se conhecem. E se em vez desta abordagem "de cima para baixo", a lógica fosse outra? Se fossem criadas entidades mais locais, com objectivos mais realistas - e que punissem os incumpridores? Num artigo recentemente publicadona revista Nature Climate Change, três cientistas portugueses testaram esta hipótese através de um "jogo" de computador. E concluem que um esquema "de baixo para cima" seria capaz de promover mais eficazmente a cooperação espontânea e generalizada de todos.
O problema com o aquecimento global é que muitos países consideram que o risco de sobrevir uma catástrofe climática é ainda longínquo e até incerto. Por isso, mesmo perante as conclusões contundentes do último relatório divulgado em Setembro pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas - que conclui que o aquecimento global é um fenómeno real, que a culpa pelas alterações climáticas é nossa, que, lá para 2050, os efeitos das alterações climáticas poderão tornar-se definitivos - não se sentem obrigados a agir já.
Jorge Pacheco e Francisco Santos, do Instituto para a Investigação Interdisciplinar da Universidade de Lisboa, já tinham desenvolvido um modelo matemático para simular a evolução da cooperação entre países num cenário como este, em que o "bem comum" está em causa.
O "jogo" consistia em modelizar uma população e observar, ao longo do tempo, quantas das pessoas que no início não queriam cooperar mudavam de ideias e decidiam assinar um acordo para travar o aquecimento global. Os cientistas tinham concluído, em 2011, que as cimeiras do clima nunca conseguiriam fomentar a cooperação dos governos, propondo uma abordagem alternativa: que a discussão em matéria de alterações climáticas se desenrolasse ao nível regional e não mundial.
Agora, juntamente com o seu colega Vítor Vasconcelos, quiseram ver se seria possível aplicar medidas concretas para promover essa cooperação internacional e salvar o planeta de nós próprios. Para isso, introduziram no modelo matemático - para além dos "cooperadores" (os que investem no bem comum) e dos "incumpridores" (os que se recusam a fazê-lo) do modelo anterior -, uma terceira população: a dos "castigadores". Ou seja, pessoas que investem no combate ao aquecimento global e ao mesmo tempo financiam uma instituição encarregada de punir os incumpridores.
"No novo estudo", disse ao PÚBLICO Jorge Pacheco, "quisemos ver em que condições é que instituições capazes de punir os que não cumprem podem contribuir para resolver o problema do aquecimento global. E verificámos que as instituições à escala global, como a ONU, não servem para nada (ou para muito pouco)". Porém, salienta o cientista, "as instituições locais, criadas por grupos de países (ou províncias, ou estados, ou regiões) para supervisionar o acordo a que chegaram [entre eles] e punir os que não o respeitem poderão ser muito mais eficientes e promover uma cooperação à escala global."
De facto, quando simularam a evolução das três populações (cooperadores, incumpridores e castigadores), os cientistas constataram que, quando a percepção do risco é pouco aguda e a consciência do perigo difusa - como é hoje o caso em relação às questões climáticas -, as instituições locais são mais duradouras do que as globais, o que lhes permite continuar a exercer a sua autoridade.
Numa primeira fase, mesmo quando a instituição que aplica as sanções é global, escrevem, "o número de castigadores ultrapassa rapidamente o de incumpridores, conduzindo a uma situação de total cooperação. Porém, uma vez esta situação instalada, o número de cooperadores ultrapassa por sua vez o de castigadores, que passam então a suportar uma estrutura que se tornou inútil." E, na medida em que o risco de catástrofe não é visto como premente, o investimento necessário para manter a instituição supervisora global torna-se difícil de justificar e a instituição torna-se "instável".
Mas o mesmo já não acontece quando a entidade supervisora é de âmbito mais local, revela o modelo. Neste caso, lê-se ainda no artigo, a evolução da cooperação muda radicalmente e "a população estabiliza-se em configurações onde um substancial número de castigadores e de cooperadores consegue impedir uma invasão de incumpridores", preservando, de forma mais sustentável, o nível de cooperação atingido.
Num artigo na mesma revista, Alessandro Tavoni, da Escola de Economia de Londres, considera que os resultados são uma "boa notícia". O mais importante, escreve, é que estes resultados mostram que "a ameaça de sanções ao nível nacional poderá estimular investimentos destinados a evitar as alterações climáticas catastróficas." E conclui: "Para operar as transformações tecnológicas e comportamentais necessárias para evitar um aquecimento potencialmente catastrófico [do planeta], as acções unilaterais ao nível local irão desempenhar um papel crucial. Resta saber se a conjunção de todos estes esforços será suficiente para garantir que a linha de segurança climática não seja ultrapassada".


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