sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Sobrevivencialistas, o mundo vai acabar e eles estão preparados - Mundo - PUBLICO.PT

Sobrevivencialistas, o mundo vai acabar e eles estão preparados - Mundo - PUBLICO.PT

Catástrofes naturais, atentados terroristas, ataques atómicos. Tudo pode acontecer à América e há homens e mulheres prontos para sobreviverem ao pior dos cenários de caos e violência. Um dos seus mentores é um veterano congressista de Maryland. Ele já tem a sua cabana.

Bem no interior dos bosques da Virginia Ocidental, numa pequena cabana alimentada pela energia solar e eólica, um homem grisalho está a fazer uma visita guiada da sua cave filmada em vídeo, descrevendo técnicas de preservação de alimentos a longo prazo para o caso de "uma emergência".

"Não pensamos nisto hoje em dia, porque é tão conveniente ir ao supermercado", avisa. "Mas, sabem, é melhor planear, porque o supermercado pode nem sempre estar ali."

A rede eléctrica pode falhar amanhã, avisa o homem com frequência. A comida desapareceria das prateleiras. A água deixaria de correr nos canos. O dinheiro deixaria de ter valor. As pessoas podiam voltar-se umas contra as outras e milhões morreriam.

Este tipo de preocupação são típicas dos chamados "sobrevivencialistas", um movimento nacional difuso de pessoas que defendem a auto-suficiência para fazer face a desastres naturais ou provocadas pelo homem. Na Net ou em pessoa, juntam-se em encontros para discutir as melhores maneiras para se prepararem para o pior.

O que é atípico é que o dono desta cabana seja Roscoe Bartlett, o veterano congressista de Maryland. Ao longo das últimas duas décadas, ganhou um grupo de seguidores por ser um dos primeiros políticos eleitos do país a defender o estado de prontidão para enfrentar a qualquer momento o juízo final, apelando inclusive aos mais de 80% de americanos que vivem em cidades para se mudarem.

"Há um número de acontecimentos que pode criar uma situação nas cidades em que a guerra civil pode ser muito provável", prevê Bartlett num documentário intitulado Urban Danger e onde ficamos a conhecer a sua cave. "E penso que aqueles que podem e aqueles que compreendem têm que tirar vantagem da oportunidade, enquanto estes ventos de discórdia não estão a soprar, e devem mudar as suas famílias para longe das cidades."

Bartlett, de 86 anos, é cientista, engenheiro e agricultor. As sondagens dizem que vai deixar de ser o segundo congressista mais velho dos EUA, já que enfrenta uma derrota certa nas eleições de Novembro.

Mas a possibilidade de uma derrota eleitoral não parece ter mudado o seu objectivo: alertar os americanos para um futuro carregado de perigos. No dia 30 de Setembro, quase um mês antes das eleições, vai estar em Spokane, no estado de Washington, no Norte dos EUA, a quilómetros de distância do seu distrito eleitoral, para dar uma conferência na Exposição de Prontidão Sustentável.

Bartlett, que recusou ser entrevistado para este artigo, reuniu-se recentemente com um grupo de "peritos sobrevivencialistas" no Congresso para apresentar uma proposta legislativa que apela "a todos os cidadãos para desenvolverem um plano de emergência para se prepararem para a ausência de assistência governamental de longa duração" e para as comunidades se tornarem capazes de fornecer 20% da sua energia, alimentos e água em caso de necessidade.

A rede eléctrica, todos concordaram, é vulnerável a desastres naturais e a ataques terroristas. "Esta é possivelmente a ameaça mais séria que os Estados Unidos enfrentam actualmente, porque estamos absolutamente mal preparados para ela", disse Richard Andres, professor catedrático na Universidade de Defesa Nacional.

A rede de energia pode ficar de rastos de quatro maneiras, explicou Bartlett: ataques terroristas em subestações eléctricas, ciberataques, uma enorme tempestade solar ou um ataque feito com um pulso electromagnético.

Lições de auto-suficiência

Durante décadas, Bartlett alertou para os perigos de um ataque EMP - uma detonação nuclear na atmosfera que poderia destruir computadores e tudo o que tivesse um circuito eléctrico - nos seus textos, em legislação e em discursos pela noite fora no Congresso. Mas os peritos divergem sobre a seriedade da ameaça, alguns considerando que o perigo é real, outros entendendo que um ataque destes é improvável e os seus potenciais efeitos permanecem uma incógnita.Num outro encontro sobre energias renováveis, organizado pelo seu gabinete, Bartlett mencionou Um Segundo Depois, e perguntou: "Quantos de vocês leram o livro?" E voltou a fazer a mesma pergunta num evento recente no Congresso.

O livro, uma ficção, imagina um ataque EMP contra os Estados Unidos, centrando-se nos esforços para sobreviver de um grupo de residentes de uma pequena localidade montanhosa da Carolina do Norte. Um Segundo Depois foi escrito por William R. Forstchen, que também é conhecido por escrever novelas históricas contrafactuais a meias com o antigo speaker do Congresso Newt Gingrich.

Forstchen prestou homenagem a Bartlett, "um verdadeiro funcionário público", nos agradecimentos do seu livro, e Bartlett devolveu o elogio, inserindo uma declaração nos Registos do Congresso de 2009 que aconselha os americanos a lerem Um Segundo Depois.

Bartlett começou a interessar-se pelas questões da "prontidão" durante a Guerra Fria, quando era normas pessoas e empresas construírem abrigos subterrâneos para o caso de um ataque nuclear. No entanto, parece que ninguém estava a pensar no que fazer a seguir. "Quando saírem dos abrigos, o que é que fazem?", perguntou Bartlett.

Os avisos do congressista não estão necessariamente repletos de medo; o cientista parece encarar a auto-suficiência como um puzzle que tem que ser montado, ao mesmo tempo que mostra um evidente orgulho na eficiência da sua cabana de Virginia Ocidental. "É muito divertido enfrentar este desafio: o que é que eu tenho de fazer para ficar independente do sistema?", pergunta no documentário Urban Danger.

Bartlett comprou a sua propriedade na Floresta Nacional de Monongahela em 1980. A principal atracção na cozinha é um fogão a lenha que também aquece a casa e a água. Há ainda um pequeno fogão a gás propano para ser utilizado, "enquanto houver gás propano", e uma bomba manual que puxa água de um furo.

Em America"s Cities, um outro documentário sobre temas semelhantes, Bartlett cita o consultor financeiro e escritor Howard Ruff - uma influente figura entre os "sobrevivencialistas" -, que disse que "o melhor investimento que pode ser feito" é ter reservas para um ano de alimentos para toda a família, e o "segundo melhor investimento" é ter uma reserva de moedas de prata e jóias no valor de mil dólares para lidar com uma emergência.

Bartlett é um devoto Adventista do Sétimo Dia e um membro activo da sua congregação em Frederick. Quando entrou para o Columbia Union College, queria ser pastor, mas depois escolheu ser cientista. Tal como ele, muitas das pessoas que aparecem nos dois documentários são adventistas. O gabinete de Bartlett confirmou que os produtores dos filmes se associaram ao congressista por partilharem a mesma fé.

A ideia de que o fim do mundo está perto, e de que as pessoas serão julgadas, é uma das crenças dos adventistas. "Está no centro da sua fé", explica Ronald Numbers, professor da Universidade de Wisconsin especialista nesta religião. Mas só um pequeno número de adventista se prepara para o fim dos tempos, mudando-se para locais remotos e armazenando comida, sublinha o professor. Mas para o velho congressista o estilo de vida que a sua cabana lhe proporciona é ideal, independentemente de um desastre se abater sobre a Terra.

"Não tenho televisão, e o rádio também não se apanha muito bem aqui... Nunca o ligamos", diz Bartlett em America"s Cities. "Gosto de estar isolado. E deixo-vos uma pergunta: se o mundo se desmoronar, eu aqui não saberei de nada, pois não?" Exclusivo PÚBLICO/Washington Post

Nenhum comentário:

Postar um comentário