terça-feira, 28 de agosto de 2012

Não é só coisa de algumas famílias. Toda a política é genética | iOnline

Não é só coisa de algumas famílias. Toda a política é genética | iOnline

Se o homem é por natureza um animal político, como descreveu Aristóteles, como é que ainda existiam dúvidas de que a genética influencia a forma como assumimos uma ideologia ou mesmo a predisposição para um activismo cívico? Um novo artigo científico publicado ontem avisa que já há estudos suficientes para que esta causa natural das diferenças entre indivíduos ao nível dos comportamentos políticos deixe de ser ignorada. Dois investigadores da Universidade Estatal da Pensilvânia e da Universidade Brown, nos EUA, fizeram uma revisão de todos os estudos feitos desde os anos 70 e concluem que quase todas as dimensões políticas do homem são influenciadas por predisposições genéticas.
Segundo a análise, há mesmo características do comportamento político, como o autoritarismo ou a participação eleitoral, em que as influências genéticas parecem ter um peso maior do que a educação ou experiências ao longo da vida (ver texto ao lado). Portanto, ao contrário do que sugere o senso comum de hoje – como é costume da ciência mais vanguardista –, os genes políticos não são coisa só de algumas famílias. Na Grécia antiga, Aristóteles esteve contudo perto do veredicto. É com o trecho do livro I da “Política” do filósofo que Peter Hatemi e Rose McDermott abrem o artigo publicado na revista “Trends in Genetics”, para mostrar que problema foi a falta de atenção da ciência contemporânea ao tema. “A declaração de Aristóteles é citada para enfatizar a importância da política na natureza humana, mas uma argumentação mais completa implica qualquer coisa mais profunda acerca da interconexão intrínseca entre ser humano e ser político. (...) Historicamente, as ciências da vida não têm dado importância a esta ligação e ignoraram a política, focando-se na melhoria da saúde humana”, escrevem. Mas se “as doenças e psicopatologias afectam apenas uma fracção da população, a política afecta toda a gente. Todas as pessoas têm atitudes e valores. No conjunto, moldam estruturas, instituições e culturas que guiam as regras da sociedade, incluindo como os recursos são distribuídos, as leis que controlam discriminação, sexo, casamento, reprodução e decisões sobre guerra e paz. As desigualdades que resultam destas escolhas contribuem para inúmeras disparidades.”
Hatemi e McDermott defendem que se a atitude política a nível individual é influenciada por factores genéticos, as decisões que tomamos colectivamente acabam por ser também. É aqui que vêem “implicações reais” para esta linha de pensamento, que agora já tem literatura científica suficiente para deixar de ser considerada um movimento alternativo. Um exemplo de atitudes políticas condicionadas por predisposições genéticas são as relativas à imigração, destacam no artigo. Um estudo em 2006 associou medo, etnocentrismo e atitudes face a grupos estranhos a influências genéticas ligadas ao medo de micróbios e outras fobias. Já este ano, Hatemi e uma outra equipa da Universidade do Minnesota concluíram que as correlações encontradas entre o níveis de medo social e atitudes face à imigração partilham factores genéticos comuns. “Estamos a ver um despertar nas ciências sociais e o muro que dividia política e genética está a começar a cair”, disse em comunicado Peter Hatemi. “Isto tem implicações reais para a redução da discriminação, política externa, saúde pública, mudanças de atitude e muitos outros assuntos políticos.”
nos primórdios Segundo a recolha, já foram identificados 18 genes candidatos a terem algum papel na predisposição para atitudes políticas. Apesar do entusiasmo com que dão conta deste campo emergente – “a genética da política” – os autores admitem que vivemos ainda os primórdios e que não há nada mais errado do que pensar-se que algum dia se vai descobrir um gene para cada característica, o que vêem como a típica arma de arremesso dos críticos. “A maioria dos investigadores considera que as características politicas são influenciadas por milhares de marcadores genéticos tanto indirectamente como através de interacções entre numerosos estímulos ambientais. Em contraste, muitas críticas são feitas em resposta a uma visão de que as características politicas seriam características mendelianas, governadas por um único gene ou um conjunto pequeno de genes.” Os autores rejeitam mesmo que este cenário algum dia venha a ser real, mesmo com a genética cada vez mais avançada: “Certamente não há um gene para o liberalismo ou outra característica. Pelo contrário, quaisquer que seja as influências genéticas provavelmente manifestam-se através dos processos racionais, emotivos e cognitivos”.
No essencial, escrevem, o que mudou na última década foi ter-se derrubado a ideia de que os genes não poderiam influenciar o comportamento, o contínuo debate natureza vs cultura. “As crescentes interacções na sociedade eram consideradas um fenómeno demasiado recente e contextual para ser moldado por forças evolutivas ou influenciado por diferenças biológicas. Cultura e natureza eram vistos como forças separadas e opostas”, explicam. Hoje, 40 anos depois das primeiras publicações, concluem, os resultados mostram que “as influências genéticas representam uma proporção substancial de diferenças individuais em características políticas.”
Agora que a área está estabelecida, acreditam que há uma linha de continuidade com as primeiras comunidades primitivas que sustenta a evolução das predisposições genéticas para a política até às sociedades complexas de hoje. “O que é a imigração se não um assunto em torno dos grupos estranhos? Leis sobre o casamento, direitos gays são sobre sexo. A falha última da política, guerra, está entre os maiores receios humanos. Os tópicos fundamentais de interesse nas ciências da vida, clínicas ou sociais estão interligados e a conversa entre ciência política e genética está a começar a desemaranhar esse modelo.”

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