quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Portugal colaborou activamente com os voos da CIA | iOnline

Portugal colaborou activamente com os voos da CIA | iOnline

Apesar dos desmentidos oficiais de vários governos, houve mais de 115 escalas em território português.

Pelo grau de secretismo do programa da CIA de detenções e “rendições extraordinárias” (rapto de pessoas, sem julgamento, entregues a governos estrangeiros para ser torturadas) de suspeitos de terrorismo, Amrit Singh recorreu a notícias, investigações de ONG e aos documentos de alguns tribunais estrangeiros para compilar o relatório “Globalização da Tortura”. O documento de 213 páginas redigido pela investigadora da Open Society Foundation (organização de defesa dos direitos humanos com base em Nova Iorque) foi publicado ontem e de imediato fez correr tinta nos media internacionais. É o primeiro que implica directamente 54 países no programa posto em marcha secretamente pela administração de George W. Bush depois dos atentados de 11 de Setembro de 2001.
Da lista de países que “cooperaram” com os EUA consta Portugal, ao qual Singh dedica duas páginas do relatório e onde é referido que o país “permitiu o uso do seu espaço aéreo e dos seus aeroportos nas operações de rendição extraordinária da CIA”.
Além de serem identificadas 115 paragens de voos secretos nos aeroportos do Porto, de Santa Maria e na base das Lajes entre 2002 e 2006, o relatório cita as rendições extraordinárias “facilitadas” sob jurisdição portuguesa de Muhammad Farag Ahmed Bashmilah, Salah Nasser Salim Ali Qaru, Hassan bin Attash, Maher Arar, Abou Elkassim Britel e de outros “prisioneiros fantasma não identificados”.
As informações não são novidade, sublinha a eurodeputada Ana Gomes, que em 2007 enviou uma extensa denúncia à Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o caso, que conduziu à abertura de um processo (encerrado em 2009 por “falta de provas”). “Não há nada de novo neste relatório”, disse ontem ao i, sublinhando contudo que o documento é mais uma prova de que, “tal como os crimes do regime nazi, isto nunca será enterrado”.
Países como a Austrália e a Suécia já deram início a processos de responsabilização e compensações pelos seus papéis no processo. Outros, como Itália, a Macedónia e a Alemanha, têm levado a cabo julgamentos de agentes dos seus serviços secretos e da CIA pelas acções nos seus territórios. Pelo contrário, Portugal permanece em silêncio e inactivo.
Em 2010, depois do encerramento do processo pela PGR e perante a divulgação de telegramas dos EUA pela WikiLeaks a envolverem Portugal, o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado (PS), voltou a desmentir “qualquer participação” (o i não conseguiu chegar à fala com Amado ontem).
“Em Portugal obviamente não houve vontade política nenhuma, nem do PS nem dos partidos de direita, e o procurador-geral, não obstante os trabalhos da procuradoria, decidiu enterrar o assunto. Imagino que só no dia em que uma das vítimas venha pedir compensações a Portugal é que isto se vai de- senvolver, e aí apoiarei essa pessoa”, diz Ana Gomes, explicando que ainda em 2012 visitou instalações na Lituânia e na Polónia que serviram de prisões secretas da CIA.
No relatório, Singh sublinha que a rede global criada pela secreta americana – sob a qual centenas de suspeitos foram torturados e detidos sem direito a julgamento – nunca teria sido eficaz sem a ajuda dos 54 governos, lista da qual – “surpreendentemente”, dizia o “The Guardian” – não constam França nem Israel.
“Não há dúvida de que há altos funcionários da administração Bush que têm responsabilidade por autorizarem violações de direitos humanos e que a impunidade de que têm gozado é motivo de preocupação extrema até hoje”, escreve a investigadora. “Mas a responsabilidade por estas violações não se esgota nos EUA. As operações de detenções secretas e rendições extraordinárias, concebidas para serem levadas a cabo fora dos EUA em sigilo total, não poderiam ter sido realizadas sem a participação activa de governos estrangeiros. Esses governos também devem ser responsabilizados.”

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