Leis laborais portuguesas já são mais flexíveis do que na China - Economia - Sol
Reforma da troika vai fazer com que Portugal desça no ranking de flexibilidade da OCDE, para perto da média. Mas este índice pode não ser um retrato fiel da evolução do mercado de trabalho: peritos nacionais temem que as mudanças não tenham os efeitos desejados.
Nos Estados Unidos, um trabalhador pode ser despedido sem aviso prévio ou indemnização. No limite, o ‘adeus’ do empregador pode até chegar por telefone, já que apenas é necessária uma «notificação escrita ou oral», segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que aponta este país como o mais flexível nas relações laborais.
No espectro oposto está a Turquia, a economia mais rígida. Os despedimentos têm de ser comunicados ao Ministério do Trabalho, as agências de trabalho temporário são proibidas – à excepção de tarefas sazonais na agricultura – e até a utilização de contratos a prazo tem restrições.
Pelo meio, mas ainda assim numa posição cimeira no ranking de protecção do emprego da OCDE, está Portugal. A regulação dos despedimentos colectivos e das agências de trabalho temporário é permissiva, mas a dificuldade em concretizar despedimentos individuais colocava o país como um dos mais proteccionistas da OCDE em 2009, o último ano de actualização da listagem da organização internacional.
Mas este cenário vai mudar. Com a reforma laboral ao abrigo da troika, foram introduzidas múltiplas mudanças na legislação nacional. Os despedimentos individuais por inadaptação e extinção de posto de trabalho foram facilitados, e as indemnizações foram reduzidas.
Na próxima revisão do indicador da OCDE – o método de comparação de legislação laboral mais disseminado a nível internacional – Portugal deverá descer no grau de protecção ao emprego. «A minha suposição é a de que as alterações posicionarão Portugal na média dos países da OCDE. Mas isto apenas no que se refere aos trabalhadores permanentes», adianta ao SOL Maria da Conceição Cerdeira, docente no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
A OCDE avançou ao SOL que irá actualizar o indicador na segunda metade deste ano, mas o relatório anual da Organização Internacional do Trabalho (OIT) já indica que Portugal terá sido o segundo país que mais reduziu a protecção do emprego entre 2009 e 2011, a seguir à Roménia, com as primeiras mudanças da troika.
Reservas face à reforma
Se as estimativas da OIT se confirmarem, Portugal deverá ultrapassar o grau de flexibilidade da China e da Eslovénia, que mantiveram ou até subiram o grau de protecção dos trabalhadores, nesse período. Na China, as indemnizações por despedimento dão direito a um mês de salário por cada ano de antiguidade.
A utilização do indicador da OCDE como medida do desempenho do mercado de trabalho tem, porém, gerado reticências junto de muitos economistas, já que não mostra os efeitos das regras laborais no emprego, desemprego ou na chamada dualização do mercado (a diferença de protecção entre contratos permanentes e contratos a prazo ou recibos verdes).
É por isso que a simples descida no ranking da OCDE não significa que a reforma laboral seja vista com agrado. Maria da Conceição Cerdeira reconhece que a legislação portuguesa era «demasiado proteccionista para os que tinham vínculo contratual permanente» e que «há muito se deveria ter introduzido alguma flexibilidade para evitar a progressiva dualização».
No entanto, entende que a flexibilização devia estar associada a instrumentos de protecção do trabalhador, como «verdadeiras políticas activas de emprego» que facilitassem a transição entre postos de trabalho, à semelhança do modelo dinamarquês. «Isto não foi feito. E veio a ser imposto do exterior da pior forma, ou seja, sem a criação de medidas de protecção e num contexto económico de grande recessão», diz, criticando o momento em que foi feita a reforma.
Diz que poderá levar a um aumento dos despedimentos e do desemprego a curto prazo, antes dos efeitos de longo prazo: facilidade de ajustamento da mão-de-obra pelas empresas e atitudes mais pró-activas dos trabalhadores.
Mário Centeno, um dos principais investigadores do mercado de trabalho em Portugal, também tem reservas. Num ensaio publicado este ano pela Fundação Francico Manuel dos Santos, o director-adjunto do Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal frisa que o acordo de concertação social, que promoveu as alterações no subsídio de desemprego e na legislação laboral, «não foi capaz de mostrar que melhorará de forma inequívoca a eficiência do mercado».
O autor afirma que o tempo passado à procura de consensos nas reformas laborais «resultou sempre numa penalização dos trabalhadores, empresas e contribuintes». E «as 38 páginas que acompanham as alterações na legislação laboral e subsídio de desemprego do acordo de concertação social de Janeiro de 2012 são apenas mais um exemplo dessa sobrecarga fiscal», escreve.
Centeno defende antes uma visão integrada do mercado de trabalho e critica os «velhos do Restelo», que se opõem à correcção dos problemas estruturais da economia, estando apenas abertos a «mudanças avulsas». Segundo este economista, para reduzir a dualização e o desemprego estrutural, devia caminhar-se para um contrato único de trabalho menos proteccionista, abolindo os contratos a prazo. Outro eixo seriam as compensações mais generosas aos trabalhadores em caso de despedimento, mas com o aumento dos períodos de aviso prévio e experimental.
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