Desenho da medida torna demasiado evidente a sua intenção, concordam economistas. Mas Portugal pode ser viável no euro sem corte de salários?
Jogo político à parte, o debate económico de fundo sobre a polémica medida de alívio da Taxa Social Única para as empresas financiado pelo salário dos trabalhadores (a “desvalorização fiscal”) pode ser resumido a uma pergunta: a economia portuguesa é viável na zona euro a médio prazo sem um corte significativo e rápido de salários? O debate entre economistas sobre a questão crucial está longe de ser consensual, mas há união aparente num ponto – como está desenhada, a intenção dura da medida do governo para cortar salários é demasiado evidente e politicamente inviável.
“Para um economista até pode ser uma medida que faz sentido, não tão diferente assim de uma desvalorização cambial competitiva”, afirma ao i um especialista que defende a necessidade incontornável de baixar salários (“ser contra é como ser contra a gravidade”). “Mas o custo da inflação não é tão directamente associado ao poder político – com esta medida a intenção é totalmente evidente, o que a inviabiliza social e politicamente. É muito difícil de explicar”, acrescenta.
A economista e ex-ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite considera que a medida da TSU tem um impacto enorme na “percepção das pessoas” – por oposição a uma menos transparente desvalorização cambial, como em 1983 –, acrescentando que “a percepção é crucial” (a medida não é igual a uma desvalorização cambial acusam o críticos – ver texto ao lado). O economista Jorge Bateira, que está contra o corte, concorda. “Estas medidas têm que ser feitas contra a vontade das pessoas e quando se tornam demasiado evidentes levam à rejeição”, sublinha. “No caso português mudou a percepção das pessoas sobre a narrativa moralizadora de pagar as dívidas e tirou do banho-maria o mantra inicial do “empobrecimento” como arma para competirmos externamente”.
Anunciada primeiro de forma vaga pelo governo, depois com mais informação, o evidente corte salarial permanente no privado para financiar as empresas acabou por ser recebido como um choque – e uma surpresa por um país que já tinha sido avisado várias vezes da necessidade de baixar salários.
“Sabíamos que tínhamos que cortar salários em Portugal, não devia ser uma surpresa”, defende Francesco Franco, economista na Faculdade de Economia da Universidade Nova e principal estudioso (e defensor) da ideia da desvalorização fiscal (embora financiada pelo IVA).
Os alertas mais mediáticos para a necessidade de uma dura baixa salarial surgiram ainda no final de 2006 quando Olivier Blanchard – hoje o economista-chefe do FMI – veio a uma conferência organizada pelo Banco de Portugal alertar para o desequilíbrio externo do país e defender uma medida drástica: um corte médio de pelo menos 10% nos salários nominais (uma magnitude semelhante ao que está em causa com a polémica medida da Taxa Social Única). Desde então outros economistas estrangeiros e portugueses – do insuspeito Paul Krugman a Vítor Bento, passando por José da Silva Lopes e o ministro Vítor Gaspar – avisaram repetidamente para a necessidade de cortar salários em Portugal.
Mas é preciso cortar salários? Para a troika, o governo e uma parte dos economistas o corte é inevitável. Para estes especialistas as medidas rápidas com impacto sobre o emprego e a competitividade são sempre salariais – sem mais armas para ser flexível no euro, a economia portuguesa não tem condições para pagar a trajectória de subida de salários nos últimos 10 anos sem sofrer de falta de competitividade e de desemprego recorde.
Para a troika – e para o governo – a resistência salarial no privado (“o ajustamento tem sido feito sobretudo no sector público”, aponta Franco) está a travar o ajustamento pretendido. A troika tem acesso a números da Segurança Social que mostram que apenas os novos contratos estão a ser fixados com valores mais baixos (já pressionados pelo desemprego) e que pelo menos 45% dos trabalhadores têm o salário base (protegido por lei) congelado. A medida da TSU teria, por isso, um duplo sentido: estancar o desemprego e dar um choque temporário de competitividade.
Mas do outro lado da barricada há discordância profunda com este caminho. “O problema só se pode resolver gradualmente e é por isso que estes programas de choque são um erro”, afirma o economista João Ferreira do Amaral. “Outro problema é pensar que o emprego só depende dos salários, quando depende basicamente na procura interna”.
Na área do PSD mais próxima de Cavaco Silva o pensamento não é muito diferente o que explica em parte a rota de colisão entre governo e Belém – para Ferreira Leite, por exemplo, “a melhoria da nossa competitividade é uma questão fundamental, mas não é necessariamente obtida através da baixa de salários”, afirma Manuela Ferreira Leite numa entrevista recente ao i. “É e deve ser obtida através de uma melhoria de produtividade”, acrescenta.
Mais à esquerda, Jorge Bateira rejeita o choque pela via salarial, realçando que “há estudos que desmentem a correlação entre custos laborais e exportações, que dependem mais da combinação entre o sector que exporta e do mercado para onde exporta”. Bateira reconhece, contudo, que dizer simplesmente “não” à redução de salários é “curto”. “A economia portuguesa precisa de qualquer coisa para poder relançar-se – a dúvida é se consegue fazê-lo sem política industrial e cambial”.
Jogo político à parte, o debate económico de fundo sobre a polémica medida de alívio da Taxa Social Única para as empresas financiado pelo salário dos trabalhadores (a “desvalorização fiscal”) pode ser resumido a uma pergunta: a economia portuguesa é viável na zona euro a médio prazo sem um corte significativo e rápido de salários? O debate entre economistas sobre a questão crucial está longe de ser consensual, mas há união aparente num ponto – como está desenhada, a intenção dura da medida do governo para cortar salários é demasiado evidente e politicamente inviável.
“Para um economista até pode ser uma medida que faz sentido, não tão diferente assim de uma desvalorização cambial competitiva”, afirma ao i um especialista que defende a necessidade incontornável de baixar salários (“ser contra é como ser contra a gravidade”). “Mas o custo da inflação não é tão directamente associado ao poder político – com esta medida a intenção é totalmente evidente, o que a inviabiliza social e politicamente. É muito difícil de explicar”, acrescenta.
A economista e ex-ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite considera que a medida da TSU tem um impacto enorme na “percepção das pessoas” – por oposição a uma menos transparente desvalorização cambial, como em 1983 –, acrescentando que “a percepção é crucial” (a medida não é igual a uma desvalorização cambial acusam o críticos – ver texto ao lado). O economista Jorge Bateira, que está contra o corte, concorda. “Estas medidas têm que ser feitas contra a vontade das pessoas e quando se tornam demasiado evidentes levam à rejeição”, sublinha. “No caso português mudou a percepção das pessoas sobre a narrativa moralizadora de pagar as dívidas e tirou do banho-maria o mantra inicial do “empobrecimento” como arma para competirmos externamente”.
Anunciada primeiro de forma vaga pelo governo, depois com mais informação, o evidente corte salarial permanente no privado para financiar as empresas acabou por ser recebido como um choque – e uma surpresa por um país que já tinha sido avisado várias vezes da necessidade de baixar salários.
“Sabíamos que tínhamos que cortar salários em Portugal, não devia ser uma surpresa”, defende Francesco Franco, economista na Faculdade de Economia da Universidade Nova e principal estudioso (e defensor) da ideia da desvalorização fiscal (embora financiada pelo IVA).
Os alertas mais mediáticos para a necessidade de uma dura baixa salarial surgiram ainda no final de 2006 quando Olivier Blanchard – hoje o economista-chefe do FMI – veio a uma conferência organizada pelo Banco de Portugal alertar para o desequilíbrio externo do país e defender uma medida drástica: um corte médio de pelo menos 10% nos salários nominais (uma magnitude semelhante ao que está em causa com a polémica medida da Taxa Social Única). Desde então outros economistas estrangeiros e portugueses – do insuspeito Paul Krugman a Vítor Bento, passando por José da Silva Lopes e o ministro Vítor Gaspar – avisaram repetidamente para a necessidade de cortar salários em Portugal.
Mas é preciso cortar salários? Para a troika, o governo e uma parte dos economistas o corte é inevitável. Para estes especialistas as medidas rápidas com impacto sobre o emprego e a competitividade são sempre salariais – sem mais armas para ser flexível no euro, a economia portuguesa não tem condições para pagar a trajectória de subida de salários nos últimos 10 anos sem sofrer de falta de competitividade e de desemprego recorde.
Para a troika – e para o governo – a resistência salarial no privado (“o ajustamento tem sido feito sobretudo no sector público”, aponta Franco) está a travar o ajustamento pretendido. A troika tem acesso a números da Segurança Social que mostram que apenas os novos contratos estão a ser fixados com valores mais baixos (já pressionados pelo desemprego) e que pelo menos 45% dos trabalhadores têm o salário base (protegido por lei) congelado. A medida da TSU teria, por isso, um duplo sentido: estancar o desemprego e dar um choque temporário de competitividade.
Mas do outro lado da barricada há discordância profunda com este caminho. “O problema só se pode resolver gradualmente e é por isso que estes programas de choque são um erro”, afirma o economista João Ferreira do Amaral. “Outro problema é pensar que o emprego só depende dos salários, quando depende basicamente na procura interna”.
Na área do PSD mais próxima de Cavaco Silva o pensamento não é muito diferente o que explica em parte a rota de colisão entre governo e Belém – para Ferreira Leite, por exemplo, “a melhoria da nossa competitividade é uma questão fundamental, mas não é necessariamente obtida através da baixa de salários”, afirma Manuela Ferreira Leite numa entrevista recente ao i. “É e deve ser obtida através de uma melhoria de produtividade”, acrescenta.
Mais à esquerda, Jorge Bateira rejeita o choque pela via salarial, realçando que “há estudos que desmentem a correlação entre custos laborais e exportações, que dependem mais da combinação entre o sector que exporta e do mercado para onde exporta”. Bateira reconhece, contudo, que dizer simplesmente “não” à redução de salários é “curto”. “A economia portuguesa precisa de qualquer coisa para poder relançar-se – a dúvida é se consegue fazê-lo sem política industrial e cambial”.
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