Irregularidades e dívidas na junta de Lisboa levaram ao isolamento do presidente. Nem o seu partido – PSD – o ouve.
Às 15 horas, a Junta de São Jorge de Arroios, em Lisboa, abriu após a hora do almoço. Encolhido, junto a uma das mesas da secretaria, está um homem atormentado. “Se vocês não me pagarem o que devem vou ter de fechar a minha empresa e mandar quem trabalha para mim embora. Preciso de outra resposta, estou desde Junho à espera”, insiste o dono de uma empresa de transportes que este Verão levou crianças e idosos daquela freguesia até à praia. O que o empresário pede são cerca de oito mil euros, “que já deveriam ter sido pagos” e seriam suficientes para evitar o despedimento, a falência e o desespero.
A angústia deste empresário, que preferiu manter anonimato, repete-se com muitos outros fornecedores desta junta. Ao todo, o buraco financeiro de São Jorge de Arroios ascende a cerca de 100 mil euros, dos quais 32 mil são dívidas a fornecedores. O presidente, João Taveira – em exercício desde 2005 – garante que faz tudo pelo bem de quem o elegeu, mas há quem no seu próprio partido (PSD) o acuse de má gestão e abuso de poder. A extinta Inspecção Geral da Administração Local entregou ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) em 2010 um relatório que dava conta de vários indícios do crime de peculato por parte do executivo. João Taveira justifica: “Isso é uma tentativa de me deitar abaixo, eu sou uma vítima.”
Nos últimos anos, a Junta de São Jorge de Arroios tem atravessado tempos atribulados: alegadas falsificações de assinaturas e de facturas, irregularidades na composição do executivo em exercício e ocultação de documentos. A descoberto só mesmo a conta bancária, cujos juros chegam a atingir os 1600 euros por ano.
No epicentro desta tempestade está o presidente João Taveira, que se diz abandonado pelo seu partido e ainda perseguido pelos antigos membros do executivo. Arroios é hoje uma junta de freguesia sem orçamento aprovado, com atrasos nos salários dos funcionários ou com dívidas à Caixa Geral de Aposentações. Mas para perceber como é que esta junta chegou a esta situação será preciso percorrer várias etapas e recuar ao ano de 2005.
2005-2009: o mandato que dividiu o PSD
No primeiro mandato de João Taveira em São Jorge de Arroios, o tesoureiro do executivo era Rodrigo Neiva Lopes, também do PSD e o homem que mais tarde viria a ser o seu maior inimigo político. Em 2009, antes da reeleição, João Taveira diz ter-se apercebido de algumas irregularidades com o tesoureiro – que, entretanto, deixou o cargo – e lhe intentou um processo-crime. “A culpa do buraco de 80 mil euros que existia em 2009 é dele”, acusa ao i João Taveira. Mas não é isso que a Inspecção Geral da Administração Local considera num relatório elaborado em 2010, cujas conclusões foram já entregues ao DCIAP. O documento revela existirem indícios de o presidente ter cometido o crime de peculato.
O relatório realça ainda que foram encontradas facturas falsificadas, como, por exemplo, algumas de combustível, cujo valor era de 120 euros, o que é difícil uma vez que em causa estavam veículos ligeiros. Além disso, há a factura de um jantar de funcionários que ascende a mais de mil euros. Para todas essas incongruências, o presidente tem uma única justificação: “Só pode ter sido o então tesoureiro a fazer isso.” Porém, há outras irregularidades apontadas neste relatório, como o facto de as funcionárias terem sido aparentemente promovidas de forma irregular.
2009-2013: só o presidente manda na junta
Após um primeiro mandato atribulado, João Taveira é reeleito, mas o seu executivo começa logo a fragmentar-se. Saem Maria João Mestre, Isabel Rico e António Vergueiro e o executivo fica reduzido a dois elementos: o presidente e um secretário. “Deixou de haver quórum mínimo, porque para isso era preciso existirem pelo menos três pessoas, e portanto, deixaram de se poder reunir”, contou ao i João Veríssimo, actual presidente da mesa da assembleia, do partido socialista. A situação piorou ainda mais quando em Novembro do ano passado, o secretário também saiu de cena. O executivo passou a ser apenas o presidente João Taveira.
No início de Setembro, a oposição à esquerda decide abster-se quanto à formação de um novo executivo e é aprovada uma lista com quatro nomes. João Taveira consegue por algumas horas recuperar um executivo convencional, até que um dos membros sai por sofrer de alzheimer (este membro é do CDS e o partido já havia informado sobre estes problemas mentais). Depois de um parecer solicitado pelo presidente da Mesa da Assembleia à Associação Nacional de Freguesias foram detectadas algumas irregularidades no processo e agora terá de haver uma reeleição nos próximos dias.
Orçamento não aprovado
As juntas de freguesia têm dois tipos de financiamento, neste caso, São Jorge de Arroios recebe mais de 600 mil euros do fundo de financiamento de freguesias – para pagar os serviços mínimos – a que se acrescem os montantes que resultam de protocolos com a câmara municipal. Porém, como a Assembleia não ratificou em 2010 e 2011 os protocolos de reparação de estradas e de reposição e manutenção de sinais, a câmara não injectou qualquer verba para esse fim. Segundo João Veríssimo é inviável que a ratificação destes protocolos ocorra este ano, porque se referem “a um tempo já passado”. Contactado um membro do PS, este frisou também que não lhe parece que venha a existir ratificação este ano de protocolos de anos passados: “Estamos na assembleia para ratificar o que respeita a 2013”.
No entanto, para o presidente essa questão nem se coloca: “Estes protocolos vão a assembleia para serem assinados de cruz, ninguém, em lado nenhum, deixa de assinar estes protocolos mesmo que sejam de anos anteriores e é assim que deve ser. Fazem-no aqui para me prejudicar e ver se eu caio.” Sobre o de 2012, como não há orçamento aprovado – em 2011 o executivo estava com uma estrutura irregular e não podia sequer fazer um orçamento – a câmara não poderá disponibilizar a verba correspondente a esse protocolo.
Ordenados em atraso e conta negativa
Na conta da Caixa Geral de Depósitos caem sistematicamente cheques sem cobertura e só em 2012 a junta pagou juros no montante de 1600 euros. Desde Setembro que os funcionários vão notando a falta de dinheiro. Naquele mês não receberam e em Outubro só lhes foi transferido o ordenado no dia 19. O presidente defende: “Eu também só recebi quando eles receberam.” Mas para João Veríssimo tudo isto demonstra uma “má gestão dos recursos no que refere às despesas com o pessoal” e “a violação clara de algumas das regras básicas” por parte deste executivo.
Assinaturas falsas
No Ministério Público foi apresentada uma queixa no início de 2011 por parte de um ex-membro do executivo e actual membro da assembleia de freguesia que garante ter visto a sua assinatura falsificada. Isabel Rico, membro do segundo executivo de Taveira, diz que o presidente terá falsificado a sua assinatura e já informou as autoridades. Segundo a sua versão, existem provas do local onde estava à data e hora da acta que aparece assinada por ela.
Dívidas à CGA
Uma parte significativa das dívidas da freguesia de São Jorge de Arroios é à Caixa Geral de Aposentações. Segundo um email interno a que o i teve acesso, em Julho a dívida ultrapassava os 45 mil euros e actualmente cifra-se um pouco acima dos 25 mil.
Preocupações sociais
Apesar das irregularidades, de que é acusado por membros da Assembleia de Freguesia, João Taveira faz um balanço positivo dos seus mandatos e diz preocupar-se sobretudo com o lado social de tudo o que faz: “Oferecemos médico grátis aos mais carenciados, cuidados de medicina chinesa e até uma farmácia social.” As necessidades da população da sua freguesia estão sempre presentes na sua gestão – assegura o presidente – mas o certo é que, por exemplo, essa garantia não é suficiente para o dono da empresa de transportes que foi à junta cobrar uma dívida para evitar o despedimento dos seus funcionários. “E não volte cá segunda-feira porque não devo ter nenhuma resposta. Não me parece que a câmara nos dê a tranche que precisamos para lhe pagar nos próximos dias”, disse a responsável pela contabilidade, segundos antes de o empresário sair porta fora.
Às 15 horas, a Junta de São Jorge de Arroios, em Lisboa, abriu após a hora do almoço. Encolhido, junto a uma das mesas da secretaria, está um homem atormentado. “Se vocês não me pagarem o que devem vou ter de fechar a minha empresa e mandar quem trabalha para mim embora. Preciso de outra resposta, estou desde Junho à espera”, insiste o dono de uma empresa de transportes que este Verão levou crianças e idosos daquela freguesia até à praia. O que o empresário pede são cerca de oito mil euros, “que já deveriam ter sido pagos” e seriam suficientes para evitar o despedimento, a falência e o desespero.
A angústia deste empresário, que preferiu manter anonimato, repete-se com muitos outros fornecedores desta junta. Ao todo, o buraco financeiro de São Jorge de Arroios ascende a cerca de 100 mil euros, dos quais 32 mil são dívidas a fornecedores. O presidente, João Taveira – em exercício desde 2005 – garante que faz tudo pelo bem de quem o elegeu, mas há quem no seu próprio partido (PSD) o acuse de má gestão e abuso de poder. A extinta Inspecção Geral da Administração Local entregou ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) em 2010 um relatório que dava conta de vários indícios do crime de peculato por parte do executivo. João Taveira justifica: “Isso é uma tentativa de me deitar abaixo, eu sou uma vítima.”
Nos últimos anos, a Junta de São Jorge de Arroios tem atravessado tempos atribulados: alegadas falsificações de assinaturas e de facturas, irregularidades na composição do executivo em exercício e ocultação de documentos. A descoberto só mesmo a conta bancária, cujos juros chegam a atingir os 1600 euros por ano.
No epicentro desta tempestade está o presidente João Taveira, que se diz abandonado pelo seu partido e ainda perseguido pelos antigos membros do executivo. Arroios é hoje uma junta de freguesia sem orçamento aprovado, com atrasos nos salários dos funcionários ou com dívidas à Caixa Geral de Aposentações. Mas para perceber como é que esta junta chegou a esta situação será preciso percorrer várias etapas e recuar ao ano de 2005.
2005-2009: o mandato que dividiu o PSD
No primeiro mandato de João Taveira em São Jorge de Arroios, o tesoureiro do executivo era Rodrigo Neiva Lopes, também do PSD e o homem que mais tarde viria a ser o seu maior inimigo político. Em 2009, antes da reeleição, João Taveira diz ter-se apercebido de algumas irregularidades com o tesoureiro – que, entretanto, deixou o cargo – e lhe intentou um processo-crime. “A culpa do buraco de 80 mil euros que existia em 2009 é dele”, acusa ao i João Taveira. Mas não é isso que a Inspecção Geral da Administração Local considera num relatório elaborado em 2010, cujas conclusões foram já entregues ao DCIAP. O documento revela existirem indícios de o presidente ter cometido o crime de peculato.
O relatório realça ainda que foram encontradas facturas falsificadas, como, por exemplo, algumas de combustível, cujo valor era de 120 euros, o que é difícil uma vez que em causa estavam veículos ligeiros. Além disso, há a factura de um jantar de funcionários que ascende a mais de mil euros. Para todas essas incongruências, o presidente tem uma única justificação: “Só pode ter sido o então tesoureiro a fazer isso.” Porém, há outras irregularidades apontadas neste relatório, como o facto de as funcionárias terem sido aparentemente promovidas de forma irregular.
2009-2013: só o presidente manda na junta
Após um primeiro mandato atribulado, João Taveira é reeleito, mas o seu executivo começa logo a fragmentar-se. Saem Maria João Mestre, Isabel Rico e António Vergueiro e o executivo fica reduzido a dois elementos: o presidente e um secretário. “Deixou de haver quórum mínimo, porque para isso era preciso existirem pelo menos três pessoas, e portanto, deixaram de se poder reunir”, contou ao i João Veríssimo, actual presidente da mesa da assembleia, do partido socialista. A situação piorou ainda mais quando em Novembro do ano passado, o secretário também saiu de cena. O executivo passou a ser apenas o presidente João Taveira.
No início de Setembro, a oposição à esquerda decide abster-se quanto à formação de um novo executivo e é aprovada uma lista com quatro nomes. João Taveira consegue por algumas horas recuperar um executivo convencional, até que um dos membros sai por sofrer de alzheimer (este membro é do CDS e o partido já havia informado sobre estes problemas mentais). Depois de um parecer solicitado pelo presidente da Mesa da Assembleia à Associação Nacional de Freguesias foram detectadas algumas irregularidades no processo e agora terá de haver uma reeleição nos próximos dias.
Orçamento não aprovado
As juntas de freguesia têm dois tipos de financiamento, neste caso, São Jorge de Arroios recebe mais de 600 mil euros do fundo de financiamento de freguesias – para pagar os serviços mínimos – a que se acrescem os montantes que resultam de protocolos com a câmara municipal. Porém, como a Assembleia não ratificou em 2010 e 2011 os protocolos de reparação de estradas e de reposição e manutenção de sinais, a câmara não injectou qualquer verba para esse fim. Segundo João Veríssimo é inviável que a ratificação destes protocolos ocorra este ano, porque se referem “a um tempo já passado”. Contactado um membro do PS, este frisou também que não lhe parece que venha a existir ratificação este ano de protocolos de anos passados: “Estamos na assembleia para ratificar o que respeita a 2013”.
No entanto, para o presidente essa questão nem se coloca: “Estes protocolos vão a assembleia para serem assinados de cruz, ninguém, em lado nenhum, deixa de assinar estes protocolos mesmo que sejam de anos anteriores e é assim que deve ser. Fazem-no aqui para me prejudicar e ver se eu caio.” Sobre o de 2012, como não há orçamento aprovado – em 2011 o executivo estava com uma estrutura irregular e não podia sequer fazer um orçamento – a câmara não poderá disponibilizar a verba correspondente a esse protocolo.
Ordenados em atraso e conta negativa
Na conta da Caixa Geral de Depósitos caem sistematicamente cheques sem cobertura e só em 2012 a junta pagou juros no montante de 1600 euros. Desde Setembro que os funcionários vão notando a falta de dinheiro. Naquele mês não receberam e em Outubro só lhes foi transferido o ordenado no dia 19. O presidente defende: “Eu também só recebi quando eles receberam.” Mas para João Veríssimo tudo isto demonstra uma “má gestão dos recursos no que refere às despesas com o pessoal” e “a violação clara de algumas das regras básicas” por parte deste executivo.
Assinaturas falsas
No Ministério Público foi apresentada uma queixa no início de 2011 por parte de um ex-membro do executivo e actual membro da assembleia de freguesia que garante ter visto a sua assinatura falsificada. Isabel Rico, membro do segundo executivo de Taveira, diz que o presidente terá falsificado a sua assinatura e já informou as autoridades. Segundo a sua versão, existem provas do local onde estava à data e hora da acta que aparece assinada por ela.
Dívidas à CGA
Uma parte significativa das dívidas da freguesia de São Jorge de Arroios é à Caixa Geral de Aposentações. Segundo um email interno a que o i teve acesso, em Julho a dívida ultrapassava os 45 mil euros e actualmente cifra-se um pouco acima dos 25 mil.
Preocupações sociais
Apesar das irregularidades, de que é acusado por membros da Assembleia de Freguesia, João Taveira faz um balanço positivo dos seus mandatos e diz preocupar-se sobretudo com o lado social de tudo o que faz: “Oferecemos médico grátis aos mais carenciados, cuidados de medicina chinesa e até uma farmácia social.” As necessidades da população da sua freguesia estão sempre presentes na sua gestão – assegura o presidente – mas o certo é que, por exemplo, essa garantia não é suficiente para o dono da empresa de transportes que foi à junta cobrar uma dívida para evitar o despedimento dos seus funcionários. “E não volte cá segunda-feira porque não devo ter nenhuma resposta. Não me parece que a câmara nos dê a tranche que precisamos para lhe pagar nos próximos dias”, disse a responsável pela contabilidade, segundos antes de o empresário sair porta fora.
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