Ajuda de Portugal e de outros países não evitou massacre de 3 milhões de cristãos que lutavam pela independência da Nigéria.
Chinua Achebe é um lendário escritor africano, nascido em 1930, na região oriental da Nigéria, denominada Biafra durante o período da secessão e declaração de independência da Nigéria, em 1967.
Agora, aos 82 anos, resolveu contar a sua visão pessoal do drama do Biafra, esse breve país que deixou de existir em 1970, num livro acabado de dar à estampa com o título “There Was a Country”.
Achebe tornou-se produtor da Nigerian Broadcasting Corporation em 1954, onde permaneceu da independência do país ao massacre dos Ibos, em 1966, que desencadeou a secessão do Biafra no ano seguinte.
O conflito começou com um primeiro golpe de estado na Nigéria (1966). Achebe tinha acabado de escrever “Um Homem do Povo”, no qual imaginava um golpe de estado militar que derruba um governo civil corrupto. “Tratou-se de uma mera coincidência, em que a ficção imitou a realidade. Mas os líderes militares entenderam que eu devia ter tido alguma coisa a ver com o golpe”, recorda o escritor. Achebe fugiu da capital, Lagos, e juntou-se aos rebeldes do líder biafrense Emeka Ojukwu, que declarou a independência unilateral do Biafra a 30 de Maio de 1967.
A data fatídica do fim do Biafra acabaria por ser formalmente decretada 15 de Janeiro de 1970, há cerca de 42 anos, altura em que a região mergulhou na maior tragédia humanitária que o mundo conheceu fora da Europa no século xx, tendo sido reintegrada após a capitulação na Nigéria.
O Vaticano, Portugal e França foram os seus principais aliados. O Reino Unido, ex-potência colonial, desconsiderou as diferentes tribos daquela parte de África e concedeu a independência a um todo denominado Federação da Nigéria. O Egipto e a URSS apoiaram a Nigéria. A China não apoiou o Biafra, mas denunciou o apoio concedido à Nigéria pelo “imperialismo revisionista”, numa alusão à então União Soviética.
A crise do Biafra começou em 1966, na sequência de uma tentativa falhada de golpe de Estado na Nigéria. A maioria dos oficiais superiores envolvidos pertencia à etnia ibo, cristãos do Biafra, a elite do país. No rescaldo desse golpe, 30 mil ibos foram massacrados pelos militares islâmicos.
Oito milhões de ibos viviam na região oriental da Nigéria, que tinha como governador provincial o coronel Chukwuemeka Odumegwu Emeka Ojukwu. Foi este militar que declarou a independência do Biafra e dirigiu o país durante a sua curta existência.
Em resposta, as forças armadas nigerianas bombardearam e mataram indiscriminadamente soldados e civis. A marinha fez um bloqueio que impediu o acesso de alimentos, medicamentos e armas.
No pico da crise, 5 mil biafrenses morriam todos os dias de fome e doenças. O governo nigeriano agravou a situação proibindo o auxílio da Cruz Vermelha Internacional. O Biafra foi o primeiro país africano a refinar o seu próprio petróleo, o que desagradou às multinacionais que ali operavam e que tinham sede em Lagos, a capital.
Um ataque da guerrilha contra pipelines da Shell BP na região, onde o Reino Unido recolhia 20% do seu petróleo, ditou as alianças das petrolíferas com o novo governo de Lagos.
A guerra do Biafra foi o primeiro grande desastre provocado por um conflito de origem étnica após o Holocausto. Foi também o primeiro conflito armado do século xx em África entre africanos, e a primeira guerra em que a questão do acesso às fontes de energia teve um peso determinante. Por esse motivo, o Reino Unido foi a única potência ocidental que alinhou com o governo federal da Nigéria – apesar da Guerra Fria – e de este gozar do apoio da União Soviética (URSS).
O conflito, e as suas consequências trágicas, foi também o primeiro a receber ampla cobertura mediática mundial.
Em 1970, a catástrofe humana do Biafra assumia dimensões bíblicas. Quando a região foi reintegrada na Nigéria tinham morrido cerca de 3 milhões de pessoas e a imagem da tragédia eram campos de refugiados com milhares de crianças famélicas.
O Biafra foi igualmente berço da organização Médecins Sans Frontières (MSF), em 1971, sob impulso de Bernard Kouchner, que ali trabalhou para a Cruz Vermelha Internacional.
Em 1980, o governo nigeriano concedeu uma amnistia ao líder rebelde Ojukwu que gozou do estatuto de ex-chefe de Estado e viveu confortavelmente em Enugu, a antiga capital do Biafra. Morreu em Londres em 2011.
Confessando não sentir remorsos nem qualquer responsabilidade pelo que se passou, Ojukwu disse, na sua última entrevista, que se voltasse atrás repetiria tudo, porque todas as razões que levaram à secessão “não só não foram resolvidas como se agravaram”.
O papel de Portugal a favor da causa rebelde, apesar da discrição, foi considerado crucial pelos líderes rebeldes.
A operação Air Lift, baseada em São Tomé, “ia funcionando num esforço fantástico para manter mulheres e crianças vivas, mas pouco e pouco ia faltando o essencial”, recorda ao i Artur Pereira.
O general Yakubu Gowon chegou a declarar que matar à fome era um meio legal de combater uma guerra. “Em Janeiro de 1970 tínhamos 80 postos de distribuição de comida. Chegámos a ter três mil antes da rendição”, sublinha.
De Portugal seguiam armas e munições, toneladas e medicamentos e até o dinheiro do novo país foi impresso na Casa da Moeda.
No seu último discurso, Ojukwu disse: “Em três anos de guerra a necessidade deu lugar à invenção. Fabricamos bombas, rockets e criámos da estaca zero a nossa refinaria e a distribuição. Durante três anos de bloqueio, sem esperança de importação, mantivemos todos os nossos veículos e aeroportos a funcionar, mesmo sob bombardeamentos pesados. Falamos para todo o mundo através de um sistema de comunicações criado pela nossa ingenuidade. Em três anos quebramos a barreira tecnológica, e tornamo-nos no povo negro mais avançado em África”.
Soldado do Biafra em acção de combate de guerrilha contra o exército da Nigéria em 1968
Romano Cagnoni/getty images
Romano Cagnoni/getty images
Chinua Achebe é um lendário escritor africano, nascido em 1930, na região oriental da Nigéria, denominada Biafra durante o período da secessão e declaração de independência da Nigéria, em 1967.
Agora, aos 82 anos, resolveu contar a sua visão pessoal do drama do Biafra, esse breve país que deixou de existir em 1970, num livro acabado de dar à estampa com o título “There Was a Country”.
Achebe tornou-se produtor da Nigerian Broadcasting Corporation em 1954, onde permaneceu da independência do país ao massacre dos Ibos, em 1966, que desencadeou a secessão do Biafra no ano seguinte.
O conflito começou com um primeiro golpe de estado na Nigéria (1966). Achebe tinha acabado de escrever “Um Homem do Povo”, no qual imaginava um golpe de estado militar que derruba um governo civil corrupto. “Tratou-se de uma mera coincidência, em que a ficção imitou a realidade. Mas os líderes militares entenderam que eu devia ter tido alguma coisa a ver com o golpe”, recorda o escritor. Achebe fugiu da capital, Lagos, e juntou-se aos rebeldes do líder biafrense Emeka Ojukwu, que declarou a independência unilateral do Biafra a 30 de Maio de 1967.
A data fatídica do fim do Biafra acabaria por ser formalmente decretada 15 de Janeiro de 1970, há cerca de 42 anos, altura em que a região mergulhou na maior tragédia humanitária que o mundo conheceu fora da Europa no século xx, tendo sido reintegrada após a capitulação na Nigéria.
O Vaticano, Portugal e França foram os seus principais aliados. O Reino Unido, ex-potência colonial, desconsiderou as diferentes tribos daquela parte de África e concedeu a independência a um todo denominado Federação da Nigéria. O Egipto e a URSS apoiaram a Nigéria. A China não apoiou o Biafra, mas denunciou o apoio concedido à Nigéria pelo “imperialismo revisionista”, numa alusão à então União Soviética.
A crise do Biafra começou em 1966, na sequência de uma tentativa falhada de golpe de Estado na Nigéria. A maioria dos oficiais superiores envolvidos pertencia à etnia ibo, cristãos do Biafra, a elite do país. No rescaldo desse golpe, 30 mil ibos foram massacrados pelos militares islâmicos.
Oito milhões de ibos viviam na região oriental da Nigéria, que tinha como governador provincial o coronel Chukwuemeka Odumegwu Emeka Ojukwu. Foi este militar que declarou a independência do Biafra e dirigiu o país durante a sua curta existência.
Em resposta, as forças armadas nigerianas bombardearam e mataram indiscriminadamente soldados e civis. A marinha fez um bloqueio que impediu o acesso de alimentos, medicamentos e armas.
No pico da crise, 5 mil biafrenses morriam todos os dias de fome e doenças. O governo nigeriano agravou a situação proibindo o auxílio da Cruz Vermelha Internacional. O Biafra foi o primeiro país africano a refinar o seu próprio petróleo, o que desagradou às multinacionais que ali operavam e que tinham sede em Lagos, a capital.
Um ataque da guerrilha contra pipelines da Shell BP na região, onde o Reino Unido recolhia 20% do seu petróleo, ditou as alianças das petrolíferas com o novo governo de Lagos.
A guerra do Biafra foi o primeiro grande desastre provocado por um conflito de origem étnica após o Holocausto. Foi também o primeiro conflito armado do século xx em África entre africanos, e a primeira guerra em que a questão do acesso às fontes de energia teve um peso determinante. Por esse motivo, o Reino Unido foi a única potência ocidental que alinhou com o governo federal da Nigéria – apesar da Guerra Fria – e de este gozar do apoio da União Soviética (URSS).
O conflito, e as suas consequências trágicas, foi também o primeiro a receber ampla cobertura mediática mundial.
Em 1970, a catástrofe humana do Biafra assumia dimensões bíblicas. Quando a região foi reintegrada na Nigéria tinham morrido cerca de 3 milhões de pessoas e a imagem da tragédia eram campos de refugiados com milhares de crianças famélicas.
O Biafra foi igualmente berço da organização Médecins Sans Frontières (MSF), em 1971, sob impulso de Bernard Kouchner, que ali trabalhou para a Cruz Vermelha Internacional.
Em 1980, o governo nigeriano concedeu uma amnistia ao líder rebelde Ojukwu que gozou do estatuto de ex-chefe de Estado e viveu confortavelmente em Enugu, a antiga capital do Biafra. Morreu em Londres em 2011.
Confessando não sentir remorsos nem qualquer responsabilidade pelo que se passou, Ojukwu disse, na sua última entrevista, que se voltasse atrás repetiria tudo, porque todas as razões que levaram à secessão “não só não foram resolvidas como se agravaram”.
O papel de Portugal a favor da causa rebelde, apesar da discrição, foi considerado crucial pelos líderes rebeldes.
A operação Air Lift, baseada em São Tomé, “ia funcionando num esforço fantástico para manter mulheres e crianças vivas, mas pouco e pouco ia faltando o essencial”, recorda ao i Artur Pereira.
O general Yakubu Gowon chegou a declarar que matar à fome era um meio legal de combater uma guerra. “Em Janeiro de 1970 tínhamos 80 postos de distribuição de comida. Chegámos a ter três mil antes da rendição”, sublinha.
De Portugal seguiam armas e munições, toneladas e medicamentos e até o dinheiro do novo país foi impresso na Casa da Moeda.
No seu último discurso, Ojukwu disse: “Em três anos de guerra a necessidade deu lugar à invenção. Fabricamos bombas, rockets e criámos da estaca zero a nossa refinaria e a distribuição. Durante três anos de bloqueio, sem esperança de importação, mantivemos todos os nossos veículos e aeroportos a funcionar, mesmo sob bombardeamentos pesados. Falamos para todo o mundo através de um sistema de comunicações criado pela nossa ingenuidade. Em três anos quebramos a barreira tecnológica, e tornamo-nos no povo negro mais avançado em África”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário