quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Orçamento centrado na despesa ainda sobe impostos em 646 milhões - JN

Orçamento centrado na despesa ainda sobe impostos em 646 milhões - JN

Se o orçamento de 2013 foi o do "enorme aumento de impostos", o do próximo ano é o orçamento do "não há plano B" do Estado em que, ainda assim, o Governo consegue agravar ligeiramente a carga de impostos em 646 milhões de euros.
Os cortes na despesa - sob o chapéu da reforma do Estado social - dominam, em todo o caso. O Governo avança com mais de 3700 milhões de euros em "medidas permanentes", que incidem com particular severidade sobre os funcionários menos qualificados e os pensionistas.
O "não há plano B" foi a expressão uma vez mais repetida pela ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, na apresentação do OE/2014, na noite de terça-feira no Terreiro do Paço, em Lisboa.
"Os recursos são sempre escassos e as necessidades muitas, mas o exercício que hoje apresentamos para 2014 é, mais do que difícil, decisivo para o nosso futuro coletivo", referiu logo no início da intervenção.
"Decisivo" porque esta proposta (um exercício de previsão para 2014) é, supostamente, a que o país precisa para acompanhar a Irlanda, que está a sair do programa de ajustamento financiado pela troika e a caminho de um plano cautelar (com austeridade na mesma, embora com menos restrições no financiamento de mercado). Mas "difícil" porque, uma vez mais, o ponto de partida é muito mais exigente do que o Governo havia dito até agora. Como tal serão pedidos mais sacrifícios aos portugueses.
"Difícil" porque o défice projetado para este ano é maior do que os 5,5% combinados pela troika (por causa da ajuda ao Banif, que exige a antecipação de uma amnistia fiscal, caso contrário seria de 5,8% ou 5,9%). E porque o ponto de partida do próximo ano é muito mais elevado do que se julgava até agora.
A descida do défice que os portugueses vão sentir na pele, explicou a ministra por outras palavras, não será de 5,5% para 4,5%, mas sim de 6,3% para 4%. A ministra apressou-se a culpar o anterior Governo (PS) por esta nova má surpresa: "Em 2014, estas pressões respeitam sobretudo ao acréscimo dos encargos com as Parcerias Público-Privadas face a 2013, que resulta de decisões tomadas ainda pelo Governo anterior de investir em estradas e deixar a fatura para depois. Este aumento de despesa seria ainda maior se o atual Governo não tivesse procedido à sua renegociação."
Ou seja, dito de outra forma, não basta cortar 2291 milhões de euros ao défice entre um ano e outro; para chegar ao objetivo do programa é preciso reduzir quase o dobro: 3906 milhões de euros, valor que está praticamente em linha com os míticos 4000 milhões de euros que sempre foram exigidos em cortes ao Estado social e na função pública. É o valor que, desde janeiro, está a ser defendido pelo atual Governo, pelo FMI e que os "mercados" (credores, investidores) exigiram e continuam a exigir ver respondido em medidas concretas.
Depois de um primeiro ensaio - a carta enviada à troika em maio por Pedro Passos Coelho e a promessa sempre adiada de Paulo Portas de um guião para a reforma (há nove meses que está para concretizar o feito) - a ministra mostrou ontem aquele que é o possível guião financeiro da reforma do Estado. Este encaixa quase como uma luva no plano: é um pacote de 3901 milhões de euros em medidas de consolidação orçamental, das quais quase 3200 milhões são reduções de gastos - funcionários e reformados pagarão 70% desta fatura. Depois, mais 500 a 600 milhões em novos aumentos de receita.
Na apresentação feita aos jornalistas, Albuquerque mostrou um agravamento líquido de 535 milhões nos proveitos; uma consulta rápida pelos quadros em contabilidade pública mostra que os portugueses vão pagar mais 646 milhões de euros em impostos diretos e indiretos. As contribuições sociais caem 227 milhões.
A receita engorda, explica o governo, por causa da própria dinâmica da retoma da economia. Convicção de ministra: "Não é altura de recuar. A economia portuguesa está a sair da recessão". O combate à fraude e evasão dará o resto da ajuda, lê-se no relatório.
No entanto, tal como em 2013, este OE está condicionado pelo desassombro com que o Governo faz assentar a estratégia de consolidação orçamental em várias medidas que podem cair (novamente) no crivo do Tribunal Constitucional.
A convergência das regras de trabalho público-privado na parte que diz respeito ao horário de trabalho vale 204 milhões até final de 2014; a convergência da CGA outros 728 milhões em cortes na despesa com pensões. Os cortes salariais diretos, que substituem a tabela salarial única, mais 643 milhões em cortes. Tudo junto: 1575 milhões de euros em "poupanças". Muito dinheiro, tendo em conta que "não há plano B".
O OE está também refém da economia, que apenas vai crescer 0,8%, essencialmente puxada pelas exportações. O exercício orçamental está também dependente da forma como os consumidores e empresários vão reagir aos cortes massivos na despesa. O Governo não calcula os possíveis impactos.
O terceiro risco tem a ver com os alçapões orçamentais. Os impactos negativos vindos das empresas públicas, das parcerias público-privado, das garantias e ajudas concedidas ao sector financeiro, das reclassificações de empresas e negócios (défice ou dívida) que hoje estão fora do perímetro, mas que podem muito bem entrar, como aliás tem acontecido abundantemente nestes anos de programa de ajustamento.

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