O ministro da Economia admite que as reformas não foram bem comunicadas. Agora pede à Europa que deixe Portugal dar incentivos fiscais ao investimento para voltar a crescer.
A entrevista ao ministro da Economia foi na recta final da greve geral, o dia escolhido por Álvaro Santos Pereira para explicar qual é a sua estratégia para que Portugal volte a crescer. O crescimento é a única resposta para diminuir o desemprego. O ministro reconhece que o governo não soube comunicar bem muitas das reformas estruturais, mas uma vez afastada a redução da taxa social única, a solução passa por incentivos fiscais “arrojados” ao investimento. Contudo, para isso é preciso que Bruxelas aceite o fim de alguns “constrangimentos”. Santos Pereira quer reorientar os fundos da Europa para a sua reindustrialização e combater a “subsidiodependência e os comportamentos de corrupção” que os milhões europeus promoveram no passado.
O governo quer relançar a industrialização. Como se faz isso?
Pretendemos lançar uma estratégia de fomento industrial entre 2013 e 2020. Se queremos voltar a apostar na indústria e nos nossos sectores produtivos é importante a agenda de reformas estruturais que está no terreno. Em Portugal e na Europa viveu-se nas últimas décadas na ilusão de que podíamos deixar as nossas empresas deslocalizar. Vivemos uma crise sem precedentes que se baseia na perda de competitividade, conjugada com um nível de endividamento insustentável. É fundamental invertermos o ciclo de tendência de desindustrialização de Portugal e da Europa.
Quais são os sectores da reindustrialização? Vamos voltar aos clusters de Michael Porter dos anos 90?
Já temos um trabalho de um ano em que analisámos os pólos e os clusters nacionais. Fizemos uma revisão do que estava a funcionar bem e do que estava a funcionar mal. Na recta final da apresentação da estratégia de fomento industrial tencionamos consultar os vários sectores. Iremos promover uma série de reuniões sectoriais para apresentar as nossas ideias, mas também ouvir os actores da indústria, os trabalhadores e os empresários, para termos uma política virada para mais sectores. A nossa economia tem uma base industrial bastante forte. Crescemos a ritmos assinaláveis nas décadas de 60, 70 e 80, graças à nossa industrialização, a uma política de exportação e à qualidade do ensino técnico. E o que temos de fazer é voltar para aquilo que nos fez crescer tanto tempo. Obviamente, estamos a falar de um tipo de indústria bastante diferente da dos anos 60 e 70. Poderá haver indústria pesada, mas estamos essencialmente a falar de sectores virados para a inovação e com mais alto valor acrescentado. Um grande exemplo disso são os sectores do têxtil e do calçado. Há uma década, quando a China entrou na Organização Mundial do Comércio e houve um alargamento a leste da União, muita gente pensou que não conseguiríamos competir. É verdade que bastantes empresas deste sector não aguentaram os choques, que foram ampliados pela entrada no euro, uma moeda mais forte que trouxe problemas de competitividade para esses sectores. No entanto, contrariamente a muitas previsões de velhos do Restelo, os nossos empreendedores mostraram que souberam reinventar-se, souberam apostar na inovação. Não é à toa que temos empresas portuguesas a produzir os fatos-de-banho da equipa olímpica norte-americana, que ganhou tantas medalhas. Eram sectores tradicionais que deixaram de o ser porque não baseiam a sua competitividade em salários baixos, mas sim em marcas e produtos fortes. É uma estratégia de inovação que deve ser replicada noutras áreas.
E por falar em sectores inovadores, vai deixar cair o que foi feito nas renováveis?
Faz sentido continuar a apostar nas renováveis, desde que essa aposta não seja à custa da factura de electricidade de famílias e empresas. Não é sustentável que o apoio de alguns sectores seja feito contra todos os restantes. Se temos sobrecustos e rendas de energia, tinham de ser diminuídos porque senão teríamos uma espiral de aumento de preços nos próximos anos que não só seria altamente onerosa para as famílias como insustentável para as empresas. As empresas dizem-nos todos os dias que um dos maiores custos que enfrentam são os da electricidade.
Como se reindustrializa a economia com custos de energia tão elevados?
Foi por termos cortado 2 mil milhões de euros nas rendas de energia, como nenhum governo tinha feito, que em 2013 a tarifa de electricidade vai ter a variação mais baixa dos últimos anos.
Mas mesmo depois desses cortes a energia é cara porque não produzimos, importamos. Como é que o seu plano resolve este problema?
Não há receitas mágicas para resolver o problema da energia de um dia para o outro. Temos de aumentar a concorrência no sector. Uma das medidas para diminuir a pressão dos custos passou pela última cimeira luso-espanhola, em que se decidiu acabar com a uma dupla tarifa de acesso às redes, que permite baixar os custos da energia. Temos promovido um au-_mento do poder regulatório que vai ter poder sancionatório para comportamentos abusivos. Criámos as condições para que haja um aumento da concorrência no sector. É fundamental que a Europa conclua até 2020 as ligações entre a Espanha e França para electricidade e gás, porque isso vai fazer baixar os custos das nossas exportações e vai fazer com que haja mais concorrência no mercado interno. Essas interligações permitirão exportar a nossa energia renovável para a Europa, mas também criarão as condições para que os nossos produtores fiquem sujeitos a maior concorrência e não continuem a persistir nos mecanismos oligopolistas e muitas vezes monopolistas que só oneram a nossa factura eléctrica e minam a competitividade das nossas empresas.
Outra medida do relançamento económico defende a descida do IRC para empresas que façam novos investimentos. Que outros benefícios fiscais estão a estudar?
No primeiro ano de governação concentrámo-nos numa série de reformas estruturais que eram fundamentais. Quando olhávamos para os indicadores de comparação internacional víamos muito claramente que a economia portuguesa padecia de problemas de competitividade sérios ao nível da justiça, da legislação laboral, dos licenciamentos e também no quadro fiscal. No primeiro ano fizemos reformas na lei laboral, na justiça, ao nível da recuperação empresarial e do código de insolvências. Estamos agora a lançar uma guerra sem trégua à burocracia, que passa quer pelos regimes de licenciamento zero na indústria, no comércio, nos serviços, no turismo e na energia, quer por um combate aos procedimentos excessivos que existem no nosso país. A burocracia é inimiga do investimento e fomenta a corrupção. Por isso é fundamental ganhar esta guerra por todos os meios ao nosso alcance. O último aspecto que falta para sermos mais competitivos e conseguir atrair investidores nacionais e estrangeiros passa pela competitividade fiscal. E por isso entendemos que é preciso sermos arrojados, ter medidas importantes e um pacote que inclua maior competitividade fiscal para as nossas empresas é fundamental para nos tornar mais atractivos a novos investimentos.
Pode indicar outros incentivos fiscais para além do IRC a 10%?
A autorização legislativa que está no parlamento para o regime fiscal de apoio ao investimento, que acabava este ano, propõe que seja prorrogado até 2017. É nossa intenção também reforçar esse regime, que não tem dado grandes resultados. A nossa proposta é propor um aumento da dedução à colecta de 25% a 50%, bem como uma majoração de 10% para a dedução de lucros retidos. Isto é muito importante porque as nossas empresas, sobretudo as PME, têm problemas de capitais próprios bastante graves. É importante usarmos a nossa fiscalidade, como fizemos nos anos 80, para criar incentivos para as empresas se recapitalizarem e apostarem em investir os seus lucros. Não é possível basear a competitividade das empresas no modelo do financiamento bancário, como fizemos no passado.
É aqui que entra o banco do fomento?
O banco do fomento é um outro meio. Não é tão imediato, vai demorar mais tempo porque ainda estamos a estudar como deve ser essa instituição financeira, quer adaptando uma existente, quer criando uma nova.
Ainda não está decidido se será a Caixa a desempenhar essa missão?
Ainda está em estudo. Até esse banco entrar em vigor, se isso acontecer, é preciso garantir que as nossas exportações e investidores tenham fontes de financiamento. Mas temos também de criar novos instrumentos de aforro. Temos de poupar mais para investir mais, e parte dessa poupança poderá vir pela criação de títulos de desenvolvimento, ou seja, de títulos para a reindustrialização, isto é, todos os portugueses poderem comprar títulos, contribuindo com as suas poupanças para financiar a reindustrialização.
Como uma espécie de certificados de aforro que hoje se compram nos CTT?
Porventura, é uma questão que está a ser estudada. Os títulos para o desenvolvimento industrial pretendem estimular a poupança para depois investir o que é fundamental para criar mais emprego, mais riqueza e pôr o país a crescer.
A Comissão Europeia está a levantar obstáculos aos planos para baixar o IRC?
Estando no euro, não temos política monetária ou cambial, e como estamos muito endividados não podemos ter uma política fiscal activa. A única coisa que nos resta são os incentivos financeiros do QREN ou incentivos fiscais. Por isso é tão importante perceber que as regras de auxílios de Estado muitas vezes nos limitam na adopção e impedem que haja políticas industriais mais activas. Numa situação de emergência nacional e europeia não faz sentido, principalmente os constrangimentos que nos impedem de ter incentivos fiscais.
Há abertura de Bruxelas para suavizar essas regras?
Há tendência na Europa para falar muito de crescimento, o que é óptimo. Só que se fala de crescimento e não se apresenta uma estratégia primeiro e não se apresentam medidas concretas para esse crescimento. Nós estamos a apresentar uma estratégia concreta que é a reindustrialização baseada em redes transeuropeias de transporte e de energia, a aposta do sistema dual e de aprendizagem em que queremos triplicar o número de alunos até 2020, e também numa nova política de fomento industrial para Portugal. Mas para sermos bem sucedidos precisamos de ter medidas fortes de apoio ao investimento. Nos últimos 12 anos, o investimento privado, nacional e estrangeiro, caiu abruptamente. Entre 2008 e 2012, o investimento caiu cerca de 50% em Portugal. O investimento estrangeiro representa entre 2000 e 2011 cerca de 3,9% do PIB, enquanto em países como a Eslováquia, a República Checa ou a Polónia representa 6% a 7% do PIB.
Precisamos de uma nova AutoEuropa?
Precisamos de vários investimentos estrangeiros e a única maneira de o conseguirmos de forma sustentada e que impulsione o nosso crescimento económico é através de incentivos fiscais arrojados.
Como é que a utilização dos fundos estruturais pode servir essa política?
Eu defendo uma política totalmente oposta à que foi feita em Portugal nos últimos 20 anos. A própria Comissão tem essa visão. Claramente, a nossa estratégia de utilização dos fundos nos últimos anos foi orientada para a construção de estradas, rotundas e pavilhões desportivos e piscinas. E pensámos que o desenvolvimento económico vinha com as infra-estruturas. Claramente não veio. Nos últimos 20 anos, a utilização dos fundos comunitários promoveu uma subsidiodependência em excesso, comportamentos de corrupção que temos de combater e uma estratégia de desenvolvimento totalmente errada e insustentável. Como é que invertemos isto? Os fundos do próximo quadro comunitário de apoio têm de ser reorientados para a reindustrialização, para a inovação, para as empresas e para capital humano e a aposta no ensino técnico e profissional. Com isto combatemos também o desemprego, que é o nosso maior flagelo e que só poderá ser combatido de forma sustentada com crescimento económico. No fundo é voltarmos o QREN para as empresas, para a criação de emprego, para a reindustrialização e a qualificação de recursos humanos.
Essas são as estratégias a longo prazo, mas a curto prazo os empresários querem saber porque não é o governo mais activo para acabar com a greve nos portos?
A reforma do trabalho portuário estava no Memorando e tentamos promover o máximo diálogo social. Em Setembro foi possível mesmo numa altura de alguma contestação chegar a um acordo com algumas estruturas sindicais e com operadores para a reforma do trabalho portuário que vai ser analisada no plenário do parlamento no final deste mês. Temos a intenção de manter as janelas do diálogo abertas de forma a conseguir minimizar o impacto que a reestruturação deste sector venha a ter.
Mas não admitem a requisição civil?
Neste momento, mantemos a porta aberta ao diálogo porque entendemos que só com uma posição de abertura se pode ultrapassar a situação. Acho que ninguém tem a ganhar com outras situações que possam estar em cima da mesa.
Qual é até agora o prejuízo desta greve?
Em Setembro houve uma diminuição da movimentação dos portos, mas os dados de Outubro mostram que está a haver um redireccionamento muito forte de alguns portos que estão a ser mais afectados que outros. O peso relativo do porto de Lisboa na movimentação de carga a nível nacional diminuiu de 18% para 11% em Outubro. A manutenção do cenário de greve vai continuar a prejudicar Lisboa em comparação com outros portos nacionais.
A grande medida do governo para travar o desemprego era a descida da taxa social única (TSU) para as empresas. Quais são as alternativas?
Para inverter a taxa do desemprego temos de começar a crescer. Para já, estão no terreno uma série de políticas activas de emprego, bem como o reforço da nossa aposta no ensino dual e de aprendizagem. Temos apoios directos a empresas que contratem desempregados, como a medida estímulo 2012, que já deu azo a mais de 13 mil ofertas de emprego e que está a ter adesão crescente por parte das nossas empresas. Temos o impulso jovem, que queremos reforçar, e queremos aumentar a sua divulgação com o apoio dos parceiros sociais. O Vida Activa, programa para encaminhar desempregados para a formação profissional, abrange já 180 mil desempregados e deu acções de formação profissional a mais de 75 mil desempregos. E temos a acumulação do subsídio de desemprego com salários que sejam inferiores ao subsídio. Todos estes incentivos são fundamentais para haver uma maior contratação e aceitação de emprego.
Mas não se vêem resultados na taxa de desemprego, que continua a subir, e em 2013 o Estado vai ser o responsável pelo maior número de despedimentos, com a não renovação de contratos. Qual vai ser o impacto dos cortes de despesa no Estado na taxa de desemprego?
Podemos falar sobre os cortes na despesa, mas, ainda no combate ao desemprego, o próximo Orçamento do Estado inclui medidas para indivíduos que estavam a ser mais afectados. Por exemplo, estágios profissionais pagos até 100% pelo Estado, as empresas pagam sempre a TSU para famílias desempregadas com filhos e monoparentais. Não é aceitável que haja famílias em dificuldades muito grandes, principalmente quando têm filhos e os dois membros do casal estão desempregados. Estas medidas são para ajudar essas famílias a inserirem-se no mercado de trabalho e estimular a contratação. Temos também a isenção total ou parcial da TSU para quem contrate desempregados com mais de 45 anos. Sabemos que este grupo é o que tem mais dificuldades em voltar ao mercado de trabalho e por isso decidimos alargar as medidas do Impulso Jovem a esta categoria de trabalhadores. O combate ao desemprego passa muito também pela requalificação dos nossos desempregados. Por exemplo, celebrámos um protocolo com a Universidade Nova em que temos desempregados licenciados que vão receber cursos para competências de gestão. Requalificar é muito importante e tencionamos alargar estes protocolos a outras universidades.
Mas nada disso garante a criação do emprego, como se vê…
A terceira vertente das nossas políticas passa pela aposta no sistema dual e de aprendizagem. Este ano vamos aumentar o número de pessoas neste sistema de 19 para 30 mil, é um aumento de 50%. No próximo quadro comunitário e no âmbito da estratégia de reindustrialização, iremos aumentar o número de jovens neste sistema até 100 mil. Este sistema tem uma duração de três anos, o que significa 30 a 35 mil jovens por ano a mais. A empregabilidade das pessoas que passam pelo sistema dual e de aprendizagem é de cerca de 85%. A grande maioria dos jovens fica altamente qualificada e consegue emprego, mesmo em Portugal. É importante voltar a apostar naquilo que durante muitos anos caracterizou o nosso país, que é o ensino técnico e profissional. Temos um paradoxo neste momento: um desemprego sem precedentes e as nossas empresas dizem--nos que não conseguem encontrar empregados com algumas qualificações. Não temos tido a atenção devida para o ensino técnico-profissional.
Mas esses casos são pontuais. Não há ofertas de emprego com a escala para fazer travar o crescimento do desemprego. A taxa já vai nos 15,8% e sabendo que o Estado vai dispensar tanta gente como é possível acreditar na previsão de desemprego para 2013 (16,4%)?
Os três pilares passam pela política activa de emprego, pelas reformas estruturais que estão no terreno e pela reforma do sistema dual e de aprendizagem. Pensamos que a maneira mais eficaz de combater o desemprego passa por medidas de curto prazo para atenuar o problema, mas passa também por criar um futuro em que a aposta no sector produtivo seja real. Sabemos que o desemprego é de longe o problema mais grave que temos entre mãos. A Europa tem de perceber que manter taxas de desemprego muito elevadas durante um tempo indefinido ou demasiado prolongado não é minimamente aceitável para qualquer economia.
Como se consegue inverter a situação, reduzindo tão drasticamente o emprego público?
Crescendo. A curto prazo só se pode atenuar o problema através da política activa de emprego e da formação profissional e da requalificação dos nossos trabalhadores. A médio e longo prazo, ou seja, a partir de dois ou três anos, para termos uma descida sustentada do desemprego, temos claramente de voltar a crescer. E para isso as reformas estruturais são fundamentais, mas também os estímulos fiscais ao investimento e a estratégia de apostar nos sectores produtivos, na reindustrialização e nos recursos naturais são fundamentais para voltarmos ao crescimento.
O governo tem um objectivo quantitativo para baixar a remuneração accionista nas renegociações das parcerias público-privado?
Temos objectivos, mas não vamos revelar. Já na renegociação das subconcessões poupamos 1300 milhões de euros. Para o ano tencionamos ter uma redução dos encargos com as PPP de pelo menos 250 milhões de euros. E esta renegociação passa por transferir a matriz de risco do Estado para os privados. Sempre que havia uma renegociação de PPP, o Estado ficava com mais risco. Temos de inverter este caminho. Por outro lado, temos de diminuir rentabilidades e mexer em algumas das características desses contratos que são mais rentáveis e passam pelo investimento e manutenção ao longo da sua vida. Todos estes mecanismos é que nos vão permitir poupanças que estimamos superiores a 7 mil milhões de euros.
Há intenções, mas ainda não há resultados concretos.
Não gosto de fazer anúncios antes de as coisas estarem concluídas. Todas estas matérias se fazem nos bastidores e não nos holofotes da imprensa.
Qual tem sido a abertura do BEI para renegociar estes projectos? O Banco Europeu de Investimentos é a única entidade envolvida nas PPP que não tem riscos.
Temos tido negociações com o BEI e com entidades bancárias. Neste momento ninguém se recusou a dialogar com o governo.
O seu nome é sempre apontado como um remodelável permanente.
Eu estou remodelável desde o primeiro dia, se me lembro bem. Não me preocupa minimamente. Desde o primeiro dia que tinha uma ideia muito clara do que era preciso fazer, sempre me concentrei em executar as reformas que estão no terreno e criar as condições para voltar a crescer.
Mas a sua imagem mudou muito. É mais político nas intervenções no parlamento.
Acho que não mudou. Desde o primeiro dia estou aqui para ajudar o país a ultrapassar a crise. Enquanto os outros falam de crescimento, é importante mostrar na prática e apresentar soluções. Quando fizemos as reformas estruturais não vacilámos. Mas algumas, admito, não soubemos comunicá-las bem.
Foi o que aconteceu com a TSU?
O que lhe posso dizer é que não soubemos comunicar bem muitas dessas reformas estruturais. Por isso é importante referir e reiterar o que foi feito nos últimos meses, mas também é possível perceber que estamos numa encruzilhada. Ou a Europa de uma vez por todas põe em prática o que defende na teoria, ou não vamos ter futuro para a Europa. E só é possível termos futuro para a Europa se alguns países tiverem a possibilidade de apresentar uma série de medidas que possam estimular o investimento produtivo. As reformas estruturais já estão feitas. Falta ainda concluir uma reforma fundamental, que é a do combate à burocracia com o licenciamento zero em todas as áreas em que podermos intervir.
Mas quem fez os estudos que fundamentavam a descida da TSU por aumento da contribuição dos trabalhadores? Nunca os vimos.
A intenção de baixar a TSU como contrapartida do aumento do IVA foi uma medida pensada no Memorando para baixar os custos das empresas, fazer uma desvalorização fiscal. Neste momento não estamos a falar disso. Medidas como o apoio ao investimento que estamos agora a suscitar são mais importantes para o debate público e é isso que vamos suscitar.
Numa conferência recente com os empresários criticou ou apelou a uma posição mais reivindicativa em relação à União Europeia.
Não é uma crítica. A Europa e a Comissão Europeia têm de ser nossos aliados no crescimento. Têm de trabalhar connosco, para flexibilizar uma série de regras. Manter regras inflexíveis e fundamentalistas neste momento é contraproducente. E por isso mesmo a única maneira de conseguirmos voltar a crescer é apostar uma estratégia de reindustrialização, mas também termos coragem de avançar com incentivos financeiros e fiscais ao investimento.
Portugal deve ter uma postura mais reivindicativa face à troika?
Não é essa a questão. O que não é admissível e os europeus não esperam e não podem aceitar é que se fale muito de crescimento e depois não se apresentem soluções. Por isso contamos com a Comissão Europeia para serem nossos aliados no processo da reindustrialização e apoio ao investimento.
Já discutiram essa estratégia com a troika nesta avaliação?
Sobre a nova avaliação preferimos não falar até estar terminada. Muita coisa que apresentámos e estamos a fazer não estava no Memorando, mas estamos a fazer mais porque achamos que é importante para voltarmos ao crescimento económico.
Está arrependido de ter pedido à imprensa que o tratasse por Álvaro? Teve noção de que isso poderia ser usado pela oposição contra si?
Acho que a competência das pessoas não se faz por títulos académicos. Em Portugal temos tendência a valorizar os títulos quando o que interessa são as competências. Prefiro que esta postura mais informal seja reflectida numa cultura de trabalho e de apresentação de resultados que temos vindo a apresentar. Tratarem-me por Álvaro ou por Sr. Dr. não é relevante, O que interessa é se estou aqui para ajudar o meu país ou se estou a fazer um bom trabalho.
Sente-se seguro neste ambiente de contestação social crescente?
Continuo a andar pelas ruas com os meus filhos ao fim-de-semana. Não mudei as minhas rotinas nesse sentido. Estou aqui para fazer um trabalho pelo país e tenciono cumprir os meus objectivos. Estou aqui por serviço público. É importante ouvir as críticas para melhorar com elas. E muitas vezes as pessoas aproximam-_-se de mim para me dizerem alguma coisa, mas continuo a fazer a minha vida normal. Nunca me senti ameaçado.
Gostava de se filiar no PSD?
Sou claramente um social-democrata. Acredito em políticas em que é importante manter uma componente social, mas com uma política mais sensata ao nível da economia. Não sou a favor de ajudazinhas às empresas, os tais subsídios. Não sou a favor de empresas de mãos estendidas. Sou a favor de criarmos uma sociedade de oportunidades para todos: quer nasçam numa aldeia de Trás-os-Montes, quer nasçam em Lisboa ou no Algarve. Independentemente do sítio onde nascerem e da condição social que essas pessoas tenham oportunidades para singrar na vida se trabalharem. É isso que temos de criar em Portugal. Para mim isso é ser-se social-democrata. Pensar com uma consciência social enquanto criamos uma sociedade de oportunidades.
O governo quer relançar a industrialização. Como se faz isso?
Pretendemos lançar uma estratégia de fomento industrial entre 2013 e 2020. Se queremos voltar a apostar na indústria e nos nossos sectores produtivos é importante a agenda de reformas estruturais que está no terreno. Em Portugal e na Europa viveu-se nas últimas décadas na ilusão de que podíamos deixar as nossas empresas deslocalizar. Vivemos uma crise sem precedentes que se baseia na perda de competitividade, conjugada com um nível de endividamento insustentável. É fundamental invertermos o ciclo de tendência de desindustrialização de Portugal e da Europa.
Quais são os sectores da reindustrialização? Vamos voltar aos clusters de Michael Porter dos anos 90?
Já temos um trabalho de um ano em que analisámos os pólos e os clusters nacionais. Fizemos uma revisão do que estava a funcionar bem e do que estava a funcionar mal. Na recta final da apresentação da estratégia de fomento industrial tencionamos consultar os vários sectores. Iremos promover uma série de reuniões sectoriais para apresentar as nossas ideias, mas também ouvir os actores da indústria, os trabalhadores e os empresários, para termos uma política virada para mais sectores. A nossa economia tem uma base industrial bastante forte. Crescemos a ritmos assinaláveis nas décadas de 60, 70 e 80, graças à nossa industrialização, a uma política de exportação e à qualidade do ensino técnico. E o que temos de fazer é voltar para aquilo que nos fez crescer tanto tempo. Obviamente, estamos a falar de um tipo de indústria bastante diferente da dos anos 60 e 70. Poderá haver indústria pesada, mas estamos essencialmente a falar de sectores virados para a inovação e com mais alto valor acrescentado. Um grande exemplo disso são os sectores do têxtil e do calçado. Há uma década, quando a China entrou na Organização Mundial do Comércio e houve um alargamento a leste da União, muita gente pensou que não conseguiríamos competir. É verdade que bastantes empresas deste sector não aguentaram os choques, que foram ampliados pela entrada no euro, uma moeda mais forte que trouxe problemas de competitividade para esses sectores. No entanto, contrariamente a muitas previsões de velhos do Restelo, os nossos empreendedores mostraram que souberam reinventar-se, souberam apostar na inovação. Não é à toa que temos empresas portuguesas a produzir os fatos-de-banho da equipa olímpica norte-americana, que ganhou tantas medalhas. Eram sectores tradicionais que deixaram de o ser porque não baseiam a sua competitividade em salários baixos, mas sim em marcas e produtos fortes. É uma estratégia de inovação que deve ser replicada noutras áreas.
E por falar em sectores inovadores, vai deixar cair o que foi feito nas renováveis?
Faz sentido continuar a apostar nas renováveis, desde que essa aposta não seja à custa da factura de electricidade de famílias e empresas. Não é sustentável que o apoio de alguns sectores seja feito contra todos os restantes. Se temos sobrecustos e rendas de energia, tinham de ser diminuídos porque senão teríamos uma espiral de aumento de preços nos próximos anos que não só seria altamente onerosa para as famílias como insustentável para as empresas. As empresas dizem-nos todos os dias que um dos maiores custos que enfrentam são os da electricidade.
Como se reindustrializa a economia com custos de energia tão elevados?
Foi por termos cortado 2 mil milhões de euros nas rendas de energia, como nenhum governo tinha feito, que em 2013 a tarifa de electricidade vai ter a variação mais baixa dos últimos anos.
Mas mesmo depois desses cortes a energia é cara porque não produzimos, importamos. Como é que o seu plano resolve este problema?
Não há receitas mágicas para resolver o problema da energia de um dia para o outro. Temos de aumentar a concorrência no sector. Uma das medidas para diminuir a pressão dos custos passou pela última cimeira luso-espanhola, em que se decidiu acabar com a uma dupla tarifa de acesso às redes, que permite baixar os custos da energia. Temos promovido um au-_mento do poder regulatório que vai ter poder sancionatório para comportamentos abusivos. Criámos as condições para que haja um aumento da concorrência no sector. É fundamental que a Europa conclua até 2020 as ligações entre a Espanha e França para electricidade e gás, porque isso vai fazer baixar os custos das nossas exportações e vai fazer com que haja mais concorrência no mercado interno. Essas interligações permitirão exportar a nossa energia renovável para a Europa, mas também criarão as condições para que os nossos produtores fiquem sujeitos a maior concorrência e não continuem a persistir nos mecanismos oligopolistas e muitas vezes monopolistas que só oneram a nossa factura eléctrica e minam a competitividade das nossas empresas.
Outra medida do relançamento económico defende a descida do IRC para empresas que façam novos investimentos. Que outros benefícios fiscais estão a estudar?
No primeiro ano de governação concentrámo-nos numa série de reformas estruturais que eram fundamentais. Quando olhávamos para os indicadores de comparação internacional víamos muito claramente que a economia portuguesa padecia de problemas de competitividade sérios ao nível da justiça, da legislação laboral, dos licenciamentos e também no quadro fiscal. No primeiro ano fizemos reformas na lei laboral, na justiça, ao nível da recuperação empresarial e do código de insolvências. Estamos agora a lançar uma guerra sem trégua à burocracia, que passa quer pelos regimes de licenciamento zero na indústria, no comércio, nos serviços, no turismo e na energia, quer por um combate aos procedimentos excessivos que existem no nosso país. A burocracia é inimiga do investimento e fomenta a corrupção. Por isso é fundamental ganhar esta guerra por todos os meios ao nosso alcance. O último aspecto que falta para sermos mais competitivos e conseguir atrair investidores nacionais e estrangeiros passa pela competitividade fiscal. E por isso entendemos que é preciso sermos arrojados, ter medidas importantes e um pacote que inclua maior competitividade fiscal para as nossas empresas é fundamental para nos tornar mais atractivos a novos investimentos.
Pode indicar outros incentivos fiscais para além do IRC a 10%?
A autorização legislativa que está no parlamento para o regime fiscal de apoio ao investimento, que acabava este ano, propõe que seja prorrogado até 2017. É nossa intenção também reforçar esse regime, que não tem dado grandes resultados. A nossa proposta é propor um aumento da dedução à colecta de 25% a 50%, bem como uma majoração de 10% para a dedução de lucros retidos. Isto é muito importante porque as nossas empresas, sobretudo as PME, têm problemas de capitais próprios bastante graves. É importante usarmos a nossa fiscalidade, como fizemos nos anos 80, para criar incentivos para as empresas se recapitalizarem e apostarem em investir os seus lucros. Não é possível basear a competitividade das empresas no modelo do financiamento bancário, como fizemos no passado.
É aqui que entra o banco do fomento?
O banco do fomento é um outro meio. Não é tão imediato, vai demorar mais tempo porque ainda estamos a estudar como deve ser essa instituição financeira, quer adaptando uma existente, quer criando uma nova.
Ainda não está decidido se será a Caixa a desempenhar essa missão?
Ainda está em estudo. Até esse banco entrar em vigor, se isso acontecer, é preciso garantir que as nossas exportações e investidores tenham fontes de financiamento. Mas temos também de criar novos instrumentos de aforro. Temos de poupar mais para investir mais, e parte dessa poupança poderá vir pela criação de títulos de desenvolvimento, ou seja, de títulos para a reindustrialização, isto é, todos os portugueses poderem comprar títulos, contribuindo com as suas poupanças para financiar a reindustrialização.
Como uma espécie de certificados de aforro que hoje se compram nos CTT?
Porventura, é uma questão que está a ser estudada. Os títulos para o desenvolvimento industrial pretendem estimular a poupança para depois investir o que é fundamental para criar mais emprego, mais riqueza e pôr o país a crescer.
A Comissão Europeia está a levantar obstáculos aos planos para baixar o IRC?
Estando no euro, não temos política monetária ou cambial, e como estamos muito endividados não podemos ter uma política fiscal activa. A única coisa que nos resta são os incentivos financeiros do QREN ou incentivos fiscais. Por isso é tão importante perceber que as regras de auxílios de Estado muitas vezes nos limitam na adopção e impedem que haja políticas industriais mais activas. Numa situação de emergência nacional e europeia não faz sentido, principalmente os constrangimentos que nos impedem de ter incentivos fiscais.
Há abertura de Bruxelas para suavizar essas regras?
Há tendência na Europa para falar muito de crescimento, o que é óptimo. Só que se fala de crescimento e não se apresenta uma estratégia primeiro e não se apresentam medidas concretas para esse crescimento. Nós estamos a apresentar uma estratégia concreta que é a reindustrialização baseada em redes transeuropeias de transporte e de energia, a aposta do sistema dual e de aprendizagem em que queremos triplicar o número de alunos até 2020, e também numa nova política de fomento industrial para Portugal. Mas para sermos bem sucedidos precisamos de ter medidas fortes de apoio ao investimento. Nos últimos 12 anos, o investimento privado, nacional e estrangeiro, caiu abruptamente. Entre 2008 e 2012, o investimento caiu cerca de 50% em Portugal. O investimento estrangeiro representa entre 2000 e 2011 cerca de 3,9% do PIB, enquanto em países como a Eslováquia, a República Checa ou a Polónia representa 6% a 7% do PIB.
Precisamos de uma nova AutoEuropa?
Precisamos de vários investimentos estrangeiros e a única maneira de o conseguirmos de forma sustentada e que impulsione o nosso crescimento económico é através de incentivos fiscais arrojados.
Como é que a utilização dos fundos estruturais pode servir essa política?
Eu defendo uma política totalmente oposta à que foi feita em Portugal nos últimos 20 anos. A própria Comissão tem essa visão. Claramente, a nossa estratégia de utilização dos fundos nos últimos anos foi orientada para a construção de estradas, rotundas e pavilhões desportivos e piscinas. E pensámos que o desenvolvimento económico vinha com as infra-estruturas. Claramente não veio. Nos últimos 20 anos, a utilização dos fundos comunitários promoveu uma subsidiodependência em excesso, comportamentos de corrupção que temos de combater e uma estratégia de desenvolvimento totalmente errada e insustentável. Como é que invertemos isto? Os fundos do próximo quadro comunitário de apoio têm de ser reorientados para a reindustrialização, para a inovação, para as empresas e para capital humano e a aposta no ensino técnico e profissional. Com isto combatemos também o desemprego, que é o nosso maior flagelo e que só poderá ser combatido de forma sustentada com crescimento económico. No fundo é voltarmos o QREN para as empresas, para a criação de emprego, para a reindustrialização e a qualificação de recursos humanos.
Essas são as estratégias a longo prazo, mas a curto prazo os empresários querem saber porque não é o governo mais activo para acabar com a greve nos portos?
A reforma do trabalho portuário estava no Memorando e tentamos promover o máximo diálogo social. Em Setembro foi possível mesmo numa altura de alguma contestação chegar a um acordo com algumas estruturas sindicais e com operadores para a reforma do trabalho portuário que vai ser analisada no plenário do parlamento no final deste mês. Temos a intenção de manter as janelas do diálogo abertas de forma a conseguir minimizar o impacto que a reestruturação deste sector venha a ter.
Mas não admitem a requisição civil?
Neste momento, mantemos a porta aberta ao diálogo porque entendemos que só com uma posição de abertura se pode ultrapassar a situação. Acho que ninguém tem a ganhar com outras situações que possam estar em cima da mesa.
Qual é até agora o prejuízo desta greve?
Em Setembro houve uma diminuição da movimentação dos portos, mas os dados de Outubro mostram que está a haver um redireccionamento muito forte de alguns portos que estão a ser mais afectados que outros. O peso relativo do porto de Lisboa na movimentação de carga a nível nacional diminuiu de 18% para 11% em Outubro. A manutenção do cenário de greve vai continuar a prejudicar Lisboa em comparação com outros portos nacionais.
A grande medida do governo para travar o desemprego era a descida da taxa social única (TSU) para as empresas. Quais são as alternativas?
Para inverter a taxa do desemprego temos de começar a crescer. Para já, estão no terreno uma série de políticas activas de emprego, bem como o reforço da nossa aposta no ensino dual e de aprendizagem. Temos apoios directos a empresas que contratem desempregados, como a medida estímulo 2012, que já deu azo a mais de 13 mil ofertas de emprego e que está a ter adesão crescente por parte das nossas empresas. Temos o impulso jovem, que queremos reforçar, e queremos aumentar a sua divulgação com o apoio dos parceiros sociais. O Vida Activa, programa para encaminhar desempregados para a formação profissional, abrange já 180 mil desempregados e deu acções de formação profissional a mais de 75 mil desempregos. E temos a acumulação do subsídio de desemprego com salários que sejam inferiores ao subsídio. Todos estes incentivos são fundamentais para haver uma maior contratação e aceitação de emprego.
Mas não se vêem resultados na taxa de desemprego, que continua a subir, e em 2013 o Estado vai ser o responsável pelo maior número de despedimentos, com a não renovação de contratos. Qual vai ser o impacto dos cortes de despesa no Estado na taxa de desemprego?
Podemos falar sobre os cortes na despesa, mas, ainda no combate ao desemprego, o próximo Orçamento do Estado inclui medidas para indivíduos que estavam a ser mais afectados. Por exemplo, estágios profissionais pagos até 100% pelo Estado, as empresas pagam sempre a TSU para famílias desempregadas com filhos e monoparentais. Não é aceitável que haja famílias em dificuldades muito grandes, principalmente quando têm filhos e os dois membros do casal estão desempregados. Estas medidas são para ajudar essas famílias a inserirem-se no mercado de trabalho e estimular a contratação. Temos também a isenção total ou parcial da TSU para quem contrate desempregados com mais de 45 anos. Sabemos que este grupo é o que tem mais dificuldades em voltar ao mercado de trabalho e por isso decidimos alargar as medidas do Impulso Jovem a esta categoria de trabalhadores. O combate ao desemprego passa muito também pela requalificação dos nossos desempregados. Por exemplo, celebrámos um protocolo com a Universidade Nova em que temos desempregados licenciados que vão receber cursos para competências de gestão. Requalificar é muito importante e tencionamos alargar estes protocolos a outras universidades.
Mas nada disso garante a criação do emprego, como se vê…
A terceira vertente das nossas políticas passa pela aposta no sistema dual e de aprendizagem. Este ano vamos aumentar o número de pessoas neste sistema de 19 para 30 mil, é um aumento de 50%. No próximo quadro comunitário e no âmbito da estratégia de reindustrialização, iremos aumentar o número de jovens neste sistema até 100 mil. Este sistema tem uma duração de três anos, o que significa 30 a 35 mil jovens por ano a mais. A empregabilidade das pessoas que passam pelo sistema dual e de aprendizagem é de cerca de 85%. A grande maioria dos jovens fica altamente qualificada e consegue emprego, mesmo em Portugal. É importante voltar a apostar naquilo que durante muitos anos caracterizou o nosso país, que é o ensino técnico e profissional. Temos um paradoxo neste momento: um desemprego sem precedentes e as nossas empresas dizem--nos que não conseguem encontrar empregados com algumas qualificações. Não temos tido a atenção devida para o ensino técnico-profissional.
Mas esses casos são pontuais. Não há ofertas de emprego com a escala para fazer travar o crescimento do desemprego. A taxa já vai nos 15,8% e sabendo que o Estado vai dispensar tanta gente como é possível acreditar na previsão de desemprego para 2013 (16,4%)?
Os três pilares passam pela política activa de emprego, pelas reformas estruturais que estão no terreno e pela reforma do sistema dual e de aprendizagem. Pensamos que a maneira mais eficaz de combater o desemprego passa por medidas de curto prazo para atenuar o problema, mas passa também por criar um futuro em que a aposta no sector produtivo seja real. Sabemos que o desemprego é de longe o problema mais grave que temos entre mãos. A Europa tem de perceber que manter taxas de desemprego muito elevadas durante um tempo indefinido ou demasiado prolongado não é minimamente aceitável para qualquer economia.
Como se consegue inverter a situação, reduzindo tão drasticamente o emprego público?
Crescendo. A curto prazo só se pode atenuar o problema através da política activa de emprego e da formação profissional e da requalificação dos nossos trabalhadores. A médio e longo prazo, ou seja, a partir de dois ou três anos, para termos uma descida sustentada do desemprego, temos claramente de voltar a crescer. E para isso as reformas estruturais são fundamentais, mas também os estímulos fiscais ao investimento e a estratégia de apostar nos sectores produtivos, na reindustrialização e nos recursos naturais são fundamentais para voltarmos ao crescimento.
O governo tem um objectivo quantitativo para baixar a remuneração accionista nas renegociações das parcerias público-privado?
Temos objectivos, mas não vamos revelar. Já na renegociação das subconcessões poupamos 1300 milhões de euros. Para o ano tencionamos ter uma redução dos encargos com as PPP de pelo menos 250 milhões de euros. E esta renegociação passa por transferir a matriz de risco do Estado para os privados. Sempre que havia uma renegociação de PPP, o Estado ficava com mais risco. Temos de inverter este caminho. Por outro lado, temos de diminuir rentabilidades e mexer em algumas das características desses contratos que são mais rentáveis e passam pelo investimento e manutenção ao longo da sua vida. Todos estes mecanismos é que nos vão permitir poupanças que estimamos superiores a 7 mil milhões de euros.
Há intenções, mas ainda não há resultados concretos.
Não gosto de fazer anúncios antes de as coisas estarem concluídas. Todas estas matérias se fazem nos bastidores e não nos holofotes da imprensa.
Qual tem sido a abertura do BEI para renegociar estes projectos? O Banco Europeu de Investimentos é a única entidade envolvida nas PPP que não tem riscos.
Temos tido negociações com o BEI e com entidades bancárias. Neste momento ninguém se recusou a dialogar com o governo.
O seu nome é sempre apontado como um remodelável permanente.
Eu estou remodelável desde o primeiro dia, se me lembro bem. Não me preocupa minimamente. Desde o primeiro dia que tinha uma ideia muito clara do que era preciso fazer, sempre me concentrei em executar as reformas que estão no terreno e criar as condições para voltar a crescer.
Mas a sua imagem mudou muito. É mais político nas intervenções no parlamento.
Acho que não mudou. Desde o primeiro dia estou aqui para ajudar o país a ultrapassar a crise. Enquanto os outros falam de crescimento, é importante mostrar na prática e apresentar soluções. Quando fizemos as reformas estruturais não vacilámos. Mas algumas, admito, não soubemos comunicá-las bem.
Foi o que aconteceu com a TSU?
O que lhe posso dizer é que não soubemos comunicar bem muitas dessas reformas estruturais. Por isso é importante referir e reiterar o que foi feito nos últimos meses, mas também é possível perceber que estamos numa encruzilhada. Ou a Europa de uma vez por todas põe em prática o que defende na teoria, ou não vamos ter futuro para a Europa. E só é possível termos futuro para a Europa se alguns países tiverem a possibilidade de apresentar uma série de medidas que possam estimular o investimento produtivo. As reformas estruturais já estão feitas. Falta ainda concluir uma reforma fundamental, que é a do combate à burocracia com o licenciamento zero em todas as áreas em que podermos intervir.
Mas quem fez os estudos que fundamentavam a descida da TSU por aumento da contribuição dos trabalhadores? Nunca os vimos.
A intenção de baixar a TSU como contrapartida do aumento do IVA foi uma medida pensada no Memorando para baixar os custos das empresas, fazer uma desvalorização fiscal. Neste momento não estamos a falar disso. Medidas como o apoio ao investimento que estamos agora a suscitar são mais importantes para o debate público e é isso que vamos suscitar.
Numa conferência recente com os empresários criticou ou apelou a uma posição mais reivindicativa em relação à União Europeia.
Não é uma crítica. A Europa e a Comissão Europeia têm de ser nossos aliados no crescimento. Têm de trabalhar connosco, para flexibilizar uma série de regras. Manter regras inflexíveis e fundamentalistas neste momento é contraproducente. E por isso mesmo a única maneira de conseguirmos voltar a crescer é apostar uma estratégia de reindustrialização, mas também termos coragem de avançar com incentivos financeiros e fiscais ao investimento.
Portugal deve ter uma postura mais reivindicativa face à troika?
Não é essa a questão. O que não é admissível e os europeus não esperam e não podem aceitar é que se fale muito de crescimento e depois não se apresentem soluções. Por isso contamos com a Comissão Europeia para serem nossos aliados no processo da reindustrialização e apoio ao investimento.
Já discutiram essa estratégia com a troika nesta avaliação?
Sobre a nova avaliação preferimos não falar até estar terminada. Muita coisa que apresentámos e estamos a fazer não estava no Memorando, mas estamos a fazer mais porque achamos que é importante para voltarmos ao crescimento económico.
Está arrependido de ter pedido à imprensa que o tratasse por Álvaro? Teve noção de que isso poderia ser usado pela oposição contra si?
Acho que a competência das pessoas não se faz por títulos académicos. Em Portugal temos tendência a valorizar os títulos quando o que interessa são as competências. Prefiro que esta postura mais informal seja reflectida numa cultura de trabalho e de apresentação de resultados que temos vindo a apresentar. Tratarem-me por Álvaro ou por Sr. Dr. não é relevante, O que interessa é se estou aqui para ajudar o meu país ou se estou a fazer um bom trabalho.
Sente-se seguro neste ambiente de contestação social crescente?
Continuo a andar pelas ruas com os meus filhos ao fim-de-semana. Não mudei as minhas rotinas nesse sentido. Estou aqui para fazer um trabalho pelo país e tenciono cumprir os meus objectivos. Estou aqui por serviço público. É importante ouvir as críticas para melhorar com elas. E muitas vezes as pessoas aproximam-_-se de mim para me dizerem alguma coisa, mas continuo a fazer a minha vida normal. Nunca me senti ameaçado.
Gostava de se filiar no PSD?
Sou claramente um social-democrata. Acredito em políticas em que é importante manter uma componente social, mas com uma política mais sensata ao nível da economia. Não sou a favor de ajudazinhas às empresas, os tais subsídios. Não sou a favor de empresas de mãos estendidas. Sou a favor de criarmos uma sociedade de oportunidades para todos: quer nasçam numa aldeia de Trás-os-Montes, quer nasçam em Lisboa ou no Algarve. Independentemente do sítio onde nascerem e da condição social que essas pessoas tenham oportunidades para singrar na vida se trabalharem. É isso que temos de criar em Portugal. Para mim isso é ser-se social-democrata. Pensar com uma consciência social enquanto criamos uma sociedade de oportunidades.
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