“O Indy” foi oposição do primeiro governo de maioria absoluta do PSD e mudou o jornalismo em Portugal. Ao leme estavam Paulo Portas e Miguel Esteves Cardoso.
Vivia-se o tempo da primeira maioria absoluta de um só partido (o PSD) em democracia. Era o tempo da adesão à Comunidade Económica Europeia, da chegada de milhares de milhões de contos de dinheiros europeus, de uma só auto-estrada (a A1 entre Lisboa e Vila Franca de Xira) e do ‘gangue da meia-branca’. Era desta forma pejorativa que “Independente” se referia ao homens-novos criados pelo cavaquismo, aqueles que apelidava de políticos sem currículo e sem história nos círculos lisboetas que tinham chegado ao poder com o primeiro governo de Cavaco Silva . Eram estes os alvos do jornal de Miguel Esteves Cardoso (MEC) e de Paulo Portas e foi assim que Miguel Cadilhe, Costa Freire, Zezé Beleza, Braga Macedo sofreram o duro escrutínio do jornal que abanou o Portugal dos anos 90.
“Acredito que a linha do jornal foi para o desgaste de um partido, de um líder e de um governo. Tudo dentro de um projecto político do director-adjunto”, diz Luís Nobre Guedes, fundador e presidente do Conselho de Administração da SOCI, proprietária de “O Independente”. Nobre Guedes, contudo, sublinha, que pela redacção do jornal “passou o melhor que o país tinha” a nível jornalístico. De Maio de 1988 – data da fundação do semanário – até 1995, o jornal combateu os governos de Cavaco Silva, denunciou irregularidades e fez cair ministros ao mesmo tempo que mudou a face do jornalismo em Portugal. Mas também combateu o Presidente Mário Soares, tendo denunciado o chamado caso fax de Macau que deu origem a vários processos judiciais que levaram Carlos Melancia e outras figuras gradas do soarismo ao banco dos réus.
Era assim “O Independente”. Um jornal que não acreditava na neutralidade, assumindo-se como “democrata e conservador”, financiado por investimento privado num panorama em que a maior parte dos órgãos de comunicação pertenciam ao Estado. O semanário considerava “a liberdade acima da igualdade”, segundo o seu estatuto editorial, elaborado pelo já popular MEC e pelo seu adjunto Portas.
“O jornalismo era muito cinzento, especialmente o jornalismo político. Muito poucos jornalistas tinham agendas próprias. Era muito institucional. Mudámos tudo isso”, diz ao i a jornalista Graça Rosendo, que trabalhou no jornal desde o seu começo até 1995.
Se por um lado, com o seu grafismo inovador, muito inspirado no jornal francês “Libération”, com capas apelativas e trocadilhos atrevidos – muitas vezes a roçar o sensacionalismo –, o jornal trouxe às bancas portuguesas o colorido que parecia faltar à imprensa, o conteúdo destacava-se pela diferença. “No início, os restantes meios de comunicação ficaram espantados connosco, ninguém nos conhecia porque não íamos às conferências de imprensa que estavam marcadas e procurávamos as nossas próprias histórias”, acrescenta a jornalista.
A confiança na maioria “O Independente” apareceu na vida do primeiro-ministro Cavaco Silva quando as coisas lhe corriam bastante bem. Depois de ter dado a primeira maioria absoluta ao PSD nas eleições de 1987, o país atravessava um período de crescimento económico alavancado pelos fundos provenientes da Comunidade Europeia – a que Portugal tinha aderido em 1986 – e uma política de investimento em infra-estruturas por todos o país. Mas Cavaco queria ir mais longe, preparava já as reformas do sistema financeiro e do regime fiscal, concretizando em 1989 – através da segunda revisão constitucional – um plano de privatizações e a abertura da economia ao sector privado. E da oposição, isto é, do PS nem sinal. Depois da saída de Mário Soares da liderança do Partido Socialista para a Presidência da República, o PS lutava ainda para encontrar uma liderança forte que pudesse fazer frente à confluência em torno da governação de Cavaco Silva e da confiança gerada à volta do seu executivo. Era o tempo que Jorge Sampaio (secretário-geral do PS) e António Guterres (líder parlamentar) conspiravam um contra o outro.
Mas o que muitos admiravam em Cavaco, outros consideravam arrogância, lembrando que uma maioria absoluta não equivalia a uma carta-branca. Entre estes, encontrava-se o jovem Paulo Portas. A Portas irritava a faceta tecnocrata de Cavaco – “um homem que tende a julgar que um bom documento técnico vale mais do que um razoável acordo político” – e a sua omnipotência – “um homem que finalmente terá percebido que a política não morreu nem se esgota nele”. Quanto aos seus ministros, em Agosto de 1988, Portas escreve: “ninguém sabe o que esperar deles, nem para o bem, nem para o mal”. E “O Independente analisaria um por um.
O combate começa No princípio de 1989, “O Independente” consegue a sua primeira grande história. Miguel Cadilhe, na altura ministro das Finanças, teria comprado um apartamento de luxo nas torres das Amoreiras e não teria pago o imposto de aquisição do imóvel – na altura SISA, agora IMT – por ter comprado a propriedade através de uma permuta. Para além disso, a mudança do ministro tinha sido feita pela Guarda Fiscal. Confrontado com estes factos, Miguel Cadilhe respondeu: “Se me perguntarem se comprei mal, eu digo não, eu acho que comprei bem. Se não soubesse gerir a minha casa, mal estaria a gerir o património do Estado”.
“Acredito que o jornal mudou a maneira como os políticos encaravam até aí a realidade”, diz Graça Rosendo referindo-se ao caso de Cadilhe. A jornalista defende que “O Independente” não acabou com a impunidade, mas levou “a que os titulares de cargos políticos tivessem mais cuidado com o que faziam”. O ministro sairia do governo em 1990.
Em Março do mesmo ano, Costa Freire, secretário de Estado da Saúde demite-se. Um relatório da Inspecção Geral das Finanças vem dar razão a uma série de reportagens do jornal de Portas e aponta o envolvimento do governante em várias irregularidades e pagamentos a empresas fantasmas em obras de vários hospitais. Seria o primeiro abalo da ministra da Saúde, Leonor Beleza, que estava em pé de guerra com os médicos. Seguiram-se o caso dos hemofílicos e o envolvimento do irmão José, mais conhecido por Zézé, no caso da fraude dos hospitais.
Nesta altura, a redacção começa a aperceber-se da dimensão que “O Independente” está a tomar. “Havia chamadas constantes à quinta-feira para descobrir as nossas manchetes” conta Graça Rosendo. Também Mira Amaral, ministro da Indústria e da Energia na altura relembra em declarações ao i que o executivo “começava a semana a perguntar quem é que ia ser baleado n’ “O Independente” de sexta-feira”.
“Soubemos que irritávamos verdadeiramente Cavaco Silva quando este arranjou esquemas para descobrir quem nos passava a informação, enviando diferentes versões para os vários ministério. A que saísse no jornal, era a nossa fonte”, conta Graça Rosendo que admite que o jornal “generalizou o off e as fontes anónimas” e quebrou o tabu de publicar documentos antes da sua aprovação.
“As fontes de informação do jornal estavam dentro do próprio cavaquismo”, explica o professor José Adelino Maltez, acrescentando que algumas das notícias passadas ao semanário tinham como objectivo liquidar politicamente alguns membros do governo. “Essas notícias eram favoráveis a certas forças dentro do próprio executivo”, afirma Maltez. Mira Amaral diz que muitas manchetes do Independente mostravam “que havia fugas dentro do governo”, como ele próprio chegou a dizer a Cavaco Silva.
“Com certeza que era incómodo para Cavaco ter pessoas no Conselho de Ministros ou na Comissão Política do PSD que depois contavam o que se lá passava dentro”, afirma Luís Nobre Guedes.
Longe demais “Tinha um objectivo claro que era derrubar ou minar, atacar e denegrir Cavaco Silva e os seus ministros. Era um jornal de combate ao governo”, diz José Silva Peneda, então ministro do Emprego e da Segurança Social. “A mim acusaram-me de viver numa casa da Segurança Social e foram tirar-me fotografias à porta de casa”, recorda Silva Peneda, que explicou ao jornal que ocupava a casa cedida por um amigo (Pereira da Silva, antigo chefe de gabinete do ex-ministro do Trabalho) que era o locatário do imóvel. “Era um jornal que procurava o escândalo fácil e não considero que fosse um jornal sério”, afirma Silva Peneda.
Apesar de ter defendido 127 casos contra “O Independente” e apenas ter perdido quatro, Nobre Guedes, que era o advogado do jornal, considera que nalgumas ocasiões o jornal foi “claramente longe de mais”, havendo muitas pessoas que “saíram muito melindradas, magoadas feridas e muito injustiçadas” de algumas acusações feitas pelo semanário. “Era uma forma de jornalismo que assentava no ataque pessoal. Eu fui poupado, nem tenho razões de queixa, mas senti em vários colegas”, declara Mira Amaral.
João de Deus Pinheiro, então ministro dos Negócios Estrangeiros conta, entre risos, a história da manchete do Independente que o ligava ao roubo de uma manta da TAP depois de um voo. “Podiam-me ter acusado de qualquer coisa porque como é óbvio não era um ministro perfeito. Mas do roubo de uma manta? Quem me conhece sabe que seria incapaz disso e a opinião pública apercebeu-se que no jornal os assuntos não eram tratados de forma séria”, afirma Deus Pinheiro.
Graça Rosendo afirma ter sido contra a publicação dessa história e reconhece que “houve exageros e pouca noção dos limites”, por isso acredita que haja pessoas que ficaram sentidas, mas afirma que no jornal “não foram contadas mentiras”.
Adelino Maltez afirma que a direcção do jornal pretendia “ver-se livre de uma direita que não lhes agradava”. E alguns episódios, como as bandas desenhadas de Macário Correia, fazendo referência às suas origens, segundo o professor, indicavam “um jornal de queques da linha”, que mais tarde, através de Paulo Portas, acabou por “marcar a direita em Portugal”.
O salto de Paulo Portas “Uma estratégia política do director do Independente” é assim que Nobre Guedes define a linha editorial seguida por Paulo Portas. O homem que jurou jamais juntar-se ao outro lado, começou por aproximar-se do CDS num período de transição do partido, primeiro com a tentativa (falhada) de impulsionar a candidatura presidencial de Francisco Lucas Pires e depois com o apoio à candidatura de Basílio Horta às presidenciais de 1991. Basílio Horta foi o único candidato de direita nessas eleições – já que Mário Soares era apoiado pelo PSD – e obteve 14% dos votos, uma melhoria face ao resultado das legislativas de 87 que deram ao partido apenas 5% dos votos.
Mas a verdadeira intervenção política fez-se através de Manuel Monteiro. Antigo líder da Juventude Centrista – agora Juventude Popular – assume em 1992 a liderança do CDS e travará as suas maiores batalhas com Paulo Portas ao seu lado. Enquanto tratava do jornal, Portas também escrevia os discursos de Monteiro, aconselhava-o, tendo mesmo chegado a participar informalmente em reuniões da direcção do partido.
“A minha primeira direcção no CDS tem um conjunto significativo de pessoas que vinham da estrutura directiva d’ “O Independente”. Nobre Guedes era presidente da SOCI, Pais do Amaral, um dos principais accionistas daquela empresa, e Francisco Fino. Estamos a falar de três ou quatro pessoas do jornal que estavam lá” diz ao i Manuel Monteiro, acrescentando, contudo, que a autoria ideológica na transição do CDS para o Partido Popular é sua. Embora também assuma o papel determinante do jornal nessa transformação. “Havia uma sintonia entre partido e jornal, principalmente na crítica ao cavaquismo (mais que a Cavaco Silva) e isso era inquestionável”, acrescenta. Adelino Maltez diz que Paulo Portas teve um papel essencial nesse momento na alteração do eleitorado de direita, que, com a sua influência, passou a ser “mais urbano”.
Apesar de continuar a noticiar escândalos dos ministros cavaquistas – em 1992 o jornal avança que Braga de Macedo, então ministro das Finanças da segunda maioria absoluta de Cavaco Silva tinha concorrido com o nome do cunhado a apoios para jovens agricultores no valor de 10 mil contos – a batalha do Independente, tal como a do CDS, torna-se a Europa. Fazem-se inquéritos aos deputados sobre o Tratado de Maastricht, pede-se um referendo, tudo para proteger a soberania nacional e parar o furor federalista.
Paulo Portas e Cavaco Silva acabariam por abandonar ao mesmo tempo os seus cargos. Um para entrar na política e tornar-se deputado pelo CDS impulsionado pela visibilidade que o cargo como director-adjunto d’ O Independente lhe proporcionou; o outro, para sair do governo porque 10 anos no poder cansam e o desgaste, especialmente do seu último mandato, já não lhe permitiam o brio de outros tempos. Ironicamente, os caminhos entre os dois (que hoje têm uma relação estabilizada) cruzaram-se logo se seguida.
Com a primeira candidatura presidencial de Cavaco em 1996 (perdeu para Jorge Sampaio), Portas foi obrigado à sua primeira cambalhota política. Ignorando tudo o que tinha escrito, acabou por apoiar o seu ex-inimigo de estimação.
“Acredito que a linha do jornal foi para o desgaste de um partido, de um líder e de um governo. Tudo dentro de um projecto político do director-adjunto”, conclui Nobre Guedes, sublinhando no entanto que pela redacção do Independente “passou o melhor que o país tinha” a nível jornalístico.
“Na altura, não tinha essa noção”, assume Graça Rosendo, dizendo que para si o Indy era “um projecto jornalístico” que tinha “um director-adjunto brilhante”. Rosendo reconhece, contudo, que o jornal representou um “salto” para Portas.
Quanto à importância de um jornal como “O Independente naqueles anos? Tanto Mira Amaral como João de Deus Pinheiro afirmam que nada mudou na política por influência d’ “O Independente”, mas admitem que pode “ter condicionado” algumas medidas.
O escrutínio intenso do “Independente” (tal como do “Público”) obrigou, contudo, a classe política a legislar para evitar novos escândalos na gestão dos dinheiros públicos. É desta altura que surgem leis como a das incompatibilidades ou a que obrigou os titulares de cargos políticos a divulgarem os seus rendimentos ao Tribunal Constitucional.
Graça Rosendo diz que “efectivamente houve recuos” no cavaquismo graças à divulgação no jornal de estudos e propostas do governo e que isso “deixava o primeiro-ministro furioso”.
Adelino Maltez diz que tem saudades do semanário. “Tinha jornalistas geniais e uma grande força editorial, tenho a certeza que um ‘Relvas’ pelo Independente já estava demitido”, assegura. O investigador deixa o aviso que Paulo Portas ainda pode voltar ao jornalismo: “tem o vício”.
“Acredito que a linha do jornal foi para o desgaste de um partido, de um líder e de um governo. Tudo dentro de um projecto político do director-adjunto”, diz Luís Nobre Guedes, fundador e presidente do Conselho de Administração da SOCI, proprietária de “O Independente”. Nobre Guedes, contudo, sublinha, que pela redacção do jornal “passou o melhor que o país tinha” a nível jornalístico. De Maio de 1988 – data da fundação do semanário – até 1995, o jornal combateu os governos de Cavaco Silva, denunciou irregularidades e fez cair ministros ao mesmo tempo que mudou a face do jornalismo em Portugal. Mas também combateu o Presidente Mário Soares, tendo denunciado o chamado caso fax de Macau que deu origem a vários processos judiciais que levaram Carlos Melancia e outras figuras gradas do soarismo ao banco dos réus.
Era assim “O Independente”. Um jornal que não acreditava na neutralidade, assumindo-se como “democrata e conservador”, financiado por investimento privado num panorama em que a maior parte dos órgãos de comunicação pertenciam ao Estado. O semanário considerava “a liberdade acima da igualdade”, segundo o seu estatuto editorial, elaborado pelo já popular MEC e pelo seu adjunto Portas.
“O jornalismo era muito cinzento, especialmente o jornalismo político. Muito poucos jornalistas tinham agendas próprias. Era muito institucional. Mudámos tudo isso”, diz ao i a jornalista Graça Rosendo, que trabalhou no jornal desde o seu começo até 1995.
Se por um lado, com o seu grafismo inovador, muito inspirado no jornal francês “Libération”, com capas apelativas e trocadilhos atrevidos – muitas vezes a roçar o sensacionalismo –, o jornal trouxe às bancas portuguesas o colorido que parecia faltar à imprensa, o conteúdo destacava-se pela diferença. “No início, os restantes meios de comunicação ficaram espantados connosco, ninguém nos conhecia porque não íamos às conferências de imprensa que estavam marcadas e procurávamos as nossas próprias histórias”, acrescenta a jornalista.
A confiança na maioria “O Independente” apareceu na vida do primeiro-ministro Cavaco Silva quando as coisas lhe corriam bastante bem. Depois de ter dado a primeira maioria absoluta ao PSD nas eleições de 1987, o país atravessava um período de crescimento económico alavancado pelos fundos provenientes da Comunidade Europeia – a que Portugal tinha aderido em 1986 – e uma política de investimento em infra-estruturas por todos o país. Mas Cavaco queria ir mais longe, preparava já as reformas do sistema financeiro e do regime fiscal, concretizando em 1989 – através da segunda revisão constitucional – um plano de privatizações e a abertura da economia ao sector privado. E da oposição, isto é, do PS nem sinal. Depois da saída de Mário Soares da liderança do Partido Socialista para a Presidência da República, o PS lutava ainda para encontrar uma liderança forte que pudesse fazer frente à confluência em torno da governação de Cavaco Silva e da confiança gerada à volta do seu executivo. Era o tempo que Jorge Sampaio (secretário-geral do PS) e António Guterres (líder parlamentar) conspiravam um contra o outro.
Mas o que muitos admiravam em Cavaco, outros consideravam arrogância, lembrando que uma maioria absoluta não equivalia a uma carta-branca. Entre estes, encontrava-se o jovem Paulo Portas. A Portas irritava a faceta tecnocrata de Cavaco – “um homem que tende a julgar que um bom documento técnico vale mais do que um razoável acordo político” – e a sua omnipotência – “um homem que finalmente terá percebido que a política não morreu nem se esgota nele”. Quanto aos seus ministros, em Agosto de 1988, Portas escreve: “ninguém sabe o que esperar deles, nem para o bem, nem para o mal”. E “O Independente analisaria um por um.
O combate começa No princípio de 1989, “O Independente” consegue a sua primeira grande história. Miguel Cadilhe, na altura ministro das Finanças, teria comprado um apartamento de luxo nas torres das Amoreiras e não teria pago o imposto de aquisição do imóvel – na altura SISA, agora IMT – por ter comprado a propriedade através de uma permuta. Para além disso, a mudança do ministro tinha sido feita pela Guarda Fiscal. Confrontado com estes factos, Miguel Cadilhe respondeu: “Se me perguntarem se comprei mal, eu digo não, eu acho que comprei bem. Se não soubesse gerir a minha casa, mal estaria a gerir o património do Estado”.
“Acredito que o jornal mudou a maneira como os políticos encaravam até aí a realidade”, diz Graça Rosendo referindo-se ao caso de Cadilhe. A jornalista defende que “O Independente” não acabou com a impunidade, mas levou “a que os titulares de cargos políticos tivessem mais cuidado com o que faziam”. O ministro sairia do governo em 1990.
Em Março do mesmo ano, Costa Freire, secretário de Estado da Saúde demite-se. Um relatório da Inspecção Geral das Finanças vem dar razão a uma série de reportagens do jornal de Portas e aponta o envolvimento do governante em várias irregularidades e pagamentos a empresas fantasmas em obras de vários hospitais. Seria o primeiro abalo da ministra da Saúde, Leonor Beleza, que estava em pé de guerra com os médicos. Seguiram-se o caso dos hemofílicos e o envolvimento do irmão José, mais conhecido por Zézé, no caso da fraude dos hospitais.
Nesta altura, a redacção começa a aperceber-se da dimensão que “O Independente” está a tomar. “Havia chamadas constantes à quinta-feira para descobrir as nossas manchetes” conta Graça Rosendo. Também Mira Amaral, ministro da Indústria e da Energia na altura relembra em declarações ao i que o executivo “começava a semana a perguntar quem é que ia ser baleado n’ “O Independente” de sexta-feira”.
“Soubemos que irritávamos verdadeiramente Cavaco Silva quando este arranjou esquemas para descobrir quem nos passava a informação, enviando diferentes versões para os vários ministério. A que saísse no jornal, era a nossa fonte”, conta Graça Rosendo que admite que o jornal “generalizou o off e as fontes anónimas” e quebrou o tabu de publicar documentos antes da sua aprovação.
“As fontes de informação do jornal estavam dentro do próprio cavaquismo”, explica o professor José Adelino Maltez, acrescentando que algumas das notícias passadas ao semanário tinham como objectivo liquidar politicamente alguns membros do governo. “Essas notícias eram favoráveis a certas forças dentro do próprio executivo”, afirma Maltez. Mira Amaral diz que muitas manchetes do Independente mostravam “que havia fugas dentro do governo”, como ele próprio chegou a dizer a Cavaco Silva.
“Com certeza que era incómodo para Cavaco ter pessoas no Conselho de Ministros ou na Comissão Política do PSD que depois contavam o que se lá passava dentro”, afirma Luís Nobre Guedes.
Longe demais “Tinha um objectivo claro que era derrubar ou minar, atacar e denegrir Cavaco Silva e os seus ministros. Era um jornal de combate ao governo”, diz José Silva Peneda, então ministro do Emprego e da Segurança Social. “A mim acusaram-me de viver numa casa da Segurança Social e foram tirar-me fotografias à porta de casa”, recorda Silva Peneda, que explicou ao jornal que ocupava a casa cedida por um amigo (Pereira da Silva, antigo chefe de gabinete do ex-ministro do Trabalho) que era o locatário do imóvel. “Era um jornal que procurava o escândalo fácil e não considero que fosse um jornal sério”, afirma Silva Peneda.
Apesar de ter defendido 127 casos contra “O Independente” e apenas ter perdido quatro, Nobre Guedes, que era o advogado do jornal, considera que nalgumas ocasiões o jornal foi “claramente longe de mais”, havendo muitas pessoas que “saíram muito melindradas, magoadas feridas e muito injustiçadas” de algumas acusações feitas pelo semanário. “Era uma forma de jornalismo que assentava no ataque pessoal. Eu fui poupado, nem tenho razões de queixa, mas senti em vários colegas”, declara Mira Amaral.
João de Deus Pinheiro, então ministro dos Negócios Estrangeiros conta, entre risos, a história da manchete do Independente que o ligava ao roubo de uma manta da TAP depois de um voo. “Podiam-me ter acusado de qualquer coisa porque como é óbvio não era um ministro perfeito. Mas do roubo de uma manta? Quem me conhece sabe que seria incapaz disso e a opinião pública apercebeu-se que no jornal os assuntos não eram tratados de forma séria”, afirma Deus Pinheiro.
Graça Rosendo afirma ter sido contra a publicação dessa história e reconhece que “houve exageros e pouca noção dos limites”, por isso acredita que haja pessoas que ficaram sentidas, mas afirma que no jornal “não foram contadas mentiras”.
Adelino Maltez afirma que a direcção do jornal pretendia “ver-se livre de uma direita que não lhes agradava”. E alguns episódios, como as bandas desenhadas de Macário Correia, fazendo referência às suas origens, segundo o professor, indicavam “um jornal de queques da linha”, que mais tarde, através de Paulo Portas, acabou por “marcar a direita em Portugal”.
O salto de Paulo Portas “Uma estratégia política do director do Independente” é assim que Nobre Guedes define a linha editorial seguida por Paulo Portas. O homem que jurou jamais juntar-se ao outro lado, começou por aproximar-se do CDS num período de transição do partido, primeiro com a tentativa (falhada) de impulsionar a candidatura presidencial de Francisco Lucas Pires e depois com o apoio à candidatura de Basílio Horta às presidenciais de 1991. Basílio Horta foi o único candidato de direita nessas eleições – já que Mário Soares era apoiado pelo PSD – e obteve 14% dos votos, uma melhoria face ao resultado das legislativas de 87 que deram ao partido apenas 5% dos votos.
Mas a verdadeira intervenção política fez-se através de Manuel Monteiro. Antigo líder da Juventude Centrista – agora Juventude Popular – assume em 1992 a liderança do CDS e travará as suas maiores batalhas com Paulo Portas ao seu lado. Enquanto tratava do jornal, Portas também escrevia os discursos de Monteiro, aconselhava-o, tendo mesmo chegado a participar informalmente em reuniões da direcção do partido.
“A minha primeira direcção no CDS tem um conjunto significativo de pessoas que vinham da estrutura directiva d’ “O Independente”. Nobre Guedes era presidente da SOCI, Pais do Amaral, um dos principais accionistas daquela empresa, e Francisco Fino. Estamos a falar de três ou quatro pessoas do jornal que estavam lá” diz ao i Manuel Monteiro, acrescentando, contudo, que a autoria ideológica na transição do CDS para o Partido Popular é sua. Embora também assuma o papel determinante do jornal nessa transformação. “Havia uma sintonia entre partido e jornal, principalmente na crítica ao cavaquismo (mais que a Cavaco Silva) e isso era inquestionável”, acrescenta. Adelino Maltez diz que Paulo Portas teve um papel essencial nesse momento na alteração do eleitorado de direita, que, com a sua influência, passou a ser “mais urbano”.
Apesar de continuar a noticiar escândalos dos ministros cavaquistas – em 1992 o jornal avança que Braga de Macedo, então ministro das Finanças da segunda maioria absoluta de Cavaco Silva tinha concorrido com o nome do cunhado a apoios para jovens agricultores no valor de 10 mil contos – a batalha do Independente, tal como a do CDS, torna-se a Europa. Fazem-se inquéritos aos deputados sobre o Tratado de Maastricht, pede-se um referendo, tudo para proteger a soberania nacional e parar o furor federalista.
Paulo Portas e Cavaco Silva acabariam por abandonar ao mesmo tempo os seus cargos. Um para entrar na política e tornar-se deputado pelo CDS impulsionado pela visibilidade que o cargo como director-adjunto d’ O Independente lhe proporcionou; o outro, para sair do governo porque 10 anos no poder cansam e o desgaste, especialmente do seu último mandato, já não lhe permitiam o brio de outros tempos. Ironicamente, os caminhos entre os dois (que hoje têm uma relação estabilizada) cruzaram-se logo se seguida.
Com a primeira candidatura presidencial de Cavaco em 1996 (perdeu para Jorge Sampaio), Portas foi obrigado à sua primeira cambalhota política. Ignorando tudo o que tinha escrito, acabou por apoiar o seu ex-inimigo de estimação.
“Acredito que a linha do jornal foi para o desgaste de um partido, de um líder e de um governo. Tudo dentro de um projecto político do director-adjunto”, conclui Nobre Guedes, sublinhando no entanto que pela redacção do Independente “passou o melhor que o país tinha” a nível jornalístico.
“Na altura, não tinha essa noção”, assume Graça Rosendo, dizendo que para si o Indy era “um projecto jornalístico” que tinha “um director-adjunto brilhante”. Rosendo reconhece, contudo, que o jornal representou um “salto” para Portas.
Quanto à importância de um jornal como “O Independente naqueles anos? Tanto Mira Amaral como João de Deus Pinheiro afirmam que nada mudou na política por influência d’ “O Independente”, mas admitem que pode “ter condicionado” algumas medidas.
O escrutínio intenso do “Independente” (tal como do “Público”) obrigou, contudo, a classe política a legislar para evitar novos escândalos na gestão dos dinheiros públicos. É desta altura que surgem leis como a das incompatibilidades ou a que obrigou os titulares de cargos políticos a divulgarem os seus rendimentos ao Tribunal Constitucional.
Graça Rosendo diz que “efectivamente houve recuos” no cavaquismo graças à divulgação no jornal de estudos e propostas do governo e que isso “deixava o primeiro-ministro furioso”.
Adelino Maltez diz que tem saudades do semanário. “Tinha jornalistas geniais e uma grande força editorial, tenho a certeza que um ‘Relvas’ pelo Independente já estava demitido”, assegura. O investigador deixa o aviso que Paulo Portas ainda pode voltar ao jornalismo: “tem o vício”.
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