Depois de sair do centro da cidade, o número de bilhetes vendidos desceu 80%. A maior parte dos actuais clientes vai para a praia gay, a 19.
A seguir ao 25 de Abril, António Pinto da Silva lembra-se bem do caos que se instalou na paragem do comboio que percorre as praias da Costa da Caparica. “A fila para os bilhetes dava várias voltas e tínhamos lá sempre a polícia marítima”, recorda. “Quando chegava um comboio as pessoas saltavam para cima dele e não deixavam um lugar vazio. Havia discussões, empurrões, pancadaria… Só faltava irem no tejadilho.”
Agora os tempos são outros e a polícia marítima já não precisa de dar à costa. O comboio da TransPraia, assim se chama a companhia criada a 29 de Junho de 1960 por Casimiro, pai de António, tem lugares para dar e vender. Desde 2007, quando as obras de requalificação da Costa da Caparica obrigaram os comboios a sair do centro da cidade, que o número de clientes desceu a pique. “Dei-me ao trabalho de contar os bilhetes que vendi antes de 2007 e os bilhetes que vendi o ano passado e agora tenho menos 80% de clientes”, queixa-se António, de 68 anos. “Não sei se para o ano vai voltar a haver comboio.”
Até às obras que tentaram dar um novo ar à Costa da Caparica, a primeira paragem do comboio era no fim da Rua dos Pescadores, perto do restaurante do benfiquista Barbas. “Mas disseram-nos que não estávamos integrados no plano de ornamento da costa e que tínhamos de sair dali”, continua António. “Perdemos um quilómetro e vinte de linha.” Com a linha, foram-se também os clientes. Alguns talvez por preguiça de andarem mais um pouco a pé desde o centro da cidade até à nova paragem, perto do parque de campismo da Praia Nova. “Outros porque nem sequer sabem que o comboio continua a existir”, diz António. “Perdemos visibilidade, que era o que nos valia.”
PRAIA 19 Não é difícil arranjar um lugar no comboio, mesmo num concorrido dia de praia de Agosto. Andrea, um turista italiano que visita a Caparica pela primeira vez e nos pergunta se trabalhamos para a “National Geographic”, toca na campainha de paragem e fica-se pela praia 19, já quase a chegar à Fonte da Telha, muito popular entre a comunidade gay. “Descobri num site italiano”, conta antes de começar a descer as dunas.
“Isto aqui é uma praia de nudistas. Mas só de homens”, avisa-nos Marco, o cobrador de bilhetes, que usa umas luvas de bicicleta para não criar calos nas mãos enquanto se empoleira de carruagem em carruagem. Marco é um dos sete trabalhadores da TransPraia – costumavam ser 17 – e é a primeira vez que está a trabalhar em comboios. “Antes era decorador”, diz-nos.
É na praia 19 que se esvazia grande parte dos bancos do comboio, outrora ocupados por homens. Aliás, a praia ganhou o nome de 19 porque é esse o número da paragem do comboio. “Em 1967 apareceu cá um alemão de uma revista e escreveu que a praia 19 do TransPraia era um ponto de encontro gay”, conta António. “A partir daí, ficou internacionalmente conhecida.” E António agradece, porque são os frequentadores da praia que ainda vão ocupando os bancos.
AMIGDALITES O primeiro comboio – na verdade são três a circular, cada um com duas carruagens – parte às nove da manhã e o último sai da Fonte da Telha, a última paragem, às sete e meia da tarde. “Dantes chegávamos a fazer comboios depois das dez da noite”, recorda António. “Os comboios saíam sempre cheios.”
Algumas famílias ainda vão subindo ao comboio com a tralha de praia, mas os preços não convidam a repetir a viagem muitas vezes: um bilhete de ida e volta custa 7,5 euros, 4,5 euros só ida. António explica: “Os custos de manutenção são muito elevados e levam-me a aumentar os preços todos os anos. As pessoas não fazem ideia... pensam que isto é uma mina de ouro, mas se tivéssemos de viver só disto estávamos desgraçados. O meu pai é que ainda nos deixou algum dinheiro...”
Casimiro, pai de António, teve a ideia de criar a TransPraia durante as férias na Caparica. “A minha irmã fazia amigdalites de repetição e um médico aconselhou-nos a ficarmos uns tempos na Costa, porque tinha muito iodo e fazia bem”, recorda António. A irmã melhorou e o pai criou um negócio: um tractor que puxava duas carruagens e levava as pessoas à praia. A coisa não correu bem, “os estrados de madeira partiram-se”, mas Casimiro, “Carneiro e, por isso teimoso”, diz António, não desistiu: copiou um modelo de comboios que tinha visto numa povoação em França.
ACIDENTES Quando Casimiro morreu, António foi “obrigado” a tomar conta do negócio e a largar o seu trabalho como director de serviços de propaganda médica. Até 2007, tudo corria sobre carris, à excepção de dois acidentes, um deles que causou uma morte. “Foi uma porteira de um prédio de Benfica”, conta António. “Ia a comer um pacote de batatas-fritas, ia distraída e não ouviu apitarem. Morreu atropelada.” O outro foi o choque de dois comboios, “porque nenhum dos dois indivíduos queria parar”, e que resultou nalguns joelhos esfolados. “Embora o ‘Correio da Manhã’ tenha falado em duas mortes, nem fizeram a coisa por menos...”
Agora o TransPraia voltou às notícias. “Pela desgraça, que é o que os media gostam”, ri-se António. Não há dinheiro para continuar, as peças são caras e António acha que o TransPraia pode estar a chegar ao fim da linha. No Facebook já há grupos de protesto – “Vamos Impedir Que Acabem Com o TransPraia na Costa” – e está agendada uma manifestação de protesto na oficina dos comboios, perto da praia da Mata, para 15 de Setembro.
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