O mundo perde anualmente solo arável equivalente a três Suíças - PUBLICO.PT
São já 168 os países afectados pela degradação dos solos e a desertificação - em Portugal esta atinge 63% do território.
Todos os anos o planeta perde 12 milhões de hectares de terra arável. Luc Gnacadja, secretário executivo da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD), gosta de fazer a comparação com o seu país. "É como se a cada ano o Benim fosse retirado do mapa." Mas podemos fazer outras comparações: é como se, anualmente, uma área três vezes o tamanho da Suíça desaparecesse perante os nossos olhos. É um pedaço de terra maior do que o território de Portugal.
A "severa degradação do solo" afecta já 168 países do mundo, quando em meados da década de 1990 eram 110 os que se declaravam afectados. Portugal é, na Europa, um dos países mais atingidos: de acordo com dados de 2010, 63% do país está afectado pela aridez - um valor que tem vindo a crescer a um ritmo acelerado e que tem tendência para continuar a aumentar.
Luc Gnacadja lamenta que as atenções do mundo estejam centradas sobretudo no problema das alterações climáticas e que se dê menos importância ao fenómeno da desertificação. Até porque está tudo ligado, explica ao PÚBLICO numa conversa em Lisboa, onde veio para um encontro com a ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, Assunção Cristas, nas vésperas do Dia Mundial do Combate à Seca e à Desertificaçao, que se celebra a 17 de Junho.
A degradação dos solos está relacionada com a energia, a água e a alimentação. Os números da UNCCD dão uma ideia da gravidade da situação. Estima-se que com o aumento da população para nove mil milhões seja necessário um aumento de 50% na produção de alimentos até 2050. Mas estes cálculos não levam em conta o impacto da degradação dos solos e das alterações climáticas, que poderão reduzir a produção agrícola entre 13% e 45%.
O ritmo da desertificação tem acelerado. "Em 1991 15% da terra estava a degradar-se, em 2008 esse número aumentou para 24%", diz Luc Gnacadja. As razões são várias e diferem conforme as zonas. "Podemos ter populações a viver nas mesmas condições e nuns casos o solo está a melhorar, enquanto noutros está a degradar-se. Isso deve-se às práticas de uso do solo. Na Ásia, por exemplo, a deflorestação é a principal causa de degradação. Noutras áreas pode ser a erosão - têm assistido a isso em Portugal -, quando depois de uma seca profunda surgem chuvas intensas que arrastam a camada superior dos solos."
Só a erosão é responsável pela perda anual de 24 mil milhões de toneladas da camada de topo dos solos. "São três toneladas per capita", sublinha o responsável da UNCCD. "Esta tendência está a acelerar-se, temos de estar à altura do desafio." Veja-se o caso de África, o continente mais vulnerável à seca e à degradação dos solos - aí, 45% do solo está já afectado e admite-se que o continente possa perder dois terços do solo produtivo até 2025.
Travar o deserto
É por isso que Luc Gnacadja considera 2050 "uma data demasiado longínqua". Temos de pensar num futuro mais imediato. "Já somos mais de sete mil milhões de pessoas no mundo, em 2030 poderemos ser mais de oito, e faltam apenas 17 anos. Nessa altura já vamos ter de lidar com um aumento de 50% das necessidades alimentares, 45% das necessidades energéticas e 30% das necessidades de água." Para dar resposta, será preciso entre 175 e 200 milhões de hectares adicionais de terra arável disponíveis em 2030.
"Vamos falar da água", prossegue. "Ninguém cria água. O que temos que garantir é a redução das perdas de água para o mar, aumentar a infiltração nos solos, voltar a encher os aquíferos. E tudo isto está ligado à regeneração dos solos." A urgência da situação levou a UNCCD a avançar com uma resolução a que chamou Zero Net Land Degradation (numa tradução livre, Balanço Líquido Zero na Degradação dos Solos), apresentada no ano passado na cimeira Rio+20 e cujo objectivo é reduzir o ritmo de degradação e aumentar o de restauração das terras, até atingir um equilíbrio zero.
Até agora, a resposta humana à degradação dos solos e ao avanço da desertificação tem sido derrubar mais área de floresta para conseguir aumentar a zona arável. Tem de se travar esse processo, diz Gnacadja, e apostar na recuperação das terras degradadas. E há já vários exemplos que mostram que isso é possível. "Procure na Internet a frase "O homem que fez parar o deserto"", aconselha. É um filme sobre um camponês do Burkina Faso que nos anos 1980, confrontado com a perspectiva de ter que abandonar as suas terras porque já não conseguia produzir, apostou na regeneração, modernizando técnicas tradicionais, como a zai - essencialmente buracos cavados no solo para reter água e nos quais colocou lixo biodegradável para desenvolver nutrientes.
"As árvores começaram a nascer espontaneamente", conta Gnacadja. "É um processo de regeneração natural, que aproveita o facto de as raízes ainda estarem no solo. Com a infiltração de água e a retenção de humidade é possível aumentar a plantação e, em alguns locais, esta chega a triplicar. Não é um processo que demore uma geração."
Há muitos exemplos pelo mundo fora, mas não há uma receita que funcione em todo o lado, frisa o responsável da UNCCD. Numa zona do Turquemenistão que visitou, por exemplo, a população tinha-se visto obrigada a deslocar as casas três vezes devido ao avanço das dunas. Até que decidiu mudar as dunas "e agora tem terra fértil onde antes tinha dunas de areia".
Um dos projectos de maior dimensão a ser aplicado no continente africano é a Great Green Wall (Grande Parede Verde), a plantação de uma barreira de árvores atravessando todo o território africano. "É um projecto importante, porque reúne mais de uma dezena de países - e a desertificação não pára nas fronteiras. As boas práticas devem ser disseminadas e coordenadas."
Mas se os governos são uma parte importante nesta luta, a UNCCD defende que muito do trabalho cabe aos agricultores. "A maior parte da comida é produzida por pequenos agricultores", diz Gnacadja. "No Níger assisti a um exemplo desta regeneração feita pelos agricultores. Falei com uma mulher a quem perguntei como é que se tinha envolvido naquele projecto. Ela disse-me que costumava andar meio dia para conseguir água e que agora [com o trabalho de regeneração do solo] já não precisava de o fazer. Um dos efeitos desse trabalho foi a subida dos lençóis de água."
Canadá saiu da convenção
Mas se os pequenos agricultores são responsáveis por muito do uso da terra, as grandes multinacionais ligadas ao sector alimentar também têm sérias responsabilidades na forma como os solos têm sido utilizados. "Fiquei contente por ver que o ano passado no Rio+20, quando defendemos que os governos assumissem a Zero Net Land Degradation, os privados foram bastante mais entusiásticos. Sabemos que são parte do problema, por isso começámos a trabalhar com eles. Eles percebem que perdem o negócio, se não tiverem recursos para trabalhar."
Luc Gnacadja dá o exemplo da crise alimentar que surgiu em 2007 na sequência da seca na Austrália. "O que é que os mercados fizeram? Em primeiro lugar especularam com os preços e tivemos inflação. Em segundo, compraram grandes quantidades de terras para produção futura. Isto significa que eles compreendem que a terra está a tornar-se um bem estratégico."
Tem havido progressos no sentido de uma maior consciencialização da gravidade do problema. No início dos anos 1990 alguns países ainda consideravam que a desertificação não os afectava. Só uma década depois, na cimeira Rio+20, é que os chefes de Estado e de governo reconheceram que "a desertificação, a seca e a deterioração dos solos estão a afectar o desenvolvimento sustentável em todo o mundo".
Mesmo assim há hesitações. O Canadá, um dos países claramente afectados pelo problema, decidiu retirar-se da Convenção. Porquê? "Gostaria que fizesse essa pergunta a um responsável canadiano. Eles não deram nenhuma razão para o fazer - embora não sejam obrigados a dá-la. O que li na comunicação social canadiana foi que tinham dito que a Convenção era só conversa e que apenas 18% do orçamento era usado em programas. O nosso orçamento é usado para organizar conferências, partilhar boas práticas, recolher informação, ajudar os países a reportar os seus progressos. Espero que este episódio com o Canadá tenha sido apenas um mal--entendido, até porque é um país cuja floresta está profundamente afectada."
Apesar de haver maior consciência e boas notícias em vários pontos do mundo, Gnacadja reconhece que há muito trabalho a fazer. "Porque é que este assunto não está nas primeiras páginas dos jornais de todo o mundo?", interroga-se. "Tudo o que tem a ver com as alterações climáticas atrai os jornalistas, mas quando falamos de solo chamam-lhe pó e dizem que não é importante. E, no entanto, a única forma de resolvermos o problema da água é através do solo. As civilizações desapareceram quando deixaram de tratar o solo. Porque é que os jornais não acham isto interessante? O que é que temos de fazer de forma diferente?"
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